sexta-feira, 6 de março de 2015
Por que ataca Tsipras Portugal e Espanha?
José Ribeiro e Castro
O tom com que Tsipras atacou Portugal e Espanha, neste fim-de-semana, surpreendeu. As acusações foram, nada mais, nada menos, de que os governos português e espanhol quiseram «derrubar o governo do Syriza» e «levar a Grécia para o abismo». Foi ao ponto de sustentar mesmo, a apimentar o quadro, que Portugal e Espanha formaram um «eixo contra Atenas» (designação sugestiva...) e afirmou não ter dúvidas sobre que se tratava de um plano deliberado e bem urdido: «O plano era – e continua a ser – o de provocar desgaste e derrubar o nosso Governo ou forçar-nos a uma rendição incondicional, antes que o nosso trabalho começasse a dar fruto e antes que o nosso exemplo afectasse outros países.»
A coisa não podia ser mais delirante.
Jamais se ouvira algo assim nas relações entre governos europeus; e, por isso, o ataque causou estranheza, tendo sido logo criticado por terceiros atentos como uma «falha», enquanto Tsipras já aparenta sinais de recuo e surge a falar na necessidade de «diálogo» e de evitar «qualquer má interpretação». Ao mesmo tempo, declara negar a necessidade de criar «inimigos externos», um velho tique dos leninistas, mas deixa a dúvida sobre se isto não será outra velha táctica de mestre Lénine: dois passos em frente, um atrás.
A questão é saber por que motivo Tsipras, um líder político experiente e de sucesso, fez efectivamente aquilo. E fê-lo exactamente na primeira reunião do comité central do Syriza, pós-eleições.
A única explicação objectiva está na proximidade de eleições legislativas em Portugal e Espanha. O Syriza, junto com os seus compadres espanhóis e portugueses, aspira a vitórias do Podemos em Espanha e de uma amálgama de esquerda em Portugal (PS/BE/Livre e mais-não-sei-o-quê-que-por-aí-se-anda-a-formar).
A estratégia é simples: por um lado, alimentar o discurso anti-troika e os sentimentos anti-germânicos; por outro lado, apontar que os governos à direita estão do lado dos «maus» (os alemães) contra os «bons» (os gregos). Tudo envolvido na «heroicidade» dos «guerreiros negociadores gregos» e no glamour de Varoufakis. No fim de tudo, passada a fase dos PIGS e dos PIIGS, sonham vir a entoar, em coro: «O Sul é vermelho!» Talvez até cantando de novo a Internacional.
Que Espanha escapou por um triz à troika, que os programas de ajustamento correram fundamentalmente bem na Irlanda e em Portugal e que só falharam na Grécia porque não cumpriu quase nada – é o que não interessa. Que os «bravos negociadores» gregos tiveram que ceder quase tudo, diante do banho da realidade – é o que importa pôr e manter na sombra. Que os governos Rajoy e Passos Coelho defendem os interesses portugueses e a capitalização dos sacrifícios feitos e não estão ao serviço nem de alemães, nem de gregos – é o que importa desacreditar.
É fundamental que o governo grego arrepie caminho e mostre sentido de responsabilidade. Não vem mal ao mundo que os partidos afins tenham relações interpartidárias e se apoiem mutuamente, isto é, que o Syriza se relacione com o Podemos e o BE, se é assim que gostam. Mas querer transformar o Conselho Europeu num tabuleiro de estratégias e tácticas eleitorais seria uma responsabilidade completa e um caminho suicidário, que se pagariam muito caro. Faria muito mal à própria Grécia e seria mais uma deriva para o desastre de que a Europa não precisa nada.
O lugar para protestar, governo a governo, é pela diplomacia e embaixadores, não por métodos que sejam apelidados de «queixinhas». Passos Coelho fez bem em desmentir o alegado «protesto» em Bruxelas e o respectivo folhetim que se armou. Mas o assunto é sério. E merece ser analisado e tratado com seriedade e determinação nos termos apropriados e com impecável rigor, quer no plano das relações bilaterais, quer no funcionamento multilateral das instituições europeias.
O Conselho Europeu não é um bando de rapazes, de cachecol, bandeiras e autocolantes, entretidos em campanhas eleitorais. É uma instituição de que depende o futuro da Europa e dos cidadãos europeus.
quarta-feira, 4 de março de 2015
O admirável mundo das greves no metro
Pedro Sousa Carvalho, Público, 27 de Fevereiro de 2015
A frequência com que os trabalhadores do sector dos transportes públicos fazem greves tem qualquer coisa de extraordinário. Basta uma breve visita à página de Internet da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans) para chegarmos ao admirável mundo das greves. Por exemplo, na agenda desta semana da Fectrans, de segunda a sexta, em todos os dias estão marcadas greves na CP e na Carris ao trabalho extraordinário. Na terça-feira houve ainda a greve no metro de Lisboa e ontem estava agendada uma concentração de activistas do sector ferroviário e uma manifestação nacional de ferroviários. Para hoje estava prevista uma outra greve no metro de Lisboa que entretanto foi desmarcada. Só que, no mesmo dia em que o sindicato do Metropolitano desmarca a greve, agenda mais duas para 16 e 18 de Março.
Convém sempre começar pela sacrossanta frase do «não está aqui em causa o direito à greve». Mas a verdade é que no sector dos transportes estamos a assistir ao que parece ser uma banalização deste direito previsto na Constituição. E esse direito, além de colidir com outros igualmente fundamentais, não nos deve inibir de perguntar, e tentar responder: quem é que ganha com tantas greves? Os trabalhadores? Os sindicatos? As empresas? E as reivindicações são justas tendo em conta aquilo que se passa (e se paga) nas restantes empresas públicas?
Sempre que o metro de Lisboa faz greve os seus 500 mil utentes e os restantes moradores da cidade ficam com o dia virado do avesso. São longas caminhadas, são filas intermináveis de trânsito, é o dinheiro que se gasta nos táxis, nos parquímetros, é o chegar atrasado ao trabalho, etc… Aliás, o Tribunal Arbitral, quando decretou a obrigatoriedade da realização de serviços mínimos para esta sexta-feira, chama a atenção para a colisão do direito da greve nos transportes com outro direito fundamental, também ele reconhecido na Constituição: «As necessidades sociais impreteríveis». E a lei reconhece a actividade de transporte ferroviário de passageiros como uma «necessidade social impreterível». Escreve o Tribunal que quando o metro pára está em causa a «liberdade de circulação das pessoas, tanto considerando o direito de circulação em si mesmo, como relacionando tal direito com o direito à saúde, o direito à educação ou o direito ao trabalho em sentido amplo (já que o exercício destes direitos depende da possibilidade de acesso a um determinado local)».
Isto quer dizer que um direito fundamental que é a greve não deve ser banalizado para não violentar outros direitos dos cidadãos igualmente fundamentais. O relatório e contas da Metro relativo a 2013 (o último disponível) refere que nesse ano houve 14 pré-avisos de greve (sendo que duas foram desconvocadas), o que correspondeu a 30,405 mil horas não trabalhadas por motivo de greve. Em 2014 (dados ainda não oficiais) terão também sido 14 as greves e este ano já se viu que vamos bem encarrilados para chegar a esse número.
Os utentes não são os únicos prejudicados. Quem faz greve também perde um dia de salário. E mesmo aqueles que recebem o salário desse dia de greve através dos sindicatos têm de descontar previamente para um fundo de greve. Com certeza que o objectivo da greve é (ou deveria ser) que os trabalhadores tenham ganhos a prazo; mas a verdade é que as revindicações dos sindicatos já se tornaram tão difusas e tão banais que perdem a eficácia nas negociações. Já só servem para os sindicalistas mostrarem serviço.
Quem se der ao trabalho de ler os avisos e pré-avisos de greve da Metro de Lisboa no site Fectrans percebe que as revindicações vão variando de semana para semana e englobam quase tudo: Defesa dos postos de trabalho; organização do trabalho, «péssimas» condições de trabalho; cumprimento do Acordo de Empresa; defesa do serviço público; horários, folgas, férias, tempo extraordinário não pago, supressão de postos de trabalho, segurança; reposição dos complementos de reforma; aumento «brutal dos preços», redução da frequência de comboios, aumento do tempo de espera; fim dos «roubos» nos salários e nas reformas; luta contra a subconcessão (privatização), etc…
Qual é o incentivo dos patrões para aceitar essas reivindicações? Pouco ou nenhum. Basta olhar para o relatório e contas da Metro de Lisboa e fazer umas contas de merceeiro: a Metro gasta por ano 46 milhões de euros a remunerar os seus 1490 trabalhadores. O que quer dizer que por cada dia de greve poupa qualquer coisa como 110 mil euros em salários. O reverso da medalha é que com as portas fechadas a Metro não vende bilhetes. Contudo, a verdade é que a grande parte das receitas da empresa é rígida: 44 milhões de indemnização compensatória e 38 milhões de receita com a venda de passes (que o utente paga quer haja greve ou não). Assim sobram 37 milhões de euros de receitas com a venda de títulos ocasionais, o que significa que por cada dia de greve a Metro deixa de facturar 104 mil euros.
Resumindo, num dia de greve a empresa poupa 110 mil euros em salários (sem contabilizar as poupanças com electricidade e noutras despesas de funcionamento) e deixa de facturar 104 mil euros. Não há portanto grande incentivo para que a administração faça alguma coisa para que o utente não fique apeado à porta da estação. É perverso que fazer greve possa beneficiar os patrões e prejudicar apenas os utentes. O Governo aprovou ontem o lançamento dos processos de subconcessão da Metro de Lisboa e da Carris a privados. Pode ser que alguma coisa mude.
segunda-feira, 2 de março de 2015
Ver ou não ver
Vasco Pulido Valente, Público, 27 de Novembro de 2015
Os movimentos preliminares da III Guerra Mundial estão em curso: para o Ocidente ver – ou não ver.
Com as nossas preocupações domésticas, não nos sobra o tempo para pensar em coisas muito mais sérias como o expansionismo da Rússia.
Vem na Wikipédia, mas convém repetir, que a Rússia é uma federação de 22 repúblicas, 46 regiões autónomas (como a da Madeira) e nove territórios. Pior ainda, tem 160 etnias diferentes, 100 línguas diferentes, quatro grandes religiões diferentes (a ortodoxa, a islamita, a judaica e a budista) e uma enorme variedade de seitas, que constantemente varia e se multiplica. Tudo isto para uma população relativamente pequena de 140 milhões de habitantes. Qualquer pessoa de senso compreenderá que, segundo um velho hábito do século XVIII, chamamos Rússia a um Império que só pode ser governado autocraticamente e onde a democracia está para sempre condenada.
O autocrata de hoje já não é o czar Nicolau II, nem Lenine, nem Estaline, nem Khruschev, nem Brejnev. É um antigo membro da polícia secreta e, por consequência, um dissimulador, um mentiroso, um torcionário e um assassino, que dá pelo nome de Putin e que preside a uma cleptocracia, largamente caótica, a que só a violência e o seu arbítrio garantem uma vaga coesão e uma aparência de Estado. Além disso, na falta de uma legitimidade dinástica como a dos Romanov, ou ideológica como a URSS, Putin precisa, para se ir aguentando, de invocar a legitimidade imperial, principalmente depois da maior derrota que o Império sofreu desde 1613. O que não seria importante, se depois da implosão do comunismo a Rússia não permanecesse a segunda potência militar do mundo.
E se a Europa não se tivesse desarmado, como desarmou, para pagar o Estado social. A Inglaterra, por exemplo, gasta em defesa menos do que 2 por cento do PIB, no momento em que Putin (de resto, provocado pela França e pela Alemanha) embarcou numa política claramente agressiva e revanchista. A Crimeia foi o primeiro objectivo, como já o fora para Catarina, porque o Império fica fechado ao exterior sem um porto de água quente; e o segundo foi parte da bacia do Donetsk, porque a Crimeia não serve de nada sem uma ligação fácil e segura ao coração do Império. Estaline e Hitler perceberam este ponto essencial. Putin também; e não há a sombra de uma dúvida de que não recuará. Como, tarde ou cedo, vai acabar por querer que as repúblicas bálticas voltem ao seu domínio e que a Ásia Central aceite obedientemente a sua ordem. Os movimentos preliminares da III Guerra Mundial estão em curso: para o Ocidente ver – ou não ver.
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