sexta-feira, 2 de outubro de 2015


«Refugiados»

Conselho Europeu: qual o preço da verdade?


Mário David, Vice-presidente do Partido Popular Europeu

Quem não se sente incomodado e solidário com as imagens de sofrimento que quotidianamente entram nas nossas casas relativas ao fluxo de migrantes que invade a Europa? Mas que podemos fazer?

O Conselho Europeu desta semana, infelizmente, voltou a ser apenas politicamente correcto! E, por essa razão, a desiludir os cidadãos europeus, excepção feita aos populistas e demagogos de esquerda e de direita!

A principal crítica é que o Conselho nos ocultou a verdadeira dimensão do problema. Na véspera os ministros do Interior anunciaram com fanfarra que tinham «resolvido» a distribuição de 120 mil refugiados na UE.

O Alto Comissário das Nações Unidas para os refugiados falava em «apenas» 500 mil, um por cento da população comunitária, que a nossa crise demográfica «facilmente» absorveria.

O que foi dito em Bruxelas e continua sem ser divulgado e enfrentado é que se esperam, nos próximos 6 meses, 4 milhões!
 Só falando de refugiados sírios já deslocados nos países vizinhos.

As mensagens que partem da Europa para familiares e amigos e que são interceptadas são extremamente simples: «venham, eles aceitam todos»!

Sabe-se que na Síria há mais de 8 milhões de deslocados. Não estamos a falar da Líbia, Iémen, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Nigéria, Eritreia, Somália, Mali, etc, etc… É certo que em países como a Jordânia metade da população são refugiados, se adicionarmos os palestinianos e os sírios. No Líbano, nos ensinos primário e secundário, já há mais alunos sírios que libaneses.Mas é assim que vamos querer viver?

Os Serviços de Informações europeus já tinham notado no início da Primavera uma mudança de atitude nos campos de refugiados, a que não será alheia uma instigação turca e russa.

As autoridades egípcias, quando solicitadas a semana passada a aumentar em troca de substancial ajuda financeira o contingente de cerca de 150 mil sírios que já albergam,responderam ter antes 10 milhões de emigrantes económicos egípcios desejosos de atravessar o Mediterrâneo.

A Polónia está a receber 1 milhão de ucranianos por ano. Os deslocados da guerra na Ucrânia já são outros 4 milhões.

Segundo a ONU, no mundo há 60 milhões de refugiados: 20 milhões estão na nossa vizinhança próxima.

África tem agora 1 bilião de pessoas, e o número vai duplicar até 2050. Mais 1 bilião! Para bom entendedor… 35 anos voam num ápice! Mas nem é preciso esperar tanto: o que agora é difícil de gerir, dentro de 6 meses será impossível!

A História ensina-nos a nunca desperdiçar uma crise para perspectivar o futuro e fazer as necessárias reformas. O Conselho Europeu não o fez!

Preferiu minorar as consequências em vez de enfrentar as causas.

Atiram-se mais de 1 bilião de euros para cima do problema, não que a assistência humanitária não seja também imprescindível. Mas reformas, nada! Não há uma linha sobre uma proposta de uma ambiciosa refundação de Schengen, em que:
  • a FRONTEX deixe de ser uma simples Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas mas seja uma verdadeira força de segurança europeia;
  • a liberdade de circulação seja um privilégio dos cidadãos comunitários, e em que haja a coragem de estabelecer mecanismos de controlo para cidadãos não comunitários;
  • os vistos Schengen sejam atribuídos nas representações diplomáticas da UE, com um procedimento uniforme, e não nas embaixadas dos Estados Membros;
  • a União adopte uma política de asilo e migração comum;
  • as condições de acolhimento e segurança social dada aos refugiados seja idêntica nos 28 Estados Membros, para que estes não «escolham» por razões puramente económicas onde se querem instalar;
  • seja criado um grupo Schengen permanente, à semelhança do Euro Grupo;
  • a protecção das fronteiras externas seja algo de sagrado e universalmente respeitado: sejam os postos fronteiriços, sejam os milhares de quilómetros de «fronteiras verdes».

E depois há a LEI. Que também os refugiados têm que cumprir.

A começar por aquela que foi feita expressamente para os proteger: a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, conhecida por Convenção de Genebra de 1951, cujos limites geográficos e temporais foram alargados pelo Protocolo de 1967, subscrito por 146 países. Mesmo alongando este texto, é fundamental recordar o número 1 do artigo 31: «Os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais, devido a entrada ou estada irregulares, aos refugiados que, chegando directamente do território onde a sua vida ou liberdade estavam ameaçadas, entrem ou se encontrem nos seus territórios sem autorização, desde que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões consideradas válidas para a sua entrada ou presença irregulares».

A expressão «chegando directamente» impõe que no primeiro Estado a que chegam, e que seja um Estado considerado «seguro» pela comunidade internacional, o refugiado se apresente e se faça recensear como tal, indicando qual o país para onde se quer deslocar e aguardando a competente autorização.

Ora o primeiro país onde estes refugiados transitam (e só nos referimos aos sírios, não às dezenas de milhar de outros refugiados económicos que vêm «à boleia») é a Turquia. A Turquia, membro da OTAN e candidato à União Europeia, não é um país «seguro»? Nem a Grécia? Nem a Macedónia, a Sérvia, a Bulgária, a Croácia? Porque nenhum deles exerceu as responsabilidades assumidas ao subscrever a Convenção? E destes, a Grécia, país do espaço Schengen, porque não cumpriu também a Convenção de Dublin? Claro que estamos habituados à permissividade grega, agora «abençoada» pelo facilitismo sirizista!

Assiste assim a qualquer Estado, à luz da Lei Internacional, devolver ao Estado vizinho de onde entrou, qualquer refugiado que não tenha cumprido essa regra. Por isso, para não «premiar» incumprimentos nem aventuras, alguns Estados Membros já manifestaram a intenção de acolher apenas refugiados que se encontram registados nos países limítrofes da Síria, e não os participantes nesta «invasão».

O tema é demasiado sério, o drama humano assume proporções inaceitáveis, mas a realidade e a dimensão que pode assumir obrigam a uma atitude humanitária mas bem ponderada e proporcional às nossas capacidades.

É preciso resolver a guerra na Síria; a questão do Daesh é neste momento o maior factor de terrorismo, fanatismo e intolerância no mundo; ir às causas deste êxodo incluindo os problemas dos refugiados económicos e dos refugiados ambientais.

Mas a questão coloca também problemas políticos graves a curto prazo para as nossas sociedades.Não nos referimos a valores culturais, religiosos, civilizacionais ou securitários, embora pudéssemos desenvolve-los todos. Manter o laxismo que a esquerda propõe neste caso, amplificado por uma comunicação social que joga com as nossas emoções, está a alimentar um crescimento galopante dos Partidos xenófobos de esquerda e de direita, que ameaçam minar a nossa democracia.

Do Conselho Europeu os cidadãos comunitários esperavam mais responsabilidade, mais transparência!

O assumir de responsabilidades implica reconhecer que, mesmo com toda a boa vontade, infelizmente a Europa não pode receber todos os que o desejam!





quarta-feira, 30 de setembro de 2015


Um guia para os perplexos


Pedro Magalhães, Observador, 28 de Setembro de 2015

Como é que a coligação pode ter hipótese de ganhar esta eleição? As sondagens ainda podem mudar? Esta é a história que eu acho que sei contar com alguma segurança. Qual é a vossa?

«Como é possível que a coligação governamental possa chegar a estas eleições sem ser castigada eleitoralmente?»

A coligação vai ser castigada eleitoralmente. Vamos imaginar que no dia 4 tinha os 38% que o agregador do Popstar lhe dá neste momento. Presumindo que a participação eleitoral não muda muito de 2011 para 2015, isto implicaria que a coligação perderia 700 000 votos, 1 em cada 4 dos votos de 2011. Desde 1974, PSD+CDS só tiveram menos em conjunto nas eleições de 2005. Perdas acima dos 12 pontos percentuais para um governo só tivemos de 1983 para 1985 para os partidos do Bloco Central (mas isso foi no ano do PRD), de 1991 para 1995 para o PSD, e de 2002 para 2005 para a coligação PSD/CDS. Claro que, se tiver algo mais perto dos 41% que a Católica lhe atribui neste momento, as perdas serão menores. Mas mesmo assim seriam cerca de 550 000 votos, 1 em cada 5 dos de 2011.

«OK, mas mesmo assim como é possível que a coligação tenha hipótese de ganhar esta eleição, depois de quatro anos de austeridade?»

Quatro anos de austeridade sob este governo talvez seja esticar um pouco a coisa. A medida convencional de ajustamento orçamental é a mudança no défice estrutural, o défice calculado em relação ao PIB potencial, retirada a componente cíclica (sei que há controvérsias mas para este efeito não fazem grande diferença). A evolução ao longo dos últimos anos na Europa do Sul foi descrita há pouco tempo num artigo da Bloomberg:


Primeiro, note-se que a austeridade já vinha de 2009 para 2011. Segundo, sendo certo que se acentua claramente de 2011 para 2012, desacelera de novo até 2014 e – surpresa – inverte de 2014 para 2015, segundo as previsões. O FMI anda-se a queixar há uns tempos, mas o PM já explicou que são uns grandes pessimistas.

«OK, mas isso é demasiado abstracto. As medidas tomadas inicialmente geraram mesmo assim uma espiral recessiva, não foi?»

Não, não foi. O gráfico abaixo mostra, no eixo y da direita, a taxa de desemprego (fonte). A partir de Fevereiro de 2013, o desemprego começa a descer.


Do lado direito vemos as intenções de voto do conjunto PSD+CDS (até Maio) e da coligação pré-eleitoral PSD/CDS (a partir daí). Os partidos de governo perdem continuamente até Setembro de 2012, perdem ainda mais de forma súbita nesse mês (toda a gente sabe porquê), atingem o ponto mínimo em Julho de 2013 (também toda a gente sabe porquê), e a partir daí mantêm-se mais ou menos estáveis. Não deve ser um acaso.

Podemos também olhar para o crescimento do PIB (por trimestre, real, em relação ao trimestre anterior, fonte) e veremos mais ou menos o mesmo:


«OK, mas as pessoas não andam a ver dados económicos em sites do Eurostat ou do BCE. O que importa é a percepção que têm, e essa não melhorou.»

Melhorou sim, pouco mas melhorou. O gráfico abaixo mostra o valor médio das respostas à pergunta «Como avalia a situação actual da economia portuguesa», numa escala de 1 (muito má) a 4 (muito boa), do Eurobarómetro. De Novembro de 2013 para Junho de 2014 subiu, e continuou a subir.