sábado, 11 de julho de 2015


Partido alemão (AfD)

Nas pegadas da «Front national» francesa?


O despertar dos nacionalismos
como resposta à irresponsabilidade política
e económica da União Europeia

António Justo

No Congresso do partido AfD (Alternativa para a Alemanha) realizado em Hessen a 4 e 5 de Julho, impuseram-se as forças nacional-conservadoras, elegendo como sua presidente Frauke Petry. Deste modo a AfD perdeu o seu fundador Prof. Dr. Bernd Lucke que há anos tinha profetizado a actual crise da Grécia.

O economista Bernd Lucke, depois de ter sido destituído de chefe demitiu-se do partido. Lucke vê na eleição da nova direcção (a sua rival Frauke Petry) uma nova orientação que permite o espalhar-se de  ideias latentes islamofóbicas e contra os estrangeiros. O presidente deposto alega que a nova presidência assumirá uma orientação anti-ocidental (USA) e «uma orientação resoluta a favor de uma política externa e de segurança pró-russa».

Bernd Lucke na sua atitude professoral não era a pessoa mais indicada para estar no topo do partido que reúne em si imensa gente descontente. Bernd Lucke é presidente da Associação «Weckruf 2015» («Relógio Despertador 2015») e pode fundar um novo partido. Nos últimos dias 600 membros já abandonaram o partido AfD que contava com 21 000 filiados.

Apesar da clientela do partido, no dizer dos partidos estabelecidos, constar de uma mistura de «críticos do sistema, nacionalistas, populistas, amigos do movimento Pegida e racistas» não será fácil a Bernd Lucke conseguir a fundação de um novo partido que se afirme.

Com Frauke Petry, o partido tornar-se-á mais radical. Atendendo ao geral descontentamento político em relação aos partidos principais e aos problemas de integração de estrangeiros, à crise do Euro e ao descontentamento de grande parte da população em relação à política americana nas fronteiras com a Rússia, a AfD continuará a ter muitas chances.

Embora a Alemanha não se possa comparar com a França, o potencial de eleitores do estilo da «Front nacional» francesa, aumentará também na Alemanha. Frauke Petry afirma que não seguirá as pegadas da Front nacional.

Os ventos que correm na Europa e no mundo, em reacção ao globalismo e ao modo como a UE se comporta com os seus países membros, dão mais razão a uma retalhação da sociedade como movimento reactivo às centralizações do poder político-económico-ideológico.

Numa democracia, os governos e os parlamentos dependem dos eleitores e estes estão muito descontentes devido a uma política europeia de tecnocratas cada vez mais distante dos cidadãos e mais próxima das elites. O melhor exemplo revelador da situação europeia torna-se palpável no teatro da tragédia grega e no teatro das marionetes de Bruxelas. De um lado o nacionalismo grego e do outro lado os nacionalismos congregados em torno da UE e representados até ao esgotamento.





quinta-feira, 9 de julho de 2015


E se a Grécia sair do euro?


Diversos autores

Sempre que um país passa por problemas económicos, surge um grupo de economistas dizendo que tudo pode ser corrigido caso o governo desvalorize simplesmente a moeda — isto é, deprecie a sua taxa de câmbio.

Apesar de não ser possível encontrar um exemplo de país que tenha saído da pobreza e se tenha tornado próspero depreciando a sua moeda em relação às outras, tal «solução» segue impavidamente em moda. A desvalorização da moeda é uma panaceia que ainda atrai muitos «pensadores» e continua sendo uma ideia extremamente popular entre alguns círculos de economistas.

Aproveitando o momento, façamos um exercício mental para analisar as prováveis consequências da desvalorização. Vamos utilizar a Grécia como exemplo.

Suponhamos que a Grécia, que hoje faz parte da zona do euro, conseguisse de alguma forma voltar a emitir um novo Dracma, e que essa nova moeda se desvalorizasse rapidamente, passando de um dracma por euro para dois dracmas por euro num curto período de tempo (um mês, talvez), o que representaria uma desvalorização de 50%.

Vamos também supor que o governo utilize os seus poderes coercivos para estipular que todas as obrigações existentes em euro, tais como títulos e contractos de trabalho, para todas as pessoas e entidades na Grécia, sejam unilateralmente convertidas em dracmas na relação de 1 dracma para 1 euro.

O dracma agora é uma moeda independente e com câmbio flutuante, e a sua taxa de câmbio está relativamente estável perto de 2 dracmas por euro (uma taxa até bastante optimista).

Sendo assim, o valor total da dívida do governo da Grécia, em termos de euro, cai 50% (repetindo: a moeda desvalorizou-se 50% em relação ao euro, mas todos os passivos foram convertidos de euro para dracma à taxa de 1 para 1).

Consequentemente, as dívidas de todos os outros devedores na Grécia, tais como empresas, bancos e pessoas, também são reduzidas em 50% em termos de euro.  (Se uma empresa devia 100 milhões de euros, agora ela deve 100 milhões de dracmas.  Mas como 1 dracma vale 0,50 euro, 100 milhões de dracmas são 50 milhões de euros.)

Em princípio, isso não é um grande benefício para os endividados gregos, entre eles o governo, pois o rendimento, denominado em dracmas desvalorizados, também caiu 50% em valores de euro. Tanto a dívida quanto a receita tributária do governo foram simultaneamente desvalorizadas, e o mesmo ocorre com os salários das pessoas e as suas dívidas.

No entanto, não vai demorar muito para que as receitas tributárias, as receitas das empresas e os salários das pessoas comecem a subir (em termos nominais) em consequência tanto da inflação monetária que agora o governo grego poderá causar (ao sair do euro e adoptar uma moeda própria, o governo está mais livre para inflacionar a moeda) quanto à grande inflação de preços que será causada pela desvalorização da moeda.

Como consequência de tudo, os calotes nas dívidas diminuirão. O declínio nos calotes irá permitir que os bancos gregos, até então descapitalizados por causa de empréstimos ruins, readquiram alguma saúde financeira. Para completar, os activos estrangeiros dos bancos gregos (como títulos do governo alemão ou empréstimos feitos a empresas italianas e espanholas) irão dobrar de valor em termos de dracma, o que irá melhorar os seus balancetes consideravelmente.

Com a redução dos calotes, as falências corporativas também irão diminuir, o que significa menos desemprego. Os trabalhadores gregos, cujos salários foram reduzidos à metade em termos de euro, agora estão mais «competitivos» (isto é, recebem menos) que os de Portugal, Espanha e Itália.

Por outro lado, as empresas gregas voltadas exclusivamente para o mercado interno não usufruirão de grandes benefícios, pois os trabalhadores gregos não serão capazes de comprar muita coisa com os seus salários desvalorizados. Por causa da súbita desvalorização cambial, o poder de compra dos gregos caiu. O custo dos bens e serviços importados dobrou, o que reduz ainda mais o rendimento disponível dos trabalhadores. Tudo o que foi produzido no país e que não foi consumido (pois o rendimento real da população caiu), será transformado em excedente exportável.

Aqueles assalariados mais bem pagos da Alemanha e da Inglaterra, que querem escapar dos seus respectivos Invernos e estão à procura de uma praia (ou mesmo de um local barato para viver quando se aposentarem), trocarão a Espanha pela Grécia e aproveitarão todas as ofertas em dracmas desvalorizados.

Sendo assim, a Grécia vivenciará um forte aumento nos negócios e nas contratações relacionadas com o turismo e, talvez, no sector da exportação. Por causa disso, a economia parecerá estar a melhorar, e as receitas tributárias do governo estarão aumentando, pelo menos em termos nominais de dracmas.  Os preços ao consumidor subirão aproximadamente 20% no primeiro ano da desvalorização, e os economistas aplaudirão efusivamente, pois a deflação de preços «foi superada».

Principalmente por ter começado com valores pequenos na decorrência da crise, a bolsa de valores da Grécia irá disparar. Mas ela teria de subir pelo menos 100% apenas para se manter com o mesmo valor em termos de euros.

Este cenário parece agradável, não?

Mas há outros fenómenos a ocorrer. O que acontecerá com todos os bancos alemães e franceses que fizeram empréstimos para as empresas gregas? O que acontecerá com todos aqueles títulos do governo grego na posse dos bancos alemães? Os títulos e os empréstimos agora valem apenas 50% do seu valor da metade em termos de euro. Os bancos alemães e franceses terão de ser socorridos, e milhões de correntistas alemães e franceses darão esse socorro compulsório por meio de uma redução nas suas contas bancárias (exactamente como ocorreu em Chipre).

Os destinos turísticos em Espanha e no sul da Itália perderão clientes e, como consequência dessa súbita perda de receitas, começarão a dar calotes nas suas dívidas. As indústrias de cimento e naval de outros países europeus não conseguirão concorrer contra as importações baratas da Grécia, e também começarão a dar calotes nas suas dívidas. O desemprego nestes países irá subir.

O trabalhador grego tem agora um novo emprego, mas o seu salário, reduzido a metade em termos de euro, nunca mais compra tudo aquilo que antes ele conseguia comprar. Os preços internos aumentam continuamente, e, embora o seu salário também aumente em termos nominais, ele não acompanha a subida dos preços. Os pensionistas gregos são os mais afectados, principalmente aqueles cuja poupança estava nos bancos gregos (e não noutros países da zona do euro).  Ao passo que os seus semelhantes em França e na Alemanha tiveram uma perda de 20% nas suas contas bancárias (20% é o total de títulos gregos na posse dos bancos europeus), os poupadores gregos descobrirão que agora compram aproximadamente 50% menos com a sua poupança (por causa da desvalorização cambial e da inflação de preços crescente na Grécia).

O sistema tributário grego certamente não será ajustado de acordo com a desvalorização. A consequência será a de que, com rendimentos nominais maiores, uma maior fatia dos ganhos será tributada. E o resultado final é que pessoas com rendimento real mais baixo — e até então isentas — também terão de pagar imposto de rendimento. Isso gerará um grande fardo sobre toda a economia, que poucos serão capazes de identificar. Tradicionalmente, a culpa será atribuída aos altos preços da energia importada.

Após algum tempo — talvez alguns anos —, os salários dos trabalhadores gregos já terão subido, em termos nominais, o bastante para acabar com aquela «vantagem comparativa» inicial.  Os impostos reais mais altos começarão a introduzir uma persistente obstrução na economia grega.

Adicionalmente, o sistema financeiro grego já se tornou deficiente e inconfiável. Após a desvalorização, ninguém está disposto a conceder mais empréstimos em dracmas. Afinal, quem vai querer correr o risco de ter os seus activos subitamente desvalorizados novamente? As taxas de juros domésticas já subiram e estão altas, e o volume de empréstimos está baixo.

As grandes empresas ainda conseguem alcançar empréstimos em euros, mas isso não estará disponível para famílias e pequenas empresas. As famílias, que já foram prejudicadas uma vez, não irão manter a sua poupança nos bancos gregos. O mais provável é que elas descubram maneiras informais de poupar e investir sem recorrer ao sistema financeiro. Já as famílias mais sofisticadas irão simplesmente utilizar os bancos alemães (porque os mais ricos já retiraram quase todo o seu dinheiro dos bancos gregos), e a sua poupança e o seu capital jamais retornarão à Grécia.

Por tudo isso, a economia grega apresentará uma baixa criação de capital, um ambiente de investimentos totalmente distorcido, no qual apenas as grandes corporações conseguem financiamento, e uma baixa criação de empregos. A economia volta a estagnar-se. Consequentemente, o governo volta a incorrer em déficits orçamentais, uma vez que as receitas tributárias começam a cair e a procura por serviços na Segurança Social cresceram. Como o governo não consegue endividar-se em dracmas — só a taxas de juros proibitivas —, terá de se endividar em euros. Mas isso também será difícil, pois o governo já se mostrou inconfiável. A única opção será aumentar ainda mais os impostos.

À medida que essas dificuldades se vão acumulando, alguns economistas acreditarão ter encontrado a solução: desvalorizar novamente! Essa ideia ganhará o imediato apoio dos grandes exportadores e do sector do turismo, os quais adorariam voltar a ter uma «vantagem competitiva» em termos de mão-de-obra barata.

Como esses sectores antes já se tinham beneficiado economicamente, tornaram-se mais influentes politicamente. Por outro lado, os sectores que foram prejudicados pela desvalorização, como as empresas que dependem de importações e as voltadas exclusivamente para o mercado doméstico, perderam toda a sua influência política. Sendo assim, o sistema político passa a ser orientado apenas pela ideia de mais desvalorizações.

Com a imposição de novas desvalorizações, todo o ciclo se reinicia: o sector exportador e o sector turístico ganham um impulso temporário, mas todo o resto dos trabalhadores gregos perde poder de compra, e o seu custo de vida sobe. A inflação de preços dá outro salto. O imposto de rendimentos continuará a não ser corrigido pela inflação — pois o governo precisa de todas as receitas possíveis —, o que gerará um confisco cada vez maior do rendimento real das pessoas e empresas, o que, por sua vez, prejudicará ainda mais os investimentos.

Já os outros países da zona do euro muito provavelmente não ficarão passivos perante os sectores exportador e turístico gregos. É provável que imponham pesadas tarifas sobre as importações e também sobre a conversão de euros em dracmas.

A conclusão é que a desvalorização funciona apenas por algum tempo, e é benéfica apenas para poucos sectores muito específicos — e ainda assim apenas no curto prazo.

Em termos gerais, a desvalorização da moeda prejudica toda a população, pois esta é roubada do seu poder de compra, é submetida a uma grande inflação de preços, e acaba ficando sem acesso a bens importados de maior qualidade.

Um governo que desvaloriza a sua moeda está, na prática, fechando as suas fronteiras aos bens estrangeiros, isolando a sua população (e prejudicando principalmente a classe mais pobre, agora proibida de comprar produtos estrangeiros mais baratos), reduzindo o seu rendimento, e destruindo enormemente o seu padrão de vida.

O economista que acredita realmente que desvalorizar a moeda é o caminho para a prosperidade está, na prática, dizendo que uma sociedade formada por uma minoria exportadora e rica e por uma maioria que não tem nenhum poder de compra é o arranjo ideal. Está dizendo que uma redução compulsória do rendimento total da população representa prosperidade e enriquecimento. Não faz absolutamente sentido nenhum.

O que aconteceu com a Argentina em 2002, quando a súbita desvalorização do peso fez com que fosse quase impossível para muitas mães comprarem leite para os seus filhos, pode perfeitamente acontecer com a Grécia em 2015. É muito difícil uma desvalorização da moeda passar impune.





Όχι: o cansaço grego


Paulo de Almeida SandeObservador, 7 de Julho de 2015

E aqui chegámos: o referendo reforçou o governo de Tsipras na sua legitimidade popular e fez das instituições europeias as «más da fita», responsáveis primeiras e irredimíveis do sofrimento dos povos

Todos gostam de um bom herói. David. A Grécia do referendo e da luta contra a austeridade. Um herói precisa de vilões para ser realçado. Golias. Os malvados credores, isto é, as instituições europeias. Hoje, pela Europa fora, ou pelo menos nos países do sul, os corajosos gregos são louvados como o paradigma da luta contra a opressão e a ditadura da dívida.

E aqui chegámos: os gregos votaram Não no domingo e a zona euro está em ebulição.

E aqui chegámos: 8 anos depois do início da crise. 6 depois do seu reconhecimento na Grécia. 5 após o 1.º programa de assistência de 110 mil milhões de euros. 3 anos depois do 2.º programa de assistência de 130 mil milhões até ao início de 2015, alargado ao final de Junho, quando expirou irremediavelmente. 3 anos após o «haircut» da dívida – na mão de credores privados – de cerca de 100 mil milhões de euros. Hoje, agora, amanhã, os gregos encaram o futuro com esperança e inquietação, a Europa encara o futuro com inquietação e esperança.

E aqui chegámos: a saída de cena de Varoufakis não espanta, se pensarmos que, entre muitas outras coisas bondosas, acusou o FMI de ter praticado actos criminosos na Grécia; denunciou as tácticas negociais terroristas da troika; deu as boas vindas «ao ódio» para com ele dos ministros das finanças da zona euro, como twittou em certa ocasião. A sua demissão permite pelo menos alguma esperança na negociação, ainda que aparentemente o novo ministro das Finanças grego, mais conciliador do que Varoufakis, seja menos favorável à Europa do que ele.

E aqui chegámos: quando há pouco mais de 6 meses tudo indicava que a eurozona iria encarar de frente o problema das dívidas dos países do Sul, impossíveis de pagar, e a Grécia, regressada ao crescimento, parecia a caminho de sair da assistência, tudo volta violentamente atrás. E o FMI, a 2 de Julho, admitiu que o país precisa agora de um 3.º resgate de nunca menos de 50 mil milhões de euros até ao final de 2018.

E aqui chegámos: o referendo reforçou o governo de Tsipras na sua legitimidade popular e fez das instituições europeias as «más da fita», responsáveis primeiras e irredimíveis do sofrimento dos povos europeus (a par da senhora Merkel, mas essa é história antiga que, de tantas vezes repetida, se foi fazendo verdadeira aos olhos de quem vê com óculos de não querer ver).

E aqui chegámos: a Grécia nunca devia ter entrado para a zona euro: com uma dívida pública de 126,4% do PNB em 2002, data da sua entrada na zona euro, estava longe dos 60% exigidos para poder fazer parte dela. Com esse nível de endividamento e uma disciplina fiscal incerta, a entrada numa união monetária – perdendo soberania fiscal e instrumentos importantes de política económica como a desvalorização cambial –, foi um erro. Mas tendo entrado, uma possível saída é um enorme risco, para a Grécia e a Europa.

E aqui chegámos: sem a ajuda do Banco Central Europeu, os bancos gregos não têm liquidez para prover às necessidades do país, e depressa entrarão em colapso. Mas a Grécia tem de pagar, até 20 de Julho, 3,5 mil milhões… ao Banco Central Europeu. Ora esse pagamento só é possível se até lá houver novo programa de ajuda externa dos parceiros europeus ou de terceiros (só não se sabe quem, dificilmente poderá ser a Rússia); ou isso ou outro milagre qualquer. Nesse cenário, a ruptura e a saída do euro – seja qual for a solução jurídica, incluindo um pedido grego de saída da União Europeia – pode tornar-se a única via possível.

E aqui chegámos: entre 2001 e 2007, a Grécia cresceu 32% (contra 9% de Portugal e 11% da Alemanha), crescimento acompanhado de uma subida dos salários em 75%. 75%! À custa, claro, de endividamento público. Já os défices orçamentais – razão principal para o crescimento da dívida – vinham de longe: 14,07% em 1989, 16,1% em 1990, 20,79% em 1994. Cresceu a dívida (dos 24,6% do produto em 1975 para 111,3% em 96); o programa de estabilização de 1993 para a entrada da Grécia no euro levou à sua drástica redução nominal, para 8,1% em 1997 e 1,6% em 1999. Mas em 2004 o governo grego reconheceu que esses números estavam errados e que o défice nunca teria baixado dos 3%. Nesse ano de Jogos Olímpicos, depressa chegou aos 9,47%.

E aqui chegámos: fica o problema da dívida. Caso os países europeus decidissem reestruturar exclusivamente a dívida grega – de 341,4 mil milhões de euros –, coisa que o Banco Central Europeu já disse ser impossível por não se poder singularizar um único país, não seriam apenas os bancos alemães a sofrer, como tantos admiradores do David grego gostam de proclamar.  Portugal, por exemplo, tem uma exposição à dívida grega da ordem dos 4,8 mil milhões, qualquer coisa como 2,8% do nosso PIB. Mas pronto, deve ser uma coisa boa proceder a um segundo «haircut» da dívida grega à custa dos contribuintes europeus.

E aqui chegámos: em Janeiro, o novo governo grego interrompeu um processo em que as dívidas soberanas dos países europeus, com destaque para os do Sul, estavam a ser consideradas em conjunto; premissa maior era a clara percepção da carga que representam para as economias europeias em geral, as dos países mais endividados em particular, e para a própria integração europeia. Essa era a agenda e as negociações nunca pararam, até os gregos terem decidido introduzir no processo uma espécie de travão radical, com a não aceitação das condições das instituições e, sobretudo, a convocação do referendo. E contudo, ao contrário do que tantos dizem, não parece haver na Europa má vontade contra a Grécia (pretextos para forçar um grexit foram já legião); é hoje claro que os parceiros europeus querem o país no euro e na União – mas não a qualquer custo e, sobretudo, não a custo das respectivas populações e contribuintes. A solidariedade europeia é fundamental, mas tem de ser recíproca.

E agora? Perante os gritos de bajulação do gesto grego – do referendo e o seu resultado –, ninguém sabe bem o que se vai passar. Os líderes europeus reúnem-se em vagas sucessivas e o eixo franco-alemão, de súbito reactivado, já se pronunciou: aguarda-se as propostas gregas. Mas o relógio não pára e o tempo para aquele que será talvez o verdadeiro derradeiro prazo começa a escassear.

Os líderes europeus, incluindo os gregos, têm de mostrar bom senso e negociar com abertura de espírito e vontade de chegar a resultados. De ter contenção verbal, como não aconteceu, de parte a parte, nos últimos seis meses.

A comédia grega não pode acabar em tragédia, sob pena de fazer implodir o venerável e ambicioso anfiteatro europeu em que todos somos a um tempo espectadores e actores.





terça-feira, 7 de julho de 2015


Agora aturem-nos


Helena MatosObservador, 5 de Julho de 2015

Por que hão-de países cujos cidadãos vivem pior que os gregos, pagam mais impostos que os gregos e se reformam mais tarde que os gregos ser «solidários» com os gregos? O voto foi dos gregos, não deles

Há três conclusões a tirar do referendo grego:

I) Não se pode negociar com demagogos da mesma forma que se negoceia com quem está disposto a respeitar as regras.

II) Aos demagogos os povos não exigem nada antes toleram quase tudo porque os demagogos sobrevivem porque transferem sempre as culpas para os outros.

III) Se no poder os demagogos são quase imbatíveis na verdade só lá conseguem chegar porque beneficiam de uma extraordinária tolerância e condescendência por parte dos outros protagonistas.

A coisa começou mais ou menos assim: eles têm tanta graça. Porque não usam gravata. Porque usam rabo de cavalo. Porque rapam o cabelo. Porque andam de bicicleta. Porque andam de mota. Porque andam de metro. Porque andam. Porque são aplaudidos nas marchas do negócio do politicamente correcto. Porque passam dos restaurantes mais in para os colectivos de okupas. Porque para lá dos seus círculos só vêem roubalheira, negociatas, interesses. Porque nas televisões de dedo espetado dizem que todos os outros são corruptos. Eles claro nunca são corruptos e se por acaso alguém lhes chama a atenção para um financiamento obscuro ou um caso de nepotismo reagem vivamente indignados e exigem desculpas imediatas. É como o patriotismo. Quando eles falam de orgulho nacional, de pátria e de levantar a cabeça quase nos devemos perfilar. Mas se forem os outros a fazer o mesmo discurso está-se diante de velho ranço da direita nacionalista, patrioteira, folclórica para não dizer fascista.

Eles determinam o que é correcto e incorrecto. Mas não só. Garantem também como vão ser as famílias do futuro, as causas do futuro, o futuro em si mesmo. Do berço à cova eles têm uma causa e uma política para cada momento.

Eles são os nossos radicais. De esquerda, claro. (Também os há de direita e vão vê-los dentro em breve!)

Em muitas das universidades são dominantes. Os jornalistas tratam-nos por tu. São tão amorosos não são? Tão inteligentes, tão giros, tão sexys. E depois dizem aquelas coisas sobre as pessoas que não são números, falam de afectos, de virar a página a isto e àquilo sem mais problemas. São adoráveis de facto. Até ao momento em que têm poder.

Aí percebe-se que não mudaram nada. Continuam na mesma barricada dos outros tempos. Enquanto exigem para si e para os seus resultados um respeito institucional quase sagrado fazem gato-sapato dos seus interlocutores. Desautorizam-nos. Ridicularizam-nos. Fintam-nos. E no fim gritam que é preciso negociar, dialogar, estabelecer pontes.

Dantes queriam fazer revoluções. Agora têm projectos. A diferença é que nas revoluções arranjavam portas a dentro o seu financiamento: nacionalizavam e confiscavam. Agora exigem ser patrocinados. Como se tudo não passasse de um filme.

Desculpem mas neste logro só cai quem quer. E cair uma vez vá que não vá. Duas já tem que se lhe diga e à terceira ou é masoquismo ou estupidez. Como aqui escrevi há algumas horas o referendo que decorreu na Grécia não teria sido considerado aceitável caso não tivesse sido convocado pelo Syriza, tão queriducho que ele é das redacções, dos activistas, das pessoas de causas e de toda aquele gente que vive de teorizar sobre aquilo que os outros devem fazer, dar, garantir… Imaginam o que não se teria dito e escrito caso, por exemplo, em Angola se convocasse um referendo com esta informalidade, para não lhe chamar outra coisa? Já imaginaram a senhora Marine Le Pen a querer referendar numa semaninha algumas daquelas ideias que lhe animam o encéfalo?

Não, não me vão dizer que há matérias que não são referendáveis. Desde esta semana na Europa referenda-se o que se quiser e nos moldes em que se quiser. Até por exemplo cessar a ajuda à Grécia. Por que hão-de países cujos cidadãos vivem pior que os gregos, pagam mais impostos que os gregos e se reformam mais tarde que os gregos ser «solidários» com os gregos que votam num governo que para cúmulo namora descaradamente com uma Rússia que é uma ameaça directa para segurança de alguns desses países?

Devíamos ter pensado nisso antes? Pois devíamos. Mas agora é tarde. O que conta é que o Syriza ganhou na Grécia. E é preciso que isso fique claro: ganhou na Grécia. E tem um mandato para governar a Grécia. Não o dinheiro dos contribuintes europeus e a UE.

É dramático a Grécia sair do euro? Para os gregos é, mas se calhar nem é tanto quanto ficar. E antes que estejamos a ver Pablo Iglesias e Marine Le Pen com os mesmos truques em Madrid, Paris e em Bruxelas convém que se esclareça que os votos nos radicais não valem mais que os outros.