segunda-feira, 15 de junho de 2015


O infantilismo, doença degenerativa

do socialismo


Helena Matos, Observador, 13 de Junho de 2015

Os partidos socialistas vão ficando cada vez mais fracos, os seus eleitorados mais irrealistas e disponíveis para os mais destravados populismos e as lideranças mais reféns dos índices de popularidade

Portugal tem um problema: o PS não quer governar. Quer simplesmente voltar atrás. Quer voltar a ser criança, coisa que à esquerda se traduz por radicalizar e proferir as maiores inanidades com o ar sorridente, feliz, de quem sabe que nunca lhe serão pedidas responsabilidades.

Quando o dinheiro acabou o socialismo (redistributivo por natureza) desistiu do pensamento, de construir propostas e foi substituído pelo infantilismo. Só a natureza intelectual e emocionalmente regressiva desse processso explica que, de repente, os socialistas não se distingam dos bloquistas e demais movimentos clonados. Basta atentar em títulos como: «PS diz que irá reverter o processo de privatização da TAP se for Governo» ou «Costa recusa cortes e promete repor pensões» para percebermos que o PS ou não pensa governar ou pelo menos não pensa governar em moldes democraticamente aceitáveis. Já as declarações dos socialistas sobre a TAP ter sido vendida por meio Jorge Jesus estão ao nível do patetismo, coisa que nem me apetece comentar! Fiquemo-nos portanto pela infantilização.

Os socialistas portugueses não estão sós neste seu processo de infantilização que pateticamente confundem com ideologia. Como é hábito, em Espanha tudo é mais acentuado e neste momento os socialistas espanhóis (numa atitude que revela um assinalável desconhecimento da sua própria História) fogem das alianças ao centro e optam por aliar-se à extrema-esquerda. Assim, entre acordos vários, por toda a Espanha, o PSOE deu o seu aval e os seus votos para que radicais de esquerda fiquem à frente das localidades ganhas sem maioria absoluta pelo PP. Estas frentes populares acabarão como de costume: os socialistas ficam destruídos e os radicais insuflados.

Símbolo de tudo isto: graças aos votos do PSOE, Madrid vai ter como responsável autárquica Manuela Carmena, uma senhora que enquanto juíza se caracterizou frequentemente por ter uma visão do Direito em que, como afirmam alguns dos seus colegas, se via simultaneamente como parte, legislador e juiz. Visão essa que às vezes levava a situações anedóticas, como aconteceu no chamado caso das calças. (Um processo movido contra vários empresários acusados de venda ilegal de calças de ganga que acabou com o Estado espanhol a ter de indemnizar os ditos empresários pois a juíza Carmena achou por bem distribuir por várias associações as calças apreendidas muito antes de se saber o desfecho do processo. Carmena não ponderara que se os homens fossem considerados inocentes – o que veio a suceder – teriam direito a reaver a mercadoria apreendida).

Num plano politicamente mais complicado também tivemos a juíza Carmena a aplicar as suas teses sobre a sem razão das prisões ao colocar em liberdade, por aquilo que considerou ponderosos problemas de saúde, Manuel Azkárate Ramos, um terrorista da ETA. Misteriosamente a doença que tanto impressionara a juíza Carmena não impedira, no passado, Azkárate Ramos de ser terrorista e muito menos o impediu de continuar a sê-lo assim que a juíza Carmena lhe deu a liberdade condicional.

Por agora Manuela Carmena pretende que a habitação é um direito humano e portanto quer acabar com os despejos; também quer municipalizar os serviços de recolha do lixo e promover activíssimas políticas de género. Este último item, apesar de não se perceber o que tem a ver com os trabalhos inerentes a um município, talvez seja o que levará a cabo com maior sucesso porque gera muito alarido e pouca despesa.

Ao verem-se as improváveis criaturas que o PSOE tem apadrinhado simplesmente para que o PP não exerça o poder, ao constatar-se como os socialistas fecham os olhos ao comportamento dos seus novos parceiros (nomeadamente as arruaças feitas pelo Podemos durante a tomada de posse de Manuela Carmena), cabe perguntar: o que querem os socialistas? E a resposta é só uma e não passa por governar mas sim por declarar: dizerem-se de esquerda. Mesmo que isso implique escaqueirar qualquer possibilidade de efectuar as reformas indispensáveis e que, tanto em Espanha como em Portugal, só podem ser feitas pelo centro.

Dir-se-á que faz parte dos livros que na oposição os socialistas radicalizam o discurso mas que, uma vez chegados ao governo, logo cai sobre eles o mais profundo sentido de Estado. Sendo isto frequentemente verdade, não quer dizer que seja isento de consequências a médio prazo: suponha-se que na oposição o PSD e o CDS ou em Espanha o PP não só confraternizavam como se aliavam e reconheciam a superioridade moral de uns grupos de extrema-direita? Pois esse exercício, que felizmente é mortal à direita, é praticado alegremente à esquerda com a não irrelevante consequência de legitimar, apadrinhar e incentivar uma gente que não tem qualquer programa exequível para governar e que continua intolerante e radical como sempre foi.

Por outro lado, este exercício vai ficando cada vez mais perigoso porque os partidos socialistas vão ficando cada vez mais fracos, os seus eleitorados mais irrealistas e disponíveis para apoiar os mais destravados populismos e as suas lideranças mais reféns dos índices de popularidade. (Qualquer semelhança com a actual situação do PS não é coincidência).

Quanto à direita, ou a não-esquerda como prefere ser chamada, pode perder as eleições, mas essa radicalização ideológica dos socialistas até lhes convém (mas só convém de facto à direita e só convém num primeiro momento) pois fugindo a direita ao debate ideológico, o espectáculo mais ou menos folclórico das frentes de esquerda no poder é o melhor presente que pode ter.

Querem melhor exemplo que o Syriza? O Syriza tem feito mais pela credibilidade de Maria Luís Albuquerque que quaisquer resultados conseguidos pelo seu ministério. O Syriza e as declarações de António Costa sobre a vitória do Syriza são o melhor presente que Passos teve este ano.

Afinal não podemos esquecer que o infantilismo da esquerda tem o seu reverso à direita no evidentismo: a direita não tem ideias e quando as tem, tem vergonha delas. Ou melhor dizendo, acha-as em geral menos nobres que o socialismo. A este último reserva a direita o estatuto de sociedade perfeita mas utópica. Não fosse a realidade desfazer sistematicamente a utopia e também a direita seria socialista. Daí decorre o evidentismo: mostrar à evidência os evidentes erros dos governos de esquerda não é uma estratégia eleitoral da direita. É a sua ideologia oficial. A sua justificação moral para não ser de esquerda.

E assim Portugal está entre o evidentismo e o infantilismo. Há contudo dilemas piores. Mas espero não ter de escrever sobre eles.





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