sábado, 8 de novembro de 2014


Piropo: problema de gente sem problemas


Maria João Marques

Do que vejo, as raparigas e as mulheres têm medo de assaltos e de violações, mas não conheço uma única que tenha os seus movimentos constrangidos por correr o risco de levar com um piropo.

Além da morte e dos impostos há mais uma coisa certa na nossa vida: podemos contar com a esquerda para nos entreter de tempos a tempos com a sua alienação dos problemas dos portugueses, inventando supostos dramas que os ingratos cidadãos teimam em não sofrer.

Como a inquietação sobre o sexo dos anjos já é banal, o PS nas últimas semanas tem procurado responder às mais viscerais preocupações do indivíduo lusitano. Deixo uma: corrigir a enorme injustiça de Sócrates, depois de ter assinado o memorando com a troika para o qual trabalhou afincadamente seis anos, não ter sido condecorado pelo Presidente da República. Eu estou com o PS. Tenho notado em todos os meus amigos e conhecidos um incansável desgosto por esta injustiça. Eu, arredada dos problemas dos meus concidadãos, pensava até agora que era fúria pela carga fiscal que o despesismo alucinado de Sócrates e a falência que inevitavelmente se lhe seguiu nos impuseram. Ou angústia pela incerteza do futuro dos empregos ou desilusão por não mais se conseguir dar aos filhos o que antes era possível. Mas não: afinal é tudo solidariedade com a não condecoração de Sócrates.

E o Bloco de Esquerda, essa bênção dos céus para nos alegrar na chegada do Outono, lá voltou à carga com a criminalização do piropo de rua, que considera ser uma forma de assédio sexual.

Eu aqui tenho de fazer um parêntesis e pedir desculpa. É que não me lembro do primeiro piropo de rua que me foi dirigido. Nem dos seguintes – a minha memória está ocupada com informações para mim mais relevantes. E cresci numa família desnaturada em que aquela frase que agora leio das mulheres sérias não terem ouvidos nunca me foi dita pela minha mãe; de facto, dos conselhos que a minha mãe me deu não houve nenhum para esse não problema do piropo.

Mais: nas conversas intermináveis das amigas quando se juntam sobre os pormenores da vida (porventura o maior passatempo das adolescentes), nunca discuti essa enorme calamidade do piropo de rua. Do que vejo, as raparigas e as mulheres têm medo de assaltos e de violações, mas não conheço uma única que tenha os seus movimentos constrangidos por correr o risco de levar com um piropo.

Tive, como se vê, uma vida estranha. Em boa verdade digo que já fui alvo de ditos bem mais agressivos do que qualquer piropo enquanto guiava nas ruas de Lisboa. Sendo que as injúrias e ameaças já são crime e tal não parece ter grande efeito dissuasor nos condutores malcriados.

Nesta questão do piropo de rua tenho vivido iludida. Pensava, vejam bem, que havia assuntos de igualdade de género bem mais importantes e merecedores da atenção dos nossos legisladores. É só ler algumas sentenças judiciais sobre abusos sexuais de menores e violações, ou de violência doméstica, para se perceber que as leis permitem falhas gritantes. Mas alterá-las não gera tanto folclore.

O piropo de rua é muitas vezes desagradável? É. Como são desagradáveis todas as faltas de educação e a antipatia. Como é ser empurrada na rua por quem vai com pressa ou atropelada pelos sacos das compras. E que dizer das pessoas que param à saída das escadas rolantes, pondo-se em perigo a si e aos outros? Ou dos que nos elevadores não dão prioridade a quem transporta carrinhos de bebé ou empurra cadeiras de rodas? Vamos ilegalizar a falta de simpatia e cortesia? É que se o piropo se torna ameaçador, violento ou injurioso, sanções já são previstas no Código Penal noutros crimes tipificados. Conseguimos resistir à tentação de não complicar o que bem pode permanecer simples?

Se geralmente falho em escandalizar-me excessivamente com o piropo de rua, já tenho maior exigência para situações de trabalho onde o meu interlocutor prefere olhar para o decote ou para as pernas em vez de para os meus olhos. Vamos criminalizar também olhares desagradáveis e objectivadores das mulheres? A senadora americana Kirsten Gillibrand contou há tempos em livro como os seus colegas do Senado se sentiam à vontade para comentar o seu excesso de peso depois da gravidez. (Tive experiência semelhante depois do nascimento dos meus filhos.). Vamos criminalizar a falta de gosto e de senso?

Por outro lado, recordo-me de elogios simpáticos de desconhecidos e que cabem na formulação de assédio sexual do BE. A bloquista Adriana Lopera, defensora da criminalização, considera ilegítimo que a opinião (mesmo que positiva) de um homem sobre uma mulher seja imposta a essa mulher (CM, 8/9/2013). Eu, que pratico a desconfiança sistemática face ao poder político, perante afirmações destas temo que a proposta de lei pretenda um controlo totalitário das relações entre as pessoas onde nem uma opinião bem intencionada cabe. (E quantas relações de amizade ou amorosas se forjaram através do oferecimento de opiniões elogiosas não solicitadas?)

O BE insurge-se contra o pérfido domínio patriarcal, mas eu termino acautelando uma eventual actividade criminosa da minha parte. E os elogios feitos pelas mulheres? Se não costumo ir pelas ruas comentado o aspecto de desconhecidos, já fui avistada elogiando de forma não solicitada homens e mulheres (e para este último caso poderia bem ser lésbica com intentos sexuais). Se reincidir no crime, deverei dirigir-me à esquadra mais próxima para confessar?





quinta-feira, 6 de novembro de 2014


Só agora é que deram conta dos aviões russos?


José Milhazes

Se alguém tem dúvidas das intenções do presidente russo preste atenção ao facto de 25% do Orçamento de Estado da Rússia ir para «fins secretos», ou seja, despesas militares.

Num comunicado ontem publicado pela Nato, esta organização alertou para as «manobras aéreas incomuns» e de «grande escala», mas Portugal só acordou para este problema quando dois bombardeiros russos se aproximaram das águas territoriais portuguesas. Se as notícias fossem apenas relativas a incidentes semelhantes nos mares Negro ou Báltico, que acontecem regularmente, talvez não merecessem destaque.

Mas ainda bem que isso aconteceu connosco, pois talvez só assim despertemos para o que realmente está a acontecer na Europa, e compreendamos que a «guerra fria» já é uma realidade pelo menos desde o segundo mandato presidencial de Vladimir Putin na Rússia (2004-2008). Desde então ficou claro que Moscovo iria passar das palavras aos actos para manter o seu poder de influência no chamado «estrangeiro próximo», ou seja, no antigo espaço soviético.

Quando da guerra entre a Rússia e a Geórgia (2008), esta perdeu parte significativa do seu território, mas a União Europeia não fez mais do que se apressar a congelar o problema, segundo o princípio: o fundamental é pôr fim aos combates e depois veremos o resto. Nicolas Sarkozy, então presidente de França, veio a Moscovo para acordar o cessar de fogo e estava com tanta pressa que se esqueceu de definir para onde iriam os observadores da OCSE. O Kremlin decidiu que eles só poderiam estar do lado georgiano da fronteira, Bruxelas protestou um pouco e calou-se.

Talvez os dirigentes da NATO e da UE tenham decidido que Vladimir Putin se ficaria por aí, mas enganaram-se. O dirigente russo, aproveitando-se de uma crise interna na Ucrânia, ocupou silenciosamente a Crimeia, justificando-se com o antecedente do Kosovo, o que não corresponde à verdade. O antecedente seria equivalente se a Crimeia passasse a ser formalmente independente como o Kosovo, mas o Kremlin deixou-se de cerimónias e simplesmente transformou esse território em mais uma república sua.


Logo a seguir ateou o fogo do separatismo no Leste da Ucrânia e a explicação também foi encontrada: se os EUA têm direito, porque é que nós não temos? Mas os dirigentes do Kremlin continuam a falar de respeito pelo direito internacional com uma superioridade tal como se fossem anjinhos. E aqui a história volta a repetir-se: quando os EUA enviavam tropas para algum território, isso significava invasão. A União Soviética fazia exactamente o mesmo mas chamava-lhe «internacionalismo proletário». Hoje, o Kremlin encontrou outra fórmula: «defesa do mundo russo», ou, como afirmou recentemente Vladimir Putin, «o urso não vai pedir autorização a ninguém» na defesa da sua taiga. É verdade que o dirigente russo prometeu que esse animal «não tenciona ir para outras zonas climatéricas», mas a Ucrânia já não é propriamente taiga.

E se alguém tem dúvidas das intenções do presidente Russo preste atenção ao facto de 25% do Orçamento de Estado da Rússia ir para «fins secretos», ou seja, despesas militares. Aliás, o Kremlin não faz muita questão de esconder que está a gastar enormes meios financeiros para modernizar as suas forças armadas.

Os países da NATO, até há bem pouco tempo, decidiram relaxar-se e poupar nos orçamentos militares talvez considerando que as boas relações com a Rússia se iriam prolongar eternamente e, agora, irão ter de fazer esforços que países como Portugal e outros não conseguirão fazer.

Além disso, e isto parece-me ser o mais importante, a UE e a NATO parecem não saber como travar a expansão russa no antigo espaço soviético, criando esse desconhecimento um clima de insegurança nas populações dos países que são vizinhos da Rússia. Se falarem com estónios, por exemplo, verão que a maioria está convencida de que o Kremlin irá criar problemas nos países do Báltico sem que a UE ou a NATO venham em sua defesa. Eles foram abandonados aos caprichos de Hitler e Estaline e a história, como é sabido, tende a repetir-se.

Posso estar a exagerar? Talvez, mas dentro em breve terá lugar ou não um acontecimento que responderá a essa pergunta. Dmitri Rogozin, vice-primeiro-ministro russo encarregado do sector militar-industrial, anunciou que a França irá entregar o primeiro porta-helicópteros «Mistral» ao seu país e começar a construir o segundo a 14 de Novembro. Paris diz não existirem condições para isso.

Vamos ver em que vai acabar este braço de ferro e o que vale a solidariedade europeia.





quarta-feira, 5 de novembro de 2014


Companhia de teatro (espanhola) distribui

pornografia para fugir ao IVA


Companhia passou a vender revistas pornográficas, que servem como bilhete para as peças, mas têm IVA de 4%.


A companhia de teatro espanhola Primas de Riesgo vai transformar-se numa distribuidora pornográfica para «fugir» aos impostos. A companhia vai vender revistas pornográficas, em vez de bilhetes para as peças. Assim, as suas vendas passam a estar sujeitas à taxa de IVA de 4% das revistas pornográficas, por oposição à taxa de 21% aplicada aos bilhetes para o teatro.

«Quando vimos que as revistas porno tinham um IVA muito baixo, pareceu-nos cómico e paradoxal», explicou ao jornal espanhol Publico a directora da companhia de teatro, Karina Garantiva. «Quisemos iniciar esta campanha porque nos pareceu uma boa maneira de transmitir à sociedade o debate sobre o IVA da cultura.»

De acordo com a directora da companhia, trata-se de uma adaptação «à proposta que faz o governo». As primeiras revistas, que funcionam como bilhetes para a peça, podem ser adquiridas no site da companhia, por telefone, ou num quiosque de Madrid, e estão limitadas a 300 pessoas, para experimentar o método.

«Não é só um intercâmbio comercial», continua Garantiva. «Essas pessoas vão ter de identificar-se e assinar um documento em que dizem que estão a realizar um donativo para uma campanha. Os resultados vão ser usados em estudos sociológicos para determinar como é possível que numa sociedade como a espanhola do século XXI, uma revista porno tenha um IVA mais reduzido do que uma peça de Calderón

Segundo o jornal espanhol, as revistas-bilhete podem ser adquiridas já a partir de hoje, para a peça El mágico prodigioso, de Calderón de la Barca, que estreia dia 25 de Novembro em Madrid.