João José Brandão Ferreira
A TAP nasceu em 14.03.1945, na sequência da II Guerra Mundial, com o objectivo primeiro de ligar as principais parcelas do território português, e servir de companhia da bandeira que ilustrasse o país. Foi fundada por um grupo de aviadores oriundos da Aeronáutica Militar e nasceu bem (talvez por isso ainda se aguente), com uma boa escola, boa manutenção e um bom serviço.
Funcionou sem grandes problemas até 1974, dominando o espaço aéreo e as regras do ar, em termos civis, correndo paredes meias com a Força Aérea, sem atritos, recebendo desta, de tempos a tempos, fornadas de pilotos, sobretudo milicianos, que continuavam a sua vida profissional, na companhia, após terminarem o contrato com a FA. E tinha lucros!
Vieram os anos da graça de 1974-1975 e tudo se modificou. No rescaldo da agitação política e social desses tempos conturbados resultou para a TAP, ficar com pessoal a mais e gente de todas as cores partidárias; administração de escolha político-partidária conforme o governo em funções; altos valores remuneratórios e longa lista de prebendas acessórias, distribuído por todos os sectores da companhia, com especial ênfase para o pessoal navegante e, naturalmente, entre estes, os pilotos. Estes benefícios resultaram não de uma distribuição equitativa, faseada ou realista, mas apenas pela capacidade reivindicativa demonstrada. Naqueles tempos (e nestes, também), quem gritar mais alto e tiver mais hipóteses de causar danos no dia a dia da sociedade, tem mais hipóteses de obter contrapartidas. É o caso da TAP.
Tudo isto não deixa de ser um abuso e um factor de injustiça social que não ilustra qualquer regime.
O espaço aéreo, por seu lado, passou a estar mais ocupado, pelo extraordinário desenvolvimento da aviação civil, no campo do transporte de passageiros, carga, desporto, trabalho aéreo, aeroclubes, escolas, etc, o que obrigou a um reforço de competências e meios da autoridade aérea nacional, a DGAC, agora INAC. A única coisa que tem diminuído são as horas de voo da Força Aèrea...
A TAP perdeu peso relativo na ocupação do espaço aéreo nacional mas ganhou um número apreciável de sindicatos, que têm mantido o nível dos proventos dos seus associados numa relatividade elevada, se comparados com os demais portugueses e até com os portugueses de competências profissionais idênticas.
O mesmo se passou com os quadros superiores da administração, mas numa escala um pouco mais obscena e sem que alguma vez, alguém tenha sido responsabilizado por nada. Antes pelo contrário quando algum governo não gosta de um “gestor”, despede-o acompanhado de lauta indemnização e, por norma, sempre se arranja um lugarzito noutra empresa do Estado. Sim porque a TAP, é bom lembrá-lo, é (desde 1991), uma Sociedade Anónima de Capitais Maioritariamente Públicos , ou seja,maioritariamente, de todos nós.
Acontece que apesar das valências positivas que a companhia tem tido, não se tem sabido adequar aos diferentes cenários internacionais e nacionais (a começar pela perda de certos monopólios em rotas) e tem vindo a acumular prejuízos desde 1974. Estes prejuízos têm sido suportados pelos contribuintes – enquanto a UE permitiu ao governo injectar dinheiro na companhia e resta saber os subterfúgios que possam existir para o continuar a fazer – e por recurso a empréstimos bancários, o que contribui para aumentar a nossa já devastadora dívida pública.
Ora eu, humilde contribuinte, não quero continuar a pagar este desconchavo. Espero que os leitores me concedam esse direito.
O problema é que só quem me pode ajudar neste “direito” é o governo. Ora o que faz o governo? O governo encolhe-se cada vez que um sindicato do sector, com especial incidência para o dos pilotos, ameaça que faz greve. E quando escrevo “encolhe-se” deve ler-se, acobarda-se, pois é isso que tem feito há 30 anos a esta parte, ao mesmo tempo que não consegue gerir e, ou, transformar a empresa de modo a que esta dê lucros. Neste âmbito os leitores saberão aplicar os adjectivos adequados sem que eu os tenha que explicitar.
Mas o governo faz pior, além de não pôr ordem na TAP,deixando também que se avolumem injustiças relativas dentro da própria empresa, ainda cria outros problemas noutros sectores do Estado, pelas desigualdades que mantém. Por ex., um coronel piloto da FA ganha cerca de três a quatro vezes menos do que um comandante da TAP, ao passo que tem muitos maiores deveres e responsabilidades e consideravelmente menos direitos. Um co-piloto da TAP entra a ganhar mais do que o Chefe do Estado Maior de qualquer ramo das FAs, mas pelos vistos ninguém se incomoda com isto… Aliás alguma alma caridosa pôs a circular na net a tabela salarial dos pilotos da TAP, que parece ser uma “slot machine” que só dá moedas, nunca retém. Isto sem falar, em apoios sociais, seguros, complementos de reforma, etc. Dá ideia de que logo que um piloto se levanta da cama já está a ganhar… Isto numa profissão em que nem sequer uma licenciatura se exige!
Por isso a maioria dos 800 pilotos da TAP considerou – ao que consta – a recente ameaça de greve na Páscoa, como inoportuna e desajustada e esta acabou por ser desconvocada - sabendo-se posteriormente terem sido destribuidos quatro milhões de euros de prémios de produtividade…. Fizeram bem. Se não fosse por mais nada, ganha-se em decência… E os pilotos mais novos que se cuidem, pois a continuar assim, a TAP vai mesmo ter que ser encerrada/vendida/desmantelada, etc. Já não havia pachorra, agora não há dinheiro.
É certo que outras injustiças se mantêm, mas isso não deve servir de argumento. O que há a fazer é tentar acabar com elas, não criar ou manter outras.E há,a pouco e pouco,que ir tentando a justiça relativa na sociedade.
Mais uma vez só os órgãos do Estado e, nomeadamente, o Governo, podem harmonizar estas situações. Mas como os governos e os políticos em vez de governarem, andam em permanente campanha eleitoral e, ou, a tratarem dos “assados” em que se metem ou se deixam meter, não temos horizonte por onde esperar uma luz que nos dê esperança.
O “Estado Exíguo” para que caminhamos há muito, passa sobretudo por termos um estado politicamente falhado.