Pedro Santos
Guerreiro, Jornal de Negócios
Pedro Passos Coelho
já fala como a sua nova eminência parda, António Borges. No Parlamento,
criticou «a economia protegida, que protegeu alguns grupos económicos e
que não democratizou o acesso à economia». Lindo. E agora, o que fará?
Enfrentar uma vaia em Gouveia é nada ao pé desses silenciosos lóbis. É mais
fácil não ter medo do povo que do polvo.
As declarações de
Passos Coelho são acertadas: «más leis laborais», «mau
financiamento público» e «economia protegida» alongaram-nos num
estertor de uma década. Mesmo com abundância de liquidez e de crédito, a
economia não cresceu - cresceram as margens de lucro de alguns grupos, muitos
deles protegidos. Agora que o Governo já tratou das leis laborais e os mercados
trataram do mau (e do bom) financiamento público, falta abrir os aloquetes dos
cintos de castidade aos protegidos.
Quando se fala em
sectores protegidos e «rendas monopolistas» toda a gente pensa na EDP
(como antes se pensava na PT). Toda a gente e a «troika», que trouxe
o assunto na algibeira na actual visita. Mas o Governo, que antes bramia
vigorosamente contra a empresa, besuntou-se na sua privatização e já fez uma
nova proposta para amortizar o défice tarifário que protege os subsídios às
eólicas e os contratos de longo prazo da EDP, e agrava em até 15% os subsídios
às indústrias na cogeração. Traduzindo: o lóbi da EDP vence o da Galp (e o dos
cimentos, pasta e papel e têxteis). O que pensa Pedro Passos Coelho disso?
Mas há mais, muito
mais do que a energia nesse imenso sector de empresas que são ou foram beneficiados
por contratos protegidos das volatilidades dos mercados e da concorrência. Há
construtoras como a Mota-Engil, as concessionárias de auto-estradas como a
Brisa, muitas criminosas parcerias público-privadas, SCUT e outras minas e
armadilhas. Há falta de concorrência entre produtores e as grandes
distribuidoras, como a Sonae e a Jerónimo Martins. Mesmo na banca, depois das
desgraças agora visíveis nos créditos concedidos sobretudo no BCP e na Caixa, é
preciso garantir que o novo crédito, se o houver, não tenha como destino solver
as tesourarias dos mais influentes, mas sim salvar uma economia que está a
ficar seca como um bacalhau ao sol.
Falta falar dos
interesses protegidos no Estado. Incluindo as empresas públicas, precisamente
aquelas que estão a drenar o crédito. No sábado, o «Público» mostrava: mais derrapagens em 2011 e incapacidade de cortar custos em 15%, como
exigido. É escandaloso que nove meses depois de se lhes ter encostado a faca à
garganta, haja empresas de transportes a correr atrás da cauda, fazendo muito
pó sem sair do sítio. O que prova que elas só apresentarão planos de saneamento
financeiro no último suspiro; e que têm cobertura política dos seus ministérios
sectoriais (como a Economia) em desafio às Finanças. A derrapagem no sector dos
transportes é maior que os salários que a função pública perde. É preciso dizer
mais?
A criação do
Conselho de Finanças Públicas e a aprovação da lei dos compromissos orçamentais
promete acabar com esta forma de desprezo que se colectiviza, mas serão
tentativas ridículas se não houver força política. É por isso que o
primeiro-ministro tem de ler as suas próprias palavras, e as de António Borges,
e ser conclusivo, afrontar, concretizar, chutar à baliza. Facilitar o
despedimento não muda a economia, é preciso também tirar os empresários
protegidos das "zonas de conforto" que solenemente patrocinámos.
Portugal está cheio de boas empresas, grandes e pequenas, que querem competir
em igualdade de circunstâncias. São essas, aliás, que andam a exportar deixando
valor em Portugal. E que, querendo prosperar, poderão salvar o País da maior
ameaça: a espiral negativa. E isso será muito pior que qualquer vaia.