João j. Brandão Ferreira
«Foi-lhes dada a escolha entre a guerra e a
desonra. Escolham a desonra e terão a guerra».
Wiston Churchill
Ter a «Troika» a passear na baixa lisboeta, junto ao Martinho da Arcada
– onde Fernando Pessoa terá escrito trechos dessa maravilha poética e
patriótica intitulada «Mensagem»[1] – obra com muito
mais significado do que ter afirmado que a sua «Pátria era a língua portuguesa»[2] – é muito mais grave do que ter a duquesa de
Mântua no antigo palácio real, protegida pela guarda alemã (ele há
coincidências…), aquartelada no castelo de S. Jorge.[3]
Apesar
de esta afirmação não ser evidente para o vulgo, não me resta espaço para
explicar porquê. O ponto não é esse.
O
ponto é que a situação descrita revela que a
nossa soberania está muito limitada – sem que alguém se preocupe em aferir até
que ponto – ou seja a Nação Portuguesa tem altíssimas restrições para poder
decidir do seu destino.
E cada um de
nós como português, individualmente, está sujeito a essas restrições. Ou seja a
liberdade de cada um está intimamente ligada à liberdade da Nação, mas a
liberdade desta é mais importante que a liberdade individual, coisa que deixou
de ser perceptível – logo sentida – pois deixou de fazer parte do discurso
oficial, da moral política e das modernaças correntes intelectuais.
Por
isso a prioridade, que devia ser de todos nós, desde os governantes ao povo
miúdo, devia ser, logicamente, a de reganhar a soberania.
Mas não, além
da irresponsável leveza com que a maioria dos órgãos de comunicação social,
agentes económicos e sociais e público em geral trata o problema – como se de
um contratempo momentâneo se tratasse – já não espanta que a prioridade dos políticos,
desde o Presidente da República à maioria dos deputados e passando pela «caixa-de-ressonância,
em que se transformou o governo, seja a de ‘regressar aos mercados’»!
Os mesmos
mercados que estão na origem da crise…
Esta
matilha política e financeira enredou-se de tal ordem, num novelo de
dependências e negócios, que querem acabar com as nações – por isso o Estado já
não as representa – para amalgamar os povos que as constituem, e pôr os «cidadãos»
não se sabe bem de quê, a pagar os custos do nó górdio que criaram.
E que ninguém
consegue desatar.
Sabem porque
não se quer que o governo peça melhores condições para «gerirmos» a crise? (a
dívida, como está, é impagável nos próximos 100 anos, garanto, e não sou
financeiro).
Posso estar
enganado, mas a razão é só uma: ainda não nos sugaram o suficiente!
(independentemente do perigo de voltarmos à indisciplina e ao disparate).
O processo que
levará à canga com que ficaremos escravos, sem bens, sem terra, sem eira nem
beira, ainda não está suficientemente consumado. Tudo o que resta de património
ainda não foi alienado ou vendido ao desbarato; os instrumentos de
sobrevivência postos exangues.
Tudo
vai por mau caminho e a desorientação é geral. O «nevoeiro» é muito e urge ver
para além e através dele.
A Instituição
Militar último reduto que resta ao país para além da Igreja (ambas muito
esfaceladas) - já que a universidade tem vindo a anarquizar e a atomizar o
saber e o conhecimento – e do PCP, único partido digno desse nome, capaz de
tomar conta do Poder caso a oportunidade surja (obviamente com as consequências
que apenas «cheirámos» em 1974/1975), tem que começar a pensar em sair da sua
posição puramente institucional de fingir que nada do que se passa lhes diz
respeito. É avisado prepararem planos de contingência pois quando a coisa
correr mal vai sobrar para eles.
Valores mais
altos se levantam.
E convém ter o
dia seguinte minimamente pensado para não se dar o descalabro do dia 26 de
Abril…
Isto claro se
não se deixar abater como um apêndice dispensável e inútil.
O
Junot, em 1807, dissolveu o Exército com um decreto. Não sei se estão
recordados do que aconteceu a seguir.
Os tipos da «Troika»
não devem ser lançados pela janela fora, como se fez ao Miguel de Vasconcelos,
não só porque não foram eles que nos traíram, como até fomos nós (enfim, alguns
de nós), que os convidámos para a nossa casa, onde até já fazem conferências de
imprensa.[4]
Mas
devem, de facto, ser postos na rua. Delicadamente, mas na rua.
Só que para
isso ser viável é preciso ter um plano estratégico para sobreviver, que não se
vislumbra em gente responsável. E qualquer plano implica muitos sacrifícios que
ninguém quer fazer a não ser que acredite na «causa».[5]
Mas
a vida é luta e ir à guerra se, preciso for. E nós deixámos de querer lutar…
Quanto mais
tarde nos decidirmos, maior será o sacrifício e os danos.
Podemos tentar
enganarmo-nos a nós mesmos, mas não há volta a dar.
Como dizia o
Churchill, ficaremos com a guerra e a desonra – como, aliás, aconteceu com a «descolonização»…
Corro o risco
de estar vivo para ver. E não me apetece nada.
[1] Única obra de Pessoa publicada em vida do poeta, em
português (1934). Premiada com o prémio «Antero do Quental».
[2] Lamentavelmente abusada por alguns para significar, propositada ou
ingenuamente, conceitos errados e perigosos…
[3] A principal força que obedecia aos Filipes, em Lisboa, eram tropas
alemãs dos domínios dos Habsburgos (mercenários católicos, conhecidos como «Tudescos»).
[4] Os Árabes/Berberes também desembarcaram no «Al Andaluz» convidados por
uma das partes dos Visigodos desavindos. Foi preciso 800 anos para os expulsar…
[5] Atente-se: Antes de 1640, ninguém queria pagar impostos para subsidiar
as «guerras» de Filipe IV, houve revoltas e tumultos. Mas a seguir à aclamação
de D. João IV, todo o reino (que estava paupérrimo) pagou sem murmúrio o
imposto extraordinário para fazer face à guerra que aí vinha.
Todos os estudantes portugueses que estavam na
universidade de Salamanca regressaram ao país e alistaram-se para o bom
combate. Parte da nobreza portuguesa que estava na corte, em Madrid (agora pode
ler-se Bruxelas), juntou os seus haveres e regressou à Pátria. Só os mais
beneficiados ficaram em Madrid e renegaram as origens. Naquele tempo, Portugal
estendia-se do Brasil à China e apenas uma praça – Ceuta – cujo governador era
castelhano, não levantou arraial por El-Rei de Portugal!