Jaime Nogueira Pinto, Jornal
Sol, 15 de Maio de 2014
Uma das consequências desta espécie de epidemia mental
que se abateu sobre Portugal e a Europa sob a forma do pensamento único
universal e correcto foi a exclusão da ideia da política como poder, como
debate, como decisão e escolha do bom governo para a comunidade.
Na esquerda, a fórmula do pensamento único é a
proclamação do fim da política pela sua redução aos direitos económicos
universais e absolutos para todos.
A questão de como continuar a prometer esse «país da
Cocanha» de abundância e tolerância totais numa economia-mundo que a própria
esquerda idealizou não se põe. A retórica é que tal só não acontece por
imposição de uns tenebrosos oligarcas financeiros, apoiados pelos seus
cúmplices no poder – os políticos e as políticas «de direita» – que sonham
escravizar os pobres e reduzir à pobreza a classe média.
À direita, ou entre essa «direita» festiva que por aí
pontifica, oriunda da esquerda arrependida e veneradora do dinheiro, a política
também não se ocupa do poder, do Estado, da nação, da comunidade. A política é
não haver política, é reduzir à economia e à gestão todos os problemas
políticos. É deixar os mercados funcionar e ver que tudo se arranja através das
operativas mãos invisíveis.
Estas tendências mais uma vez se confirmaram nas comemorações
do golpe de Estado do MFA: a esquerda veio para a rua lamentar-se de que as
«conquistas» de Abril tenham atirado, quarenta anos depois, o país para o
desemprego e para o salário mínimo mais baixo da Europa Ocidental – e inferior,
com a correcção monetária, ao dos tempos da «ditadura»; e os devotos da
«Comunidade internacional», de que o salazarismo nos separava, gritaram
palavras de ordem patrióticas, com os comunistas e os bloquistas a exaltarem a
soberania e a independência nacional.
A tal direita da mão invisível, a direita libertária, que
andava oprimida há quarenta anos, veio também, não sei se hipócrita se
estupidamente, celebrar Abril, misturando com outras libertações a «restauração
democrática» (como se os democratas da Primeira República alguma vez
respeitassem a liberdade dos seus adversários políticos monárquicos, católicos
ou nacionalistas).
Há quarenta anos, o golpe militar pretoriano e o ensaio
da revolução socialista que se lhe seguiu tiveram duas consequências: uma foi,
no final de um complexo PREC, a criação de uma democracia liberal com
objectivos constitucionais socializantes, a democracia em que vamos vivendo; a
outra, muito mais importante politicamente, foi a redução do poder nacional,
com a perda do Império e com os custos económicos que vieram da socialização
violenta do 11 de Março e do «espírito socialista» da Constituição.
Com estas perdas, perdemos – perdeu o país – a capacidade
económica para pagar um Estado Social e garantir a independência financeira
perante o exterior.
É esta
a segunda parte da história que os comemoracionistas não querem reconhecer –
por burrice ou conveniência.