quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O futuro recente

Alberto Gonçalves

Depois de passar as primeiras semanas de mandato a analisar com minúcia a crise e o país, o Governo decidiu finalmente pegar o touro pelos cornos e intervir naquilo que realmente preocupa os portugueses. Falo, como é escusadíssimo acrescentar, do futebol, para cuja avaliação Miguel Relvas, o homem que celebrizou a expressão "futuro recente", anunciou não um, nem dois, mas três grupos de trabalho. O primeiro grupo "diz respeito à protecção das selecções nacionais e dos jogadores mais jovens" e será coordenado por José Luís Arnaut. O segundo grupo visa estudar "eventuais alterações ao regime jurídico e fiscal das sociedades anónimas desportivas" e será coordenado por Paulo Olavo Cunha. O terceiro grupo existe naturalmente para ponderar "a profissionalização ou não dos árbitros" e será coordenado por um senhor que é professor de Direito em Coimbra.
Suponho, e devo supor bem, que cada coordenador terá sob a sua competente alçada uma razoável quantidade de subcoordenadores, eminências pardas, assessores, adjuntos, ajudantes, sombrinhas e demais cargos de que o Estado não abdica sempre que se atira de cabeça para a resolução das grandes questões do nosso tempo. Reconforta notar que a atenção dos senhores que mandam em nós não se esgota na puerilidade da macroeconomia e que os apelos neoliberais à redução da despesa pública não influenciam indivíduos responsáveis. De que modo uma sociedade que se pretende digna e evoluída poderia deixar desprotegidos os jogadores imberbes e as selecções? Ou ignorar a legislação das SAD? Ou remeter para as calendas o vital tema dos árbitros profissionais? Comparado com tamanhos dramas, o défice é uma brincadeira.
Por manifesta sorte, o Governo não brinca e lançou a iniciativa política mais relevante desde que o Bloco de Esquerda, em sede parlamentar, se lembrou de legalizar a adopção por casais homossexuais e o meu vizinho reclamou, em sede de associação recreativa, de uma cerveja com pouca pressão. Só tenho uma dúvida. Ou é de mim, ou nas televisões, rádios, cafés, restaurantes, transportes públicos, transportes privados, praias e salas de estar os cidadãos nacionais não fazem outra coisa além de debater o futebol, incluindo, imagino, a situação das selecções, dos árbitros e tal? Contas por baixo, há muito que existem cerca de seis milhões de criaturas e dois milhões de grupos de trabalho exclusivamente empenhados na avaliação dos assuntos que o Governo deseja ver avaliados agora. Para cúmulo, avaliam de borla, aliás o melhor preço na construção de um futuro recente e, sem dúvida, risonho.



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