quinta-feira, 18 de setembro de 2014


Há, mas são verdes


António Costa

As mudanças na política fiscal parecem ser, agora, a chave para todos os problemas do País.

A uma necessidade, surge uma comissão que propõe alterações fiscais, mais impostos e mais taxas, muitas vezes sem a necessária visão global do que deve ser um objectivo de redução de impostos. Desta vez, é a «fiscalidade verde», uma expressão que esconde uma falácia. Há, mas são verdes?

A comissão da fiscalidade apresentou uma proposta de reforma de impostos com incidência ambiental que mais não é do que a criação de incentivos para sermos ambientalmente responsáveis. Como se sabe que não seremos assim tanto, passou-se rapidamente a criar taxas e impostos sobre tudo e mais alguma coisa, em concreto 59 novas taxas, desde as que recaem sobre os sacos de plástico à constituição de uma taxa de carbono, para tornar mais cara a utilização de automóveis, por exemplo.

Sabemos a importância dos incentivos, e alguns são pertinentes. Jorge Moreira da Silva percebeu o filão político que tinha entre mãos e, no fundo, assume o trabalho da comissão como seu, dá-o como proposta do Governo. Promete a neutralidade fiscal – já veremos de que forma – e acredita que os impostos verdes são socialmente bem aceites. Mas há um equívoco, por serem verdes, leia-se politicamente relevantes, não são melhores, continuam a ser impostos, e não são necessariamente mais justos do que os impostos que pagamos, por exemplo, para garantir uma escola pública ou uma saúde pública.

Em primeiro lugar, criou-se a ideia de que a política fiscal é a resposta para tudo. Não é, sobretudo quando corresponde a mais impostos. Para promover a natalidade, venham incentivos fiscais para os pais que prometem procriar. Para a fiscalidade verde, venham mais taxas que ponham os consumidores na ordem. Fica um exemplo: o que contribui mais para o uso do transporte público? Uma dedução fiscal no passe ou transportes a horas?

Em segundo lugar, esta é uma reforma necessária que surge no tempo errado. Portugal tem um nível de carga fiscal elevado, demasiado elevado, e a prometida neutralidade não chega. De que forma nos é prometida esta neutralidade? Parte resultaria da redução da sobretaxa de 3,5% em sede de IRS. Portanto, o que nos estão a dizer é que querem substituir um imposto excepcional e transitório por uma taxa definitiva. Não, obrigado.

Quando o Governo garantir um corte efectivo da despesa – este ou outro – estarei disponível para discutir novos aumentos de impostos. Agora, não chega o «há, mas são verdes».





segunda-feira, 15 de setembro de 2014


Olá, Curdistão


Daniel Pipes

Antes de dar as boas vindas ao surgimento do estado do Curdistão no Norte do Iraque, confesso ter-me oposto, no passado, à sua independência.

Em 1991, após o fim da guerra do Kuwait, quando Saddam Hussein atacou seis milhões de curdos no Iraque, apresentei três argumentos contra a intervenção americana em favor dos curdos, ainda correntemente ouvidos hoje em dia:

1 – A independência poderia significar o fim do Iraque como estado.

2 – Poderia incentivar agitação curda na Síria, Turquia e Irão, levando à desestabilização e a conflitos de fronteira.

3 – Provocar a perseguição de não-curdos, causando «enormes e sangrentas migrações populacionais».

Mapa mostrando o Governo Regional do Curdistão,
com a recente conquistada província de Kirkuk, em verde.

As três hipóteses estavam totalmente erradas. Dado o péssimo histórico do desempenho tanto na política interna quanto externa, o fim de um Iraque unificado promete certo alívio, assim como também as agitações curdas em países vizinhos. A Síria conta com fracturas em três componentes étnicos e sectários: curdos, árabes sunitas e árabes xiitas, que prometem benefícios a longo prazo. A separação curda da Turquia impede, de forma positiva, as impulsivas ambições do já presidente Recep Tayyip Erdoğan. De forma semelhante, a fuga dos curdos do Irão, ajuda a diminuir esse super agressivo mini-império. Longe dos não-curdos abandonarem o Curdistão iraquiano, como eu temia, está acontecendo justamente o contrário: centenas de milhares de refugiados estão invadindo o Curdistão, a partir do resto do Iraque, a fim de se beneficiarem da segurança no Curdistão, tolerância e oportunidades.

Posso explicar esses erros: Em 1991, ninguém podia imaginar que um governo autónomo no Iraque ia prosperar desta maneira. O Governo Regional do Curdistão (GRC), criado no ano seguinte, pode ser chamado (com um pequeno exagero) de Suíça do Médio Oriente muçulmano. A sua população, armada, orientada para o comércio, almeja ser deixada em paz e prosperar.

Também não era possível saber em 1991 que o exército curdo, peshmerga, iria consolidar-se como uma força competente e disciplinada, que o GRC iria rejeitar os métodos terroristas então notoriamente usados pelos curdos na Turquia, que a economia iria gozar de um boom, que as duas famílias políticas mais importantes dos curdos, os Talabanis e os Barzanis, iriam aprender a coexistir, que o GRC usaria de diplomacia responsável, que a sua liderança assinaria acordos de comércio internacionais, que dez instituições de ensino superior seriam criadas e que a cultura curda iria florescer.

Mas tudo isso aconteceu. Segundo a estudiosa israelense Ofra Bengio, «O Curdistão autónomo demonstrou ser a região mais estável, próspera, pacífica e democrática do Iraque».

Erbil, a capital do Curdistão iraquiano está florescendo.

Qual é o próximo passo no projecto do GRC?

1.º – Após perdas significativas para o Estado Islâmico, é o de reciclar e rearmar o peshmerga e aliar-se tacticamente com ex-adversários, com o governo central iraquiano e com os curdos turcos, passos que terão implicações positivas para o futuro do Curdistão.

2.º – A liderança do GRC assinalou a intenção de realizar um plebiscito sobre a independência, que assume correctamente, irá gerar um tremendo apoio popular. A diplomacia, no entanto, ainda não acertou o passo. O governo central iraquiano, é claro, opõe-se a isso, o mesmo acontecendo com as grandes potências, reflectindo a habitual cautela e preocupação em relação à estabilidade. (Lembre-se do «discurso do Erro Colossal de Kiev» de George H. W. Bush em 1991).

Entretanto, dado o histórico de alto nível do GRC, as potências externas deveriam estimular a sua independência. Os média pró-governamental na Turquia já apoia. O vice-presidente dos EUA Joe Biden poderá basear-se no seu plano de 2006 sugerindo «oferecer a cada grupo étnico/religioso, curdo, árabe sunita e árabe xiita, espaço para gerir os seus próprios negócios, deixando o governo central encarregado de gerir os interesses comuns».

3.º – Já pensou se os curdos iraquianos juntassem forças nas três fronteiras, como já fizeram outras vezes, e formassem um Curdistão único com uma população de cerca de 30 milhões de habitantes e porventura um corredor para o Mar Mediterrâneo? Um dos maiores grupos étnicos do mundo sem um país (uma reivindicação controversa: como por exemplo, os Kannadiga da Índia), os curdos perderam a oportunidade quando dos acordos pós Primeira Guerra Mundial porque não tinham o requisito de ter intelectuais e políticos.

Cada mapa dos povos curdos difere um do outro.
Este mostra uma estimativa da sua extensão geográfica,
incluindo um corredor para o Mar Mediterrâneo.

O surgimento agora de um estado curdo irá alterar profundamente a região, incluindo simultaneamente um país novo de tamanho considerável, desmembrando parcialmente os quatro vizinhos. Uma perspectiva dessas deixaria consternada a maior parte do mundo. Porém o Médio Oriente, ainda preso pelo desprezível acordo Sykes-Picot secretamente negociado pelas potências europeias em 1916, bem que precisa de um salutar abanão.

Visto dessa perspectiva, o surgimento de um estado curdo faz parte da desestabilização em toda a região, perigosa, porém necessária, que começou na Tunísia em Dezembro de 2010. Assim sendo, ofereço as boas-vindas, de coração, às suas quatro partes em potencial, para que se juntem rapidamente a fim de formarem um único Curdistão unido.