sábado, 8 de dezembro de 2012

Protesto junto da Rádio Renascença

João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador BI 2171021

Ex.mos Senhores,
Venho protestar relativamente a dois locutores (um locutor e outra locutora, que não consegui identificar) que, no passado dia 4/12/12, na RFM, pelas 19:15, a propósito de nada, faziam chalaça barata, a propósito da intercepção de uma avioneta por parte de dois F-16, dois dias atrás.
Não me cabe a mim – embora o possa fazer – dar esclarecimentos sobre este caso, mas é lamentável como dois profissionais da comunicação social se permitem «gozar» com uma instituição séria e com militares que cumpriram diligente e competentemente a missão de que foram incumbidos.
É lamentável que tenhamos transformado grande parte da população em «treinadores de bancada»; em que todo o cidadão sinta a compulsão de opinar sobre tudo – mesmo do que não sabe – e haja tantos jornalistas que a coberto de uma liberdade de expressão – que devem entender não ter regras – se expressam sem qualquer contenção ou senso.
Cumprimentos.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Não são os portugueses
que têm de escrever e falar «brasileiro».


Este (des)acordo não pode nem deve ser implementado,

A BEM DA «LÍNGUA DE CAMÕES».

Já não é só o Centro Cultural de Belém, instituição de direito privado, sem tutela pública. Ou Serralves. Ou a Casa da Música. Já não são só a generalidade dos jornais que o ignoram: Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Público, i, Diário Económico e Jornal de Negócios, além da revista Sábado.
 
Já não só os angolanos que se demarcam, ou os moçambicanos. Ou até os macaenses. Sem excluir os próprios brasileiros.
 
Por cá também já se perdeu de vez o respeitinho pelo Acordo Ortográfico. Todos os dias surge a confirmação de que não existe o consenso social mínimo em torno deste assunto.
 
São os principais colunistas e opinadores da imprensa portuguesa. Pessoas como Anselmo Borges, António-Pedro Vasconcelos, Baptista-Bastos, Frei Bento Domingues, Eduardo Dâmaso, Helena Garrido, Inês Pedrosa, Jaime Nogueira Pinto, João Miguel Tavares, João Paulo Guerra, João Pereira Coutinho, Joel Neto, José Cutileiro, José Pacheco Pereira, Luís Filipe Borges, Manuel António Pina, Manuel S. Fonseca, Maria Filomena Mónica, Miguel Esteves Cardoso, Miguel Sousa Tavares, Nuno Rogeiro, Pedro Lomba, Pedro Mexia, Pedro Santos Guerreiro, Ricardo Araújo Pereira, Vasco Pulido Valente e Vicente Jorge Silva.
 
É o ex-líder socialista, Francisco Assis, que se pronuncia sem complexos contra este «notório empobrecimento da língua portuguesa».
 
É o encenador Ricardo Pais, sem papas na língua.
 
É José Gil, um dos mais prestigiados pensadores portugueses, a classificá-lo, com toda a propriedade, de «néscio e grosseiro».
 
É a Faculdade de Letras de Lisboa que recusa igualmente impor o acordo. Que só gera desacordo.Um acordo que pretende fixar norma contra a etimologia, ao contrário do que sucede com a esmagadora maioria das línguas cultas.
 
Um acordo que pretende unificar a ortografia, tornando-a afinal ainda mais díspar e confusa. Um acordo que pretende congregar mas que só divide. Um acordo que está condenado a tornar-se letra morta, no todo ou em parte. Depende apenas de cada um de nós.
 
Passe para todos os seus contactos
 
É preciso evitarmos ser destruídos por intelectualóides ignorantes e arrogantes que procuram a celebridade com palhaçadas à custa daquilo que Portugal tem de melhor. E os políticos com medo de os chamarem ignorantes (que são) alinham com qualquer fantasia que seja apresentada com ares de inteligência. COITADOS!!!
 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Não martelem os dados!

Santana Castilho

Escrevo este artigo na manhã de terça-feira, 20 de Novembro. À tarde haverá uma conferência de imprensa para divulgar os resultados a que chegou o grupo de trabalho, constituído no fim de 2011, ao qual foi pedido que apurasse o custo do ensino público por aluno e por ano de escolaridade. Tenho o documento à minha frente e, embora o artigo que ora escrevo só saia amanhã, respeito o compromisso que assumi de nada referir antes da respectiva apresentação pública. Posso, todavia, relembrar factos para a tinta que vai correr.
 
A Assembleia da República, que aprova o Orçamento de Estado, por natureza o documento onde são detalhadas todas as despesas da Administração Pública, e tem comissões especializadas permanentes, entre elas uma de Orçamento, Finanças e Administração Pública e outra de Educação, Ciência e Cultura, pediu ao Tribunal de Contas (Resolução 95/2011, de 6 de Abril) que apurasse o custo médio por aluno do sistema de ensino. Precisava de o ter feito? Desconhecia os dados? Não! Visava um efeito político. Recorde-se que a iniciativa pertenceu ao PSD, após o corte ao financiamento dos colégios privados com contratos de associação, decidido pelo anterior executivo socialista. Com efeito, a Portaria nº 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, fixou o valor do financiamento em 80 080 euros por turma, quando antes andava por volta dos 114 000, porque, afirmou a ministra Isabel Alçada no parlamento, o custo médio por aluno do ensino público se cifrava nos 3 735 euros. Logo após a posse do actual Governo, Nuno Crato, generoso e à revelia rara da receita da troika, aumentou o financiamento para 85 288 euros por turma. E, embora pendesse o trabalho encomendado ao Tribunal de Contas, foi incumbido um novo grupo de «efectuar os estudos necessários para o apuramento do custo real dos alunos do ensino público por ano de escolaridade, tendo em vista a alteração do modelo de financiamento público aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo em regime de contrato de associação» (sublinhado meu). Mais claro, só amanhã! Mas a conversa promete. Várias fontes já a iniciaram, incensando os cálculos do Tribunal de Contas que, preto no branco, diz o próprio tribunal, não têm validade, por datados (os sucessivos pacotes de austeridade derrogaram-nos, sem apelo nem agravo). Corrijo. Há quem apele e com agravo.
 
José Manuel Fernandes, citando o estudo e mais tribunício que o próprio tribunal, disse que a recomendável privatização da Educação é agora imperiosa. Falou de monopólio por parte do Estado, ignorando que Portugal ocupa os lugares cimeiros das tabelas que medem a presença do ensino privado nos sistemas nacionais de ensino. Cita a Holanda como exemplo, mas não esclarece os indígenas que no modelo holandês o Estado não permite que as escolas geridas por privados tenham lucro. Perguntava e respondia em artigo deste jornal, de nove deste mês: «Por onde é que se começam a cortar quatro mil milhões? Talvez por onde o Estado é ineficiente, como no quase monopólio da Educação». Criticando Marcelo Rebelo de Sousa, que usou o vocábulo «vazio» para adjectivar a proposta de Passos Coelho sobre a redefinição das funções do Estado, convidava-nos a trocar «umas ideias mais sérias e menos vazias sobre o assunto». Mas cingiu-se, afinal, a insinuar a necessidade de privatizar a Educação, usando argumentos financeiros e estatísticos imprecisos ou datados. Com efeito, disse que entre 2009 e 2011 o sistema público de ensino perdeu 100 mil alunos no ensino básico, outros 100 mil no secundário regular e ganhou 8 500 no superior. Tudo para afirmar que o custo por aluno aumentou. Mas as estatísticas oficiais (GEPE/ME e GPEARI/MCTES, citados por PORDATA) mostram que se perderam 52 884 alunos no básico e não 100 mil, 34 640 no secundário e não 100 mil e se ganharam 25 540 no superior e não 8 500. O número total de alunos do sistema público de ensino, considerando a educação pré-escolar e os cursos de especialização tecnológica, que José Manuel Fernandes ignora, era 1 902 774 em 2009 e 1 844 317 em 2011. O que dá uma perda de 58 457 alunos e não os 191 500 sugeridos.
 
Repensar as funções do Estado sob a «chantagem» de reduzir 4 mil milhões de euros é a pior forma de o fazer. Mas, acima de tudo, não martelem os dados. Trocar umas ideias sérias sobre o assunto é uma boa proposta. Adianto algumas: nos termos da Constituição, o serviço público de ensino é obrigação do Estado; nos termos da Constituição, os portugueses têm a liberdade privada de criar escolas privadas; dinheiros públicos não devem pagar serviços privados de Educação senão quando o Estado não estiver em condições de os prover, termos em que urge garantir que não se financiam escolas privadas sempre que existam escolas públicas para acolher os alunos. Como recomendou a troika e o Tribunal de Contas.
 

Qual é o preço da dignidade humana?

Cardeal Odilo Pedro Scherer Arcebispo de São Paulo, Brasil

Eu teria preferido escrever sobre outro assunto esta semana, mas o leilão da virgindade de uma jovem brasileira, amplamente divulgado pela imprensa, requer uma reflexão. É um facto chocante e, ao mesmo tempo, parece tão banal que só chamou a atenção porque o leilão aconteceu de maneira aberta, pela internet, e porque o valor da licitação foi alto. (...)
 
Afinal, o que está acontecendo? As pessoas colocam livremente a sua própria dignidade em leilão em troca de dinheiro? O facto foi acompanhado com curiosidade mórbida e até com claque, para ver até onde a oferta chegaria. Chocar, porquê? Nas calçadas de certas ruas da cidade e em tantas «casas de amor», não acontece o mesmo todos os dias, sem que isso chame a atenção, ou cause consternação em ninguém? Há mesmo quem queira legalizar a prostituição, como se fosse uma profissão. Tudo se resolve ao nível económico, como traficar pessoas, reduzi-las a escravas, vender bebés, comercializar órgãos humanos...
 
Há quem compre e venda votos nas eleições, comprando e vendendo a própria dignidade; suborne a justiça, pondo em liquidação a própria consciência; compre armas, para usar contra os outros, faça violência, mate, tudo pela vantagem económica. Há quem trafique drogas, lucrando com o comércio da morte; e quem vai roubando o que é dos outros ou de todos: tudo pela vantagem económica que está em jogo...
 
Grande novidade nisto tudo não há; coisas que sempre aconteceram. O novo é que, sem nos darmos conta, estamos a assimilar uma cultura do mercado, na qual o factor económico passou a ser o maior referencial: de uma cultura de valores éticos e morais, para uma cultura de valor económico; o bem maior parece ser a vantagem económica, que tudo permite e legitima, amolecendo qualquer resistência do senso moral. Tudo fica justificado se há vantagem económica. Onde vamos parar?
 
Está na hora de colocar tudo isto em discussão novamente; será que essa tendência cultural vai levar a um aprimoramento das relações humanas? A uma dignidade maior no convívio social? A uma valorização real das pessoas, ao respeito pela justiça e a paz? Provavelmente não. Certamente não. O ser humano, avaliado sobretudo na óptica da razão económica, deixa de ser pessoa e torna-se objecto quantificável.
 
Nisto também não há grande novidade; no passado houve a exploração dos escravos, dos operários, das mulheres. Mas, sob protesto. O preocupante, agora, é que essa maneira de ver e fazer, passe por aceitável e normal e a própria pessoa «objectivada», outrora considerada vítima, agora seja vista como um sujeito autónomo e livre, que faz o que quer, com a sua dignidade; e tudo vai bem assim...
 
Voltaremos às feiras em que se vendem escravos? Livremente expostos à venda, aliás, ao leilão? O leilão da virgindade, por internet, é um facto que deve preocupar educadores, juristas, filósofos... Da curiosidade mórbida, é preciso passar à reflexão, talvez com um pouco mais de vergonha diante do que está acontecendo. A nossa dignidade comum está sendo leiloada! É deprimente!

Protecção de quem?

Vasco Graça Moura
 
Toda a gente viu, nos serviços noticiosos de televisão, a horda ululante e desvairada que ao fim da tarde de 14 de Novembro atacou as forças da polícia em frente a São Bento.
 
A arruaça promovida por essa associação de malfeitores ao longo de mais de uma hora, insultando e agredindo as forças da ordem, praticando danos avultados em bens públicos, causando um tumulto inaceitável e agindo com violência incendiária e criminosa só impunha um tipo de actuação por parte da polícia: varrer aquela canalha selvática desde a primeira agressão e sem quaisquer contemplações.

A PSP optou por esperar pacientemente, talvez tempo demais, sujeitando-se a toda a espécie de vexames até lhe ser mandado que impusesse o respeito da ordem pública. E então agiu e agiu bem, embora pudesse ter agido muito melhor se tivesse ali por perto um carro da água para limpar à mangueirada, depressa e eficazmente, a escadaria do Parlamento e adjacências.

Em qualquer país civilizado, a reacção policial teria sido bem mais dura e expeditiva.

Tratou-se de uma perturbação intencional e muito violenta da ordem pública, da integridade e da segurança de pessoas e bens, levada a cabo no espaço público e à vista de toda a gente por um grupo de facínoras sem escrúpulos.

Essa perturbação foi filmada por operadores de televisão, sem nenhum condicionamento que não fosse a própria natureza tumultuária do que estava a acontecer. Isto é, não há aqui nenhuma espécie de segredo profissional nem parece que a cobertura pela imagem de um facto, criminoso ou não, ocorrido no espaço público, implique a protecção de qualquer espécie de sigilo profissional dos jornalistas intervenientes.

No caso, eles não precisaram de se documentar em fontes mais ou menos discretas. Os factos de agressão e distúrbio a que me refiro não são fontes a cuja protecção sigilosa os jornalistas tenham direito.

As fontes são as fontes. Os factos são os factos. O serviço público precisamente está em documentá-los e, tratando-se de crimes, em ser dada a necessária colaboração por quem dispõe desses documentos às autoridades públicas competentes para identificação dos agressores.

Nem se vê que colha a distinção entre imagens editadas ou não editadas. Se não fosse assim, e quando, por hipótese, um determinado jornalista pretendesse favorecer um bando de criminosos, bastar-lhe-ia editar convenientemente as imagens, suprimindo delas tudo o que permitisse identificá-los e pretextar o sigilo profissional para se escusar a mostrá-las.

É pelo menos bizarro o entendimento da Comissão Nacional de Protecção de Dados, nos casos a que se refere o DN de 24 de Novembro (incidentes de rua a 21 e 29 de Setembro, o primeiro, aquando da reunião do Conselho de Estado, e o segundo, na manifestação da CGTP), refugiando-se em qualificações e objecções ociosas e especiosas que só podem redundar na protecção dos infractores e do crime.

Não é para isso, estou em crer, que a referida comissão existe.

Compreende-se que Miguel Macedo pretenda garantir o acesso da PSP a imagens não editadas, sem margem para quaisquer dúvidas jurídicas. Os formalismos, malabarismos e manobrismos proporcionados por um Direito inconsistente que foi sendo constituído em nome do politicamente correcto e de todas as escapatórias possíveis à assunção de quaisquer responsabilidades sérias levam o ministro da Administração Interna a sentir como necessária a emissão de parecer por parte do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

É todavia um excesso de escrúpulo da sua parte. O DN também noticia, a par da opinião que vai no sentido dessa legitimidade, uma outra, segundo a qual «tal procedimento poderá configurar violação do sigilo profissional dos jornalistas».

Naquele «poderá» é que está o centro de gravidade da argumentação capciosa, muito especialmente em se tratando de acesso a imagens colhidas no espaço público, e sem que houvesse ou haja qualquer fonte a proteger... Vive-se um tempo de crise da autoridade e de insegurança crescente.

Há muitos aspectos em que a Justiça em Portugal tem sido uma vergonha.

Bom seria que, pelo menos nalguns, como neste caso, deixasse de o ser rapidamente.
 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Será que a «descolonização» chegou à Europa?


João J. Brandão Ferreira

Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, a URSS implodiu e, num curto espaço de tempo, teve que dar a independência (apesar de, nalguns casos, a mesma ser mais formal do que real) a várias «Repúblicas» do seu vasto império, agregadas a ferro e fogo, à medida que os eslavos russos foram cavalgando as estepes.
Durante muitas décadas o governo soviético andou a espalhar guerras pelo mundo, que apelidou de «libertação» na mira e em nome do «internacionalismo proletário» e na lógica da «Guerra Fria». Ao mesmo tempo que mantinha a sua bota imperialista sobre a Europa Oriental.
Nunca lhe ocorreu questionar – nem a muitos outros, nomeadamente os que atacavam Portugal – se o que faziam aos povos contíguos, não seria colonialismo, ou até pior!
Será que foi por eles terem ido a cavalo e os europeus de navio?
Livres dos russos e com o comunismo desacreditado logo rebentaram os nacionalismos na Jugoslávia. Esquecidos os europeus que os Balcãs são a região mais fracturada e fracturante do velho continente, logo as principais potências ajudaram ao desmembramento daquele país, sendo os objectivos díspares.
Nesta acção destacou-se a Alemanha que espoletou, verdadeiramente, a guerra por aquelas paragens ao reconhecer a Eslovénia, sem ter dado cavaco à UE e à NATO.
Os EUA escavacaram o resto sem querer saber das consequências para os europeus, muito menos para as populações da área.
Voltaram a arranjar um inimigo para a NATO – que estava num impasse sem saber que uso dar aos meios de que dispunha – e inventaram um Kosovo independente à revelia de qualquer senso político. Afinal aquilo é o «quintal das traseiras» da Europa, eles que se desengomem!...
A Espanha, na previsão do contágio que semelhante exemplo podia ter no mal-amanhado (mas muito democrático) xadrez autonómico, que engendraram, logo se apressou a não reconhecer tal independência.
A época pós Tejero Molina abandalhou muito a Espanha mas, em Madrid, ainda há quem se lembre que foi capital dos Habsburgo
O exemplo frutificou: a seguir veio a Checoslováquia que se separou pacificamente pois não tinha razões para ser de outro modo, dado as duas partes serem homogéneas e equivalentes e estarem coladas com cuspo.
E começaram a afirmar-se nacionalismos na Escócia, Córsega, Norte de Itália e os já clássicos País Basco e Irlanda do Norte. Outros espreitam.
Isto claro, para já não falar na Bélgica que é um país artificial, que esteve, há pouco, mais de um ano sem governo e que, aparentemente, só se aguenta por ter no seu solo as sedes da NATO e da UE…
Reveja-se a evolução do mapa político europeu ao longo dos últimos mil anos e verão que a única fronteira que não mexe é a portuguesa, desde 1297, salvo os 741 km2 referentes a Olivença e seu termo, ilegalmente ocupadas por Espanha, desde 1807, seguramente, desde 1815. Coisa de somenos, certamente, já que não incomoda as almas lusas, à excepção de meia dúzia de «patriotas», termo que virou dos mais infamantes…
Mas até do outro lado do Atlântico pode vir a haver problemas.
Os norte-americanos depois de terem atravessado rapidamente o continente até ao Pacífico, chacinando os bisontes e os índios, fizeram um novo país, metendo os indígenas sobreviventes em reservas e conservando a mão-de-obra escrava vinda de África.
Quando se viram livres dos «Casacas Vermelhas» e retiveram os impostos só para si, decidiram que também não queriam mais soberanias europeias no «seu» continente e vá de ajudar a correr com eles.
Depois pensaram que aquelas terras por onde tinham colonizado portugueses e espanhóis, faziam jeito e logo promoveram a política da canhoneira, à mistura com a doutrina isolacionista de Monroe, de 1828. O ponto crucial desta estratégia ocorreu em 1898, com a guerra miserável que fizeram à Espanha, em Cuba e …… nas Filipinas.
O resto também é conhecido.
Na segunda metade do século XIX as coisas correram de tal modo mal, que degeneraram em guerra civil entre 1861–1865, entre o Norte industrializado e o Sul rural, que se queria separar da União e cuja fricção maior se deveu à emancipação dos escravos.
Esta guerra deixou marcas até hoje, que foram sendo esbatidas pelo tempo e pelo estatuto de superpotência entretanto conquistado.
Mas eis que, actualmente, os problemas económicos, financeiros e políticos são de tal monta, que estão a abrir brechas no todo, com petições a correrem em muitos estados contra o governo federal, algumas pedindo a independência.
A ficção pode sempre tornar-se realidade e, como diz o povo, cá se fazem cá se pagam…
*****
Vem tudo isto a propósito do que se vem passando na Catalunha.
A Catalunha pertenceu ao antigo Reino de Aragão, que foi uma média potência no século XV, e que se uniu a Castela através do casamento dos respectivos monarcas, Fernando e Isabel, em 1469. De seguida aqueles que viriam a ter o título de «Reis Católicos», juntaram forças para a conquista do Reino de Granada, formando-se deste modo a actual Espanha, em 1492.
E assim se tem mantido apesar da grande revolta entre 1640 e 1652, revolta esta que permitiu aos portugueses sacudirem o jugo Filipino e voltar a terem uma dinastia nacional, a partir do 1.º dia de Dezembro de 1640 – data que o actual governo, parceiros sociais e PR querem, estupidamente, anular da lista dos feriados nacionais, quiçá da memória colectiva.
As feridas voltaram a abrir-se durante a Guerra Civil de Espanha (1936-1939), entretanto suturadas à força, pela Falange de Franco, mas não saradas.[1]
Os fantasmas da independência voltaram a surgir nos últimos anos e a crise financeira só os agudizou.
Vai ser um problema bicudo que os povos da Espanha vão ter que resolver, de preferência sem derramamento de sangue.
Sendo um problema interno espanhol, o mesmo pode internacionalizar-se num ápice, como acontece quando qualquer problema possa ferir interesses de outras potências, independentemente dos «belos» princípios do Direito Internacional, entretanto proclamados ao ímpeto dos «ventos da História», sempre soprados por quem goza do poder real, à época.
O que fere os sentidos, no caso vertente, é a impudicícia e o tom leviano e displicente como é tratado pela comunicação social e nos meios políticos, um tema dos mais relevantes, como é o caso da soberania das nações.
Dito de outro modo, discute-se, na praça pública, temas fundamentais da nossa existência como se estivéssemos a combinar uma ida ao cinema…
Outra coisa que impressiona é ver que a maioria da argumentação pró e contra a independência ter a ver com a solução política que garanta um melhor nível de bens materiais.
Então uma Nação e uma Pátria esgotam-se nisso? Tudo se resume a uma página de um (mau) contabilista, do «deve e do haver»? E se a situação reverter, muda-se outra vez de camisola?
Tem sido baseado nisto, aliás, que muitas parvoíces têm sido ditas e feitas, entre nós, sobretudo relativamente à «Região Autónoma da Madeira», e à argumentação idiota de muitos compatriotas, ao exalarem da boca para fora que «não se importarem de serem espanhóis, pois lá vive-se melhor».
Já se esqueceram, certamente, que nos anos 40 e 50 do século XX, os «Manolos» andavam de alpergatas e com um cordel a fazer de cinto, e que o escudo valia duas pesetas até perto de 1974… Já deviam ter aprendido que os «fumos da Índia» são efémeros!
De facto as sociedades andam profundamente doentes e desequilibradas.
Substituir Cristo na Cruz, pelo cifrão da Wall Street, dá nisto. Como já tinha dado o deserto frio e árido do «Materialismo Dialético», e como continua a dar a tentativa de substituir todos os Deuses pelo «Supremo Arquiteto»…
Não estando em causa o princípio da «Autodeterminação dos Povos» (que, recorda-se, nenhum governo português, até hoje, pôs em causa) não se pode, também, negar à restante Espanha o direito de se opor aos desígnios catalães.
A situação está longe de ser simples e pacífica, e para qualquer lado para onde nos viremos só se vislumbra um enormíssimo «saco de gatos».
Em primeiro lugar a Espanha corre o risco de se partir toda, o que não é nada despiciendo de considerar. Depois temos que a Constituição Espanhola, naturalmente, proíbe separatismos. O Rei e os militares juraram a Constituição (presume-se que as cabeças dos restantes órgãos de soberania, idem).
O Rei «comanda» os militares (não é bem como cá); apesar de ser uma história (ainda) mal contada, foi Juan Carlos quem meteu os blindados de Milan del Bosch de novo nos quarteis.
É claro, que nos tempos que correm, já quase ninguém arrisca morrer por causas, mas estas coisas vão e voltam. Fiquemos por aqui.
Internacionalmente é igualmente complicada a situação. Em primeiro lugar a nível da NATO e da UE. A confusão seria mais que muita e, certamente, que a Espanha vetaria a entrada da «nova» Catalunha, nestas organizações.
A UE, por seu lado, tem muitas responsabilidades neste estado de coisas, por via do esbatimento de fronteiras, da tentativa de amalgamento das gentes, da «Europa das Regiões», das negociações directas com Bruxelas, etc.. A partir do Tratado de Maastricht e do «Euro», o «Politburo» europeu lançou os países aderentes num movimento uniformemente acelerado rumo ao desastre e á implosão!
E até pode acontecer que a Catalunha se transforme numa espécie de Covadonga ao contrário, isto é, local de início da reconquista muçulmana do «Al Andaluz».
De facto a Catalunha tem a 3.ª maior percentagem de emigrantes muçulmanos da Europa, depois da França e da Bélgica. E tem localidades onde essa percentagem sobe aos 40%. São já cerca de 450 000, ou seja 6% do total. E a maioria deles pertence ao ramo fundamentalista «Salafita» que defende essa reconquista, e apoia a independência…
Numa perspectiva mais alargada, convém lembrarmo-nos que o antigo Reino de Aragão não se confinava à Península Ibérica, entrava pelo sul de França (Aquitânia e Midi Pirenéus). Ora não estamos a ver a França, que já tem o problema do País Basco e da Córsega, teve três guerras com a Alemanha, com a questão da Alsácia Lorena sempre presente e tem outras potenciais zonas de fractura, a olhar para uma eventual independência da Catalunha de ânimo leve.
Do Reino de Aragão fizeram parte ainda as Baleares e a Comunidade Valenciana, hoje regiões autónomas (são 19…). Estas manter-se-ão assim ou quererão integrar um novo país?
Já agora, os antigos Reinos de Nápoles e das Duas Sicílias também foram Aragão durante muito tempo. Ficarão imunes? Aqui a questão será mais pacífica, mas o Estado Italiano, em pré bancarrota e com potenciais acções de secessão nas fronteiras do Norte, ficará tranquilo?
Quem aparenta estar tranquilo é o Estado Português, «no passa nada»!
Só tem olhos, ouvidos e narizes para a «Troika». Anda de trela curta.
A esmagadora maioria da população tem dificuldade em se aperceber o que se passa, habituada (e anestesiada) que está a espreitar a «casa dos segredos» e empenhada nos eventos futebolísticos, que de nacional já quase não têm nada a não ser as dívidas.
Começou agora a vir para a rua, em desespero, gritar que lhe estão a ir ao bolso, depois de três décadas em que lhes calaram a consciência com «subsídios» emprestados, férias e eletrodomésticos a cartão de plástico e muita demagogia, a troco de votos…
O Governo continua, alegremente, a desmantelar os pilares da Soberania, sobretudo o mais importante de todos que é a Instituição Militar (parou um pouco nas polícias pois tem as barbas a arder).
E o Senhor Ministro para a tropa, perdão, da Defesa, anda empolgado em fazer acordos de defesa com a Espanha (com ou sem a Catalunha?)…
Para além dos problemas económicos que daí advirão, existem dois grandes perigos para o nosso país resultantes de um conflito na Catalunha: evitar que os «cacos» venham parar ao lado de cá da fronteira (recorde-se novamente a Guerra Civil de Espanha); e precaver-nos contra uma eventual tentativa de cobrança compensatória, relativamente a Portugal, como já aconteceu noutras crises do passado – Olivença também foi vítima disso – nomeadamente na sequela da Guerra de 1898, já citada.
A questão do contágio do exemplo para o nosso país não parece crível – apesar de tudo, a atitude do Dr. Jardim e dos seus sequazes, não passa de uma chantagem barata e de mau gosto, mesmo assim, inadmissível.
Portugal é o Estado–Nação mais coeso e perfeito, em todo o mundo e sempre exportou o seu modo de ser para todo o mundo onde arribou e só se foi desintegrando por acções externas.
Mas, cuidados e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
O Mundo foi sempre um local perigoso.
E tem dias piores.
 [1] Outros marcos que merecem referência são a perda completa da autonomia da Catalunha, em 1714, na sequência da Guerra da Sucessão de Espanha e o renascimento moderno da autonomia política, no final do século XIX através do «Movimento Renaixença», onde pontificou Francesc Cambó.

Parlamento europeu em sessão. Verdadeiramente vergonhoso…