sexta-feira, 19 de julho de 2013

O BIC e a salvação nacional


Expresso, 16 de Julho de 2013

O BPN foi, como se sabe, oferecido ao banco de Mira Amaral. Sim, 40 milhões de euros por um banco é uma oferta. E foi oferecido sem as dívidas, sem tudo o que nele era tóxico e problemático. Isso, Passos Coelho, homem do rigor e dos sacrifícios, deixou para os contribuintes. Para conseguir este extraordinário montante, o Estado deu todas as garantias: o contrato assinado com o BIC prevê que o banco se responsabilize por resolver as acções judiciais instauradas contra o BPN por clientes e trabalhadores, mas, claro está, mediante reembolso do Estado. A primeira factura chegou: 100 milhões de euros. No fim o Estado pode vir a pagar ao BIC cerca de 600 milhões de euros. 15 vezes mais do que recebeu pela privatização.

Com quase todos os que levaram o BPN à ruína em liberdade, com uma obscura venda por trocos a um banco presidido por um ex-ministro do PSD, deixando todos os podres para os contribuintes, o Estado continuará a financiar cada problema que surja num banco que, na realidade, apenas geriu por dois anos. O BPN foi assaltado pelos seus próprios donos, nós pagamos. O BPN é privatizado, nós pagamos. O BPN continua a ter problemas por resolver, não continuamos a pagar. Tirando a nacionalização, tudo isto é feito por um governo que se atreve a dar lições sobre o despesismo que nos terá levado até aqui. O problema é, ao que parece, querermos ter hospitais, escolas e reformas que não podemos pagar.

O obscuro processo de reprivatização do BPN, um autêntico assalto ao Estado, dirigido pelo ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar, coordenado pela então secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, e apoiado pelo primeiro-ministro Passos Coelho, só podia, num país com algum respeito pelos contribuintes, acabar na barra do tribunal. Com o julgamento dos decisores políticos que determinaram as escandalosas condições e montantes para esta privatização. Mas por cá, pede-se responsabilidade a todos os partidos. Que negoceiem com esta gente a «salvação nacional». Talvez chamar o cavaquista Mira Amaral como «personalidade de reconhecido prestígio» para moderar as conversas. Assim ficava tudo em casa.

Este episódio, a privatização dos CTT e das Águas de Portugal, e todos os negócios que ainda estão por fazer, são uma das razões porque tanta gente muito respeitável da política e dos negócios não quer ondas. Não quer eleições, oposição, contraditório. O próprio Mira Amaral disse, um dia depois da demissão de Paulo Portas, que o Presidente da República só deveria «convocar eleições em caso extremo», defendendo «um acordo entre os grandes partidos, PSD, PP e PS, que sustentasse uma solução de governo». Há que manter tudo sereno, consensual, em silêncio. Porque, como se sabe, a crise é sempre uma oportunidade. Que não venha a democracia agitar tão paramentoso pântano.





quinta-feira, 18 de julho de 2013

terça-feira, 16 de julho de 2013

O aborto ortográfico


João Pereira Coutinho (Folha de S. Paulo, 4 de Junho de 2013)

O acordo ortográfico é conhecido em Portugal como o aborto ortográfico. Difícil discordar dos meus compatriotas. Basta olhar em volta. Imprensa. Televisões. Documentos oficiais. Correspondência privada.

Antes do acordo, havia um razoável consenso sobre a forma de escrever português. Depois do acordo, surgiram três «escolas» de pensamento.

Existem aqueles que respeitam o novo acordo. Existem aqueles que não respeitam o novo acordo e permanecem fiéis à antiga ortografia.

E depois existem aqueles que estão de acordo com o acordo e em desacordo com o acordo, escrevendo a mesma palavra de duas formas distintas, consoante o estado de espírito – e às vezes na mesma página.

Disse três «escolas»? Peço desculpa. Pensando melhor, existem quatro. Nos últimos tempos, tenho notado que também existem portugueses que escrevem de acordo com um acordo imaginário, que obviamente só existe na cabeça deles.

Felizmente, não estou sozinho nestas observações: Pedro Correia acaba de publicar em Portugal «Vogais e Consoantes Politicamente Incorrectas do Acordo Ortográfico» (Guerra & Paz, 159 págs). Atenção, editores brasileiros: o livro é imperdível.

E é imperdível porque Pedro Correia narra, com estilo intocável e humor que baste, como foi possível parir semelhante aberração.

Sem surpresas, a aberração surgiu na cabeça de duas dezenas de iluminados que, em 1990, se reuniram na Academia de Ciências de Lisboa para «determinar» (atenção ao autoritarismo do verbo) como os 250 milhões de falantes da língua deveriam escrever. Qual foi a necessidade teórica ou prática do conluio?

Mistério. Em todos os países de língua portuguesa, com a excepção do Brasil, respeitava-se o acordo de 1945. E nem mesmo as diferenças na ortografia brasileira incomodavam os portugueses (ou vice-versa).

Nunca ninguém deixou de ler Saramago no Brasil por causa do «desacordo» ortográfico. Nunca ninguém deixou de ler Nelson Rodrigues em Portugal pelo mesmo motivo.

Acontece que as cabeças autoritárias sempre desprezaram a riqueza da diversidade. Em 1986, no Rio de Janeiro, conta Pedro Correia que já tinha havido uma tentativa ainda mais lunática para «unificar» a língua, ou seja, para unificar 99,5% das palavras (juro). Como?

Por uma transcrição fonética radical que gerou termos como «panelenico» (para «pan-helênico») ou «bemumurado» (para «bem-humorado»). Será preciso comentar?

O novo acordo é menos radical desde logo porque admite «facultatividades» que respeitem a «pronúncia culta» de cada país. Deixemos de lado a questão de saber se a escrita pode ser mera transcrição fonética (não pode) ou se a etimologia deve ser ignorada nas «simplificações» acordistas (não deve).

Uma deficiente interpretação do que significam essas «facultatividades», conta o autor, levou o governo português, no seu Orçamento do Estado para 2012 (o documento central da política lusa), a escrever a mesma palavra de formas diferentes: «ópticas» e «óticas»; «efectiva» e «efetiva»; «protecção» e «proteção»; e etc. etc.

Mas mais hilariantes são os casos em que a aproximação portuguesa ao Brasil gerou palavras que nem no Brasil se usam. No novo acordo, «recepção» perdeu o «p»; no Brasil, o «p» continua. O mesmo para «acepção», «perspectiva» e por aí fora.

Perante este aborto ortográfico, que fazer?

Curiosamente, Angola e o Brasil já fizeram muito: a primeira, recusando-se a ratificá-lo; o segundo, adiando a sua aplicação.

Só os portugueses continuam a marrar contra a parede – e, pior, a marrar contra uma ilegalidade: o tratado original do Acordo Ortográfico de 1990 garantia que o mesmo só entraria em vigor quando todos os intervenientes o ratificassem na sua ordem jurídica. Essa intenção foi reafirmada em protocolo modificativo de 1998.

Mas eis que, em 2004, há um segundo protocolo modificativo segundo o qual bastaria a ratificação de três países para que o acordo entrasse em vigor.

Não é preciso ser um génio da jurisprudência para detectar aqui um abuso grosseiro: como permitir que o segundo protocolo tenha força de lei se ele nem sequer foi ratificado por todos os países?

O resultado é o caos. Como escreve Pedro Correia, um caos «tecnicamente insustentável, juridicamente inválido, politicamente inepto e materialmente impraticável».

Para usar uma palavra bem portuguesa, «touché»!





domingo, 14 de julho de 2013

Câmara de Aveiro cobra taxa
para efectuar colheitas de sangue
em unidade móvel


Adasca

Nos últimos tempos, Aveiro tem sido notícia na imprensa de expressão nacional pelas piores razões.

A Câmara Municipal de Aveiro, que não vai ter qualquer despesa com a campanha de recolha de sangue de verão, nem sequer no fornecimento da corrente eléctrica uma vez que é oferecida por estabelecimento comercial existente no local, cobrou 150 euros por ocupação da via pública pelo carro de recolha de sangue!

Não basta o ministério da saúde fazer dos dadores de sangue sola de sapato, desrespeitando-os com frequência, senão agora sofrerem na pele mais esta investida de cobradores de impostos.

A campanha correu sério risco de não se realizar no local previsto, mas o problema foi resolvido graças a um donativo.
Digitalização da prova de pagamento