Solange
Somos
o povo especial escolhido do Sr. Engenheiro.
E como
povo especial escolhido por ele, não temos água nem luz na cidade.
Temos
asfalto cada dia mais esburacado.
Os
que, de entre nós, vivem na periferia, não têm nada. Nem asfalto. Só miséria,
lixo, mosquitos, águas paradas. Hospitais?!!! Nem pensar.
O povo
especial não precisa. Não adoece. Morre apenas sem saber porquê.
E
quando se inaugura um hospital bonito e ficamos com a esperança de que as
coisas vão mudar minimamente, descobre-se que as máquinas são chinesas, com
manuais chineses sem tradução e que ninguém sabe operá-las...
Estas
são opções especiais para um povo especial.
Educação?!!
O povo especial não precisa. Cospe-se na rua (e agora com os chineses, temos
que ter cuidado para não caminharmos sobre escombros escarrados de fresco...),
vandalizam-se costumes, ignoram-se tradições.
Escolas
para quê e para ensinar o quê?!!
Que o
Sr. Engenheiro é um herói porque fugiu ali algures da marginal acompanhado de
outros tantos magníficos?!!!
Que a Deolinda Rodrigues morreu num dia fictício
que ninguém sabe qual mas nada os impediu de transformar um dia qualquer
em feriado nacional?!!!!
O embuste da história recente de Angola é tão
completo e manipulado que até mesmo eles parecem acreditar nas mentiras que
inventaram...
Se
incomodarmos o Sr. Engenheiro de qualquer forma, sai a guarda pretoriana dele e
nós ficamos quietos a vê-los barrar ruas anarquicamente sem nos deixar
alternativas para chegarmos a casa ou aos empregos. O povo especial nem precisa
ir trabalhar se resolvem fechar as ruas.
Se
sairmos para almoçar e eles bloqueiam as ruas sem qualquer explicação, só temos
uma hipótese: como povo especial não precisa de comer, dá-se meia volta de barriga vazia e volta-se para o emprego.
E isto
quando não ficamos horas parados à espera que o Sr. Engenheiro e sua comitiva
recolham aos seus lares e nos deixem, finalmente circular.
Entramos
em casa às escuras e saímos às escuras. Tomamos banho de caneca. Sim, bem à
moda do velho e antigo regime do MPLA-PT do século passado.
Luanda,
que ainda resiste a tantos maus-tratos e insiste em conservar os vestígios da
sua antiga beleza, agora é violentada pelos chineses.
Sodomizada.
Sistematicamente. Dia e noite.
Está
exaurida; de rastos, de cócaras diante dos novos «amigos» do Sr. Engenheiro.
Eles dão-se, inclusive, ao luxo de erguerem dois a três restaurantes chineses
numa mesma rua. A ilha do Cabo tem mais restaurantes chineses que qualquer
outra rua de qualquer outra cidade ocidental ou africana: CINCO!!!! A China
Town instalada em Luanda.
As
inscrições que colocam nos tapumes das obras em construção, admirem-se, estão
escritas na língua deles. Eles são os novos senhores. Os amigos do Sr.
Engenheiro. A par do Sr. Falcone... a este foi-lhe oferecido um cargo e
passaporte diplomático. Aos outros, que andam aos bandos, é-lhes oferecida a
carne fresca das nossas meninas. Impunemente. Alegremente. Com o olhar
benevolente dos canalhas de fato e gravata. Lá fora, no mundo civilizado sem
povos especiais, caçam os pedófilos. Aqui, criam e estimulam pedófilos. Acham
graça.
Qualidade
de vida é coisa que o povo especial nem sabe o que é. Nem quantidade de vida,
uma vez que morremos cedo, assim que fazemos 40 anos.
Se
vivermos mais um pouco, ficamos a dever anos à cova, pois não nos é permitida
essa rebeldia. E quem dura mais tempo, é castigado: ou tem parentes que cuidem
ou vai para a rua pedir esmola!
Importam-se
carros. E mais carros. De luxo. Esta é a imagem de marca deles: carros de luxo
em estradas descartáveis, esburacadas. Ah...
e telemóveis!!!!
Qualquer
Prado ou Hummer tem que levar ao volante um elemento com telemóvel. Lá fora, no
mundo civilizado sem povos especiais, é proibido o uso do telemóvel enquanto se
conduz. Aqui é sinal de status, de vaidade balofa!!!!!!!!!!
Pobre
povo especial. Sem transportes, sem escolas, sem hospitais. À mercê dos
candongueiros, dos «dirigentes» e dos remédios que não existem. Sem
perspectivas de futuro.
Os
nossos «amanhãs» já amanhecem a gemer: de fome, de miséria, de subnutrição, de
ignorância, de analfabetismo, de corrupção, de incompetência, de doenças antes
erradicadas, de ira contida, de revolta recalcada.
O
grito está latente. Deixem-no sair: BASTA!!!!!!
«Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente
se encontra».