João José Brandão Ferreira
Com o título em epígrafe escreveu o general Eduardo Silvestre – meu camarada de armas que muito prezo por o considerar um bom profissional e pessoa de bem – um artigo num Diário de Notícias de há poucas semanas.
O escrito é curioso, levanta questões pertinentes e por isso – com a devida vénia – me proponho glosá-lo.
O articulista expõe o conceito de “anti política”, praticamente desconhecido em Portugal, considerando-o como uma intervenção cívica de contra poder, que tenta limitar a má governação pela pressão do escrutínio ético dos cidadãos assumindo, outrossim, uma atitude contra o monopólio político – partidário.
Sendo contra poder, não deseja, todavia assumir esse poder. Elabora, de seguida, sobre a perda de capacidades do nosso país, a caminhar para a situação que classifica de estado“exíguo”; para terminar dizendo que perante este plano inclinado a que se junta a inoperância e descrédito dos órgãos de soberania e da classe política em geral que considera “manifestamente incapaz de liderar e de inspirar confiança ao País”, restará às Forças Armadas (FAs) tomar novamente o poder, já que “os tempos se assemelham aos do final da I República”. Tem, contudo, claras dúvidas se as FAs “estão à altura de desempenharem de novo essa tarefa patriótica”.
Tirando a imprecisão da comparação do momento actual com o fim da I República – já lá iremos – e da aparente contradição entre o conceito de “anti política” e a intervenção das FAs em tomar o Poder, o escrito está lógico e coerente nas verdades expendidas.
Mas as questões verdadeiramente primaciais que o artigo levanta são as da legitimidade do Poder, e o que fazer quando a degradação do seu exercício vai subverter o que é suposto defender e garantir: a Segurança, a Justiça e o Bem Estar, da Nação organizada politicamente em Estado. Ou seja duas questões clássicas que não estão até hoje resolvidas!
Sem embargo, da leitura do artigo, pode-se facilmente concluir, estarmos em face do desaparecimento de Portugal (estado exíguo), e de uma extensa degradação da situação política, económica, financeira e social – o que justificará uma eventual intervenção política das FAs – o que, como se sabe, lhes está constitucionalmente vedado – sobrepondo-se assim à legitimação que os políticos em exercício, obtiveram através dos votos depositados naquelas caixinhas que ostentam o nome infeliz de “urnas”. Ou seja, é o próprio sistema, “soit dizant”, democrático que está em causa, através da sua falência prática!
Não deixa de ser curioso isto, quando se está comemorando os 100 anos da República!... E tudo se passando, ainda, depois do Dr. Mário, “pai da democracia”, Soares se ter esfalfado de repetir que “em Democracia há sempre uma solução para tudo” (desde que não falte o dinheiro para pagar favores e subsídios, acrescento eu …).
Ora como pelos vistos se passou a discutir, publicamente, as hipóteses de golpe de estado (a TVI 24H também abordou o assunto), vamos lá analisar a capacidade das FAs para pararem a queda do país no precipício (trata-se apenas de um estudo académico …).
Partilhando das preocupações do Gen. Silvestre quanto às capacidades das FAs, tenho que lhes acrescentar outras. Ao fazê-lo porém, irei inviabilizar a sua intervenção política. Para já. E o já, começa na situação que está longe de se assemelhar ao fim da I República. Basta dizer que a situação de instabilidade política, caos económico, bancarrota financeira, descrédito internacional e desordem (e violência) nas ruas não tem qualquer comparação possível. O que se passava então era já consequência de uma decomposição do estado e da sociedade que vinha da destruição do continente português, causado pelas invasões francesas, perda do Brasil, guerras civis, apodrecimento do regime monárquico e desgraças várias, que durou mais de 100 anos, pois pelas minhas contas só parou em 1933, com a aprovação de nova constituição desse ano.
É preciso não esquecer que em 1925/6, Lisboa assemelhava-se à Bagdad actual… Por outro lado o actual regime corrigiu os poderes do PR, que na Constituição de 1911 eram praticamente decorativos, para lhe dar alguma capacidade de manobra na Constituição actual. Ou seja a situação presente ainda tem muito por onde agonizar e está mais respaldada por via da União Europeia.
Agora, que existe uma tendência para regredirmos a 1926, isso existe.
A responsabilidade para resolver as crises existentes é do Poder Político. As FAs só devem intervir à beira do abismo (embora seja difícil determinar onde ele começa e se é desejável beber o “cálice” até ao fim). Fazê-lo antes é assumir uma responsabilidade que não lhes cabe e arranjar uma desculpa para os políticos.
Com isto dito, não creio que as FAs estejam capazes de intervir nos termos aduzidos, por várias razões que vou tentar enlencar:
Primeiro porque a Instituição Militar, ainda não recuperou das consequências, piores que menos boas, resultantes do que ocorreu a 25/4/74; Depois porque a geração quer está no topo da hierarquia ainda foi formada no anterior regime, fez a guerra ou passou pelo “PREC” e está, por razões várias, psicologicamente incapacitada para fazer seja o que for, a não ser ir aguentando o “barco” e mantendo a “cabeça fora de água”; depois porque as FAs perdem, quase mensalmente, capacidades (efectivos, dinheiro, material, quadros, dispositivo – tudo); para além disso o corpo de oficiais generais, está compreensivelmente “desnorteado” com a avalanche de barbaridades que se vão sucedendo, sem meios para actuar e sem saber exactamente o que fazer – e para além disso tem faltado uma base de entendimento e confiança mínima, entre eles.
Acresce a tudo isto o seguinte: fazer um golpe de estado e tomar o poder não exige grandes predicados nem dificuldades (no nosso caso); difícil é saber o que fazer no dia seguinte. Ora aqui é que adificuldade não é pouca, vai-se fazer o quê?
Devolver o poder a quem dele fez tão mau uso? Acabar com os partidos políticos, inventar um sistema novo? Como convencer homens sérios e capazes a quererem ir servir em vez de se servirem? Depois temos o ambiente internacional, sobretudo na área geopolítica onde nos inserimos, os problemas que nós enfrentamos são semelhantes aos de toda a Europa Ocidental. Além disto será necessário encontrar alguma forma de entendimento/neutralização das três únicas instituições com poder em Portugal,a saber: a Igreja,a Maçonaria e o Partido Comunista.
Finalmente, mas não menos importante, como se vai alimentar a população, já que o nosso tecido produtivo está nas ruas da amargura? a população perdeu hábitos de trabalho e sacrifício e não existem reservas alimentares que cheguem para uma semana!
Espero pois que numa próxima hipotética vez, se façam as coisas com alguma cabeça e profissionalismo e sem ingenuidades.
Estou em crer que seria desejável não termos que passar por mais nenhuma destas experiências, que se sucedem desde 1817.
Mas não estou optimista.
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