terça-feira, 2 de agosto de 2011

Rio Vermelho

Alberto Gonçalves, DN

De passagem por Madrid, Joseph Stiglitz aproveitou para se reunir com 300 "indignados". Stiglitz é um Nobel da Economia americano que costuma aconselhar, pelos vistos com excelentes resultados, o Governo do sr. Zapatero (as eleições foram antecipadas para Novembro). Os "indignados" são aqueles meninos não demasiado lavados que acampam há meses no centro da capital espanhola a exigir coisas maravilhosas como o trabalho para todos e a conseguir não trabalhar de todo. Os jornais falam de um encontro profícuo, com Stiglitz de "megafone na mão, roupas desportivas e ténis" a "pedir ideias" à rapaziada, a qual, a julgar pelo megafone, é um tanto surda.

Felizmente a rapaziada não é muda e, numa perfeita troca de galhardetes, disse a Stiglitz exactamente aquilo que Stiglitz diz a quem lhe encomenda o talento. A saber, que o capitalismo é o culpado da crise, que a crise pede regulação dos mercados, que os mercados são malvados e o Estado é bonzinho, etc.

Claro que para os portugueses tudo isto roça o primitivo. Em vez de enviarmos os nossos Nobel a Espanha para aprender marxismo com os "indignados", importámos de Espanha uma particular "indignada" que, de brinde, traz o nosso Nobel incluído, isto se o prémio se transmitir, conforme parece, por matrimónio e herança.

Refiro-me, evidentemente, a Pilar del Río, viúva de José Saramago e presidenta (a senhora, que apesar dos galões não é dada às letras, prefere assim) da fundação com o mesmo nome (o de Saramago, não o dela). Quando não está a reclamar da autarquia lisboeta copiosos "investimentos" para a Fundação, a dona Pilar está na televisão a explicar que nunca recebeu um tostão do Estado português e a aliviar-se de clichés ideológicos já analfabetos em 1968.

Um destes dias, a dona Pilar foi entrevistada por um sr. Goucha incapaz, nos vários sentidos da palavra, de contrariar as insanidades que a chefa, perdão, a presidenta produz com assinaláveis rapidez e presunção. Presunção é o termo: por um lado, a dona Pilar convenceu-se realmente de que Portugal lhe deve reparações de vária ordem e é seu direito reclamá-las. Por outro lado, convenceu-se de que somos tontos o bastante para a levar a sério. Acertou em metade.

O Governo transparente

Alberto Gonçalves, DN

Se o dr. Passos Coelho não cumpriu a promessa de não subir os impostos, cumpriu a de publicar um site (ou uma fracção de um site) com as nomeações do Governo. Por mim, trocava. A quantia estrafegada no IRS dava-me jeito. Já não estou certo da serventia das informações agora divulgadas na internet. Eu quero mesmo saber que o secretário de Estado da Cultura beneficia de quatro motoristas a 1 866,73 euros/mês e 5 especialistas a 3 163,27 (menos um, coitadinho, que teoricamente aufere o salário mínimo)? E quero saber que a ministra da Agricultura possui 5 adjuntos (3 069,33 euros de vencimento bruto)? E quero saber da existência de um adjunto do Secretário de Estado adjunto do Ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, que misteriosamente existe? E quero saber da pequena multidão de alegadas sumidades que invadiu as chefias da CGD? Não quero. Mas, graças ao site, aliás permanente e deprimentemente actualizado, não tenho alternativa.

Sendo uma virtude, a transparência também pode ser uma fonte de angústia. Quando o Governo anterior distribuía discretamente resmas de amigos por resmas de empregos disponíveis ou inventados na hora, a discrição poupava-nos ao sofrimento de testemunhar o destino das verbas que o Estado amavelmente nos extrai. A transparência mostra-nos com particular crueldade aonde o nosso dinheiro vai parar: de futuro, um agregado familiar perceberá que a razão pela qual não consegue comprar aquele televisor com tecnologia led é porque o montante que lhe falta contribui para sustentar os três assessores do secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação. Daí a designação "contribuinte".

No fundo, é a diferença entre sofrer um desastre a dormir e correr contra o muro de olhos bem abertos. Além de inúmeras proezas similares, o pudor do eng. Sócrates levava-o por exemplo a orçamentar por baixo os gastos salariais dos funcionários públicos, habilidade que, segundo Vítor Gaspar, explica em parte o famoso desvio de 2 mil milhões nas contas. Além da transparência, o Governo actual parece empenhado na sinceridade. Resta apurar em que é que isso nos beneficia se, desde a taxa extraordinária que remendará metade do desvio dito "colossal" às nomeações com que se atafulha a hospitaleira máquina estatal, até ver a transparência e a sinceridade concentram-se muito mais no aumento dos encargos de quem obedece do que na moderação da despesa de quem manda.

Nas necessidades a sério, das privatizações das grandes empresas públicas à supressão das pequenas, da reforma autárquica aos despedimentos na administração e, em suma, ao anunciado alívio do peso do Estado intrometido e clientelar, o discurso surge enrodilhado em contradições e tende para o opaco. É preciso tempo e ponderação? Provavelmente, embora nas medidas que prejudicam a ralé se tivesse dispensado ambos. Resta-nos esperar, esperar que os presságios se enganem e que o Governo não seja um caso perdido. Por enquanto, é apenas um caso. Perdidos, e sem um adjunto do adjunto do adjunto que nos valha, andamos nós.

Uma ideia original

Alguém anda a carimbar as notas em nome do FMI para lembrar os portugueses de que é preciso poupar!