Pedro
Afonso
Muitos
de nós já se terão questionado: será que o poder transforma as pessoas,
alterando-lhes a personalidade, ou será que aqueles que chegam ao poder já
apresentam traços ou características de doença psiquiátrica?
É
provável que ambas as hipóteses sejam verdadeiras, senão vejamos: um estudo
(Davidson et al.) publicado em 2006 na revista Journal of Nervous and
Mental Disease, após uma revisão de fontes biográficas de presidentes dos
EUA entre 1776 e 1974 mostrou que 18 (49%) preencheram critérios que
sugeriam doença psiquiátrica. Neste caso, depressão (24%), ansiedade (8%),
perturbação bipolar (8%) e alcoolismo (8%) foram as doenças mais frequentemente
reportadas. Também há vários relatos de que Winston Churchil sofria de
depressão, a que chamava «o cão negro». Existem ainda inúmeros elementos
biográficos que levam a suspeitar que, por exemplo, Mussolini, Mao Tse-Tung, Khrushchev e Saddam Hussein
sofriam de doença bipolar.
Em
2009, num artigo publicado na prestigiada revista Brain, David
Owen, médico e ex-ministro dos negócios estrangeiros inglês, juntamente com o
psiquiatra Jonathan Davidson, defenderam a
existência de uma doença psiquiátrica, originada pelo exercício do poder,
designada por «síndrome da presunção» (Hubris syndrome). Segundo estes autores,
esta síndrome, que partilha elementos com o narcisismo e a psicopatia,
corresponde a um padrão de comportamento provocado pela exposição a um cargo de
poder por um período variável de 1 a 9 anos. Os sintomas identificados são
vários: perda de contacto com a realidade, predisposição para ver o mundo como
um lugar para a auto-glorificação através do uso do poder, preocupação
exagerada com a imagem e a apresentação, forma messiânica de falar acerca do
que estão a fazer, utilização recorrente do «nós» em tom majestático,
identificação de si próprios (ideias e pensamentos) com o Estado, como se
fossem um só, excesso de autoconfiança com desdém perante os conselhos ou
críticas dos outros, assumir apenas responsabilidade para um
tribunal superior (história ou Deus) ao mesmo tempo que reitera a crença de que
será recompensado nesse julgamento.
O
ambiente de poder que rodeia a maior parte dos chefes de governo tem um impacto
significativo sobre estas pessoas, mesmo as mais estáveis psiquicamente, uma
vez que deixam de ter uma vida normal. Vivem muitas vezes em casas sumptuosas
do Estado, rodeados de um séquito de aduladores, têm carros com motorista,
seguranças, e deslocam-se em ambientes protegidos: de uma suíte VIP de um
aeroporto para um palácio governamental, ou para um fórum com a elite
empresarial. Ora tudo isto dá um nível de vida e um afastamento dos problemas
do dia-a-dia que só algumas pessoas muito ricas podem igualar. Mas mais
importante é que este estilo de vida origina ao líder político um grande
isolamento. Por conseguinte, este começa a acreditar que não é igual aos outros
homens. Fica emerso num mundo de ideias geradas apenas por si próprio, e aos
poucos, sem se aperceber, vai perdendo o contacto com o mundo real.
A
intoxicação pelo poder é um caminho que nem todos os indivíduos têm capacidade
para neutralizar. Muitos acabam por ultrapassar a fronteira entre a
decisão competente e a incompetência presunçosa. Os políticos, tal como os
médicos, têm a vida das pessoas que governam nas suas mãos. Nalguns casos a
responsabilidade pode ser ainda maior, já que podem decidir se colocam em risco
a vida dos seus cidadãos. Por exemplo, podem decidir subtrair os rendimentos
das pessoas, através dos impostos, remetendo os mais frágeis para a asfixia da
pobreza; podem criar um clima de insegurança e medo, roubando a esperança
no futuro a gerações inteiras; podem cobardemente incentivar a emigração ou de
forma inábil obrigarem as pessoas a viver resignadamente num país onde floresce
a miséria psicológica.
Importa
sublinhar que a síndrome de presunção é um tema controverso e não surge, pelo
menos para já, nos manuais de psiquiatria. Mas é curioso constatar que
facilmente podemos identificar algumas das características descritas nalguns
políticos portugueses. Seja como for, uma das formas mais eficazes de evitar os
efeitos devastadores dos políticos presunçosos, é através da detecção precoce
dos sinais de «intoxicação pelo poder», tais como: a crença de que o sofrimento
de um povo corresponde a lamechices, a utilização obsessiva de agências de
comunicação e de eventos organizados para autopromoção, a preocupação excessiva
pela imagem, a tentativa de controle da comunicação social, o desdém pelos
adversários políticos, a teimosia e a obstinação, o recurso a retóricas
políticas extravagantes e enganadoras, nas quais surgem frequentes
contradições, e a persistência perversa numa política que comprovadamente não
funciona.
Tal
como nas psicoses, os afectados pela síndrome da presunção não reconhecem «estar
doentes», já que para eles isso é um sinal de fraqueza. Ou seja, raramente se
demitem, devendo por isso serem demitidos. Para bem da sociedade e dos
governantes afectados, os médicos que descreveram esta síndrome afirmam que ela
tem cura, já que é propensa a desaparecer com o afastamento do poder.
Finalmente, e citando Chesterton, a perfeita autoconfiança não é apenas um
pecado; a perfeita autoconfiança é uma fraqueza. Os homens que acreditam «demasiado»
em si mesmos estão todos fechados nos manicómios.