sábado, 6 de setembro de 2014


De Danzig até Donetsk


Manifesto dos intelectuais polacos

Todos os que não disserem «no pasarán» a Putin colocarão a União Europeia e os seus valores assumidos numa posição equivalente a cair no ridículo e consentirão a destruição da ordem internacional

Porquê morrer por Danzig? – Esta frase tornou-se um símbolo da atitude da Europa Ocidental na guerra que começou há 75 anos. As políticas, francesas e britânicas, de apaziguamento incentivaram o ditador nazi a invadir a Áustria, a ocupar os Sudetas e, por fim, a esmagar a Checoslováquia sem graves consequências para Hitler e para o Terceiro Reich. Mesmo quando o som das balas ressoou pela cidade livre de Danzig, a 1 de Setembro de 1939 e após o pacto germano-soviético ter sido assinado, os poderes ocidentais reuniram apenas coragem suficiente para embarcar numa espécie de guerra falsa, a fingir. A convicção deles de que seria possível salvar a sua própria pele fechando os olhos à destruição de Danzig levou Hitler ao seu acto de agressão seguinte. Seguiu-se a captura de Varsóvia, depois a de outra capital europeia, Paris, e pouco tempo passado os nazis começaram a bombardear Londres. Só então os Aliados gritaram em voz alta: «Isto tem de parar! Vamos ganhar esta guerra de uma vez por todas!»

A Europa Ocidental nunca mais deve voltar a abraçar tais políticas, egoístas e de curto prazo, em relação a um agressor. Infelizmente, os desenvolvimentos actuais e a subida de tensão na Ucrânia trazem-nos à memória a situação de 1939. Um estado agressivo – a Rússia – invade a Crimeia, uma parte do território do seu vizinho mais pequeno. O exército e os serviços especiais do presidente Putin operam no leste da Ucrânia, muitas vezes de forma dissimulada, dando o seu apoio a formações terroristas que aterrorizam a população local e ameaçando abertamente uma invasão.

Num aspecto esta situação está diferente em relação a 1939: enquanto os parceiros ocidentais continuaram a acreditar no «lado humano» do agressor, ele conseguiu, nos últimos anos, atrair muitos políticos e homens de negócios da Europa Ocidental para a sua órbita de interesses. Desta maneira, o lobby criado conseguiu influenciar as políticas de muitos países da Europa de Leste. O princípio fundamental desta política tem sido «A Rússia primeiro» ou mesmo «A Rússia e nada mais» – e esse princípio agora ruiu. A Europa precisa urgentemente de uma Ostpolitik nova e realista.

Por isto, apelamos aos nossos vizinhos, aos concidadãos da Europa e aos seus governos:

1. O presidente François Hollande e o seu governo estão tentados a tomar uma medida que será ainda pior que a passividade francesa em 1939. Nas próximas semanas, a França pode tornar-se no único país europeu a ajudar o agressor, vendendo navios porta-helicópteros Mistral à Rússia de Putin. Em 2010, a França iniciou uma parceria com a Rússia nesta questão que, já então, originou várias manifestações de protesto. O anterior presidente francês, Nicolas Sarkozy, normalmente não lhes dava importância pois, afinal de contas, «a guerra fria tinha acabado».

Acontece que agora começou uma guerra quente na Ucrânia e não há razão para a França ainda querer implementar o acordo antigo. Vários políticos e Bernard-Henri Lévy sugeriram que os dois navios deviam ser vendidos à NATO ou à UE. Se o presidente Hollande não alterar a sua opinião rapidamente, os cidadãos europeus devem forçá-lo à mudança com uma campanha de boicote a produtos franceses. A França deve respeitar a sua grande tradição e manter-se fiel à ideia de liberdade europeia!

2. Por volta de 1982, a República Federal da Alemanha começou o seu trajecto de crescente dependência de gás russo. Já na altura, intelectuais polacos como Czesław Miłosz e Leszek Kołakowski alertaram para a construção de novos gasodutos russos e apelidaram-nos de «instrumentos para chantagem futura à Europa». Os mesmos alertas vieram de dois presidentes polacos, Aleksander Kwaśniewski e Lech Kaczyński. No entanto, os políticos alemães têm demonstrado ter em grande conta a cooperação com as autoridades russas, seja pelo complexo de culpa alemão ou porque acreditam no «milagre económico russo». Desta maneira, e talvez inconscientemente, estavam a perpetuar a infeliz tradição alemã de tratar a Rússia como o seu único parceiro na Europa de Leste. Nos últimos anos, as empresas do estado russo e os seus oligarcas têm criado raízes ainda mais profundas na economia alemã, desde o sector da energia até ao mundo do futebol e à indústria do turismo. A Alemanha deve conter este tipo de entrelaçamento que resulta sempre em dependência política.

3. Todos os cidadãos europeus e todos os países europeus devem participar em campanhas que visam aliviar a ameaça que paira sobre a Ucrânia. Centenas de milhares de refugiados de regiões de leste do país e da Crimeia necessitam de ajuda humanitária. Como consequência de vários anos de contractos danosos de fornecimento de gás assinados com a Gazprom, a monopolista russa que cobrou à Ucrânia – um dos compradores menos afluentes do seu gás – o preço mais alto, a economia ucraniana está a passar por um período muito difícil. A economia ucraniana necessita urgentemente de ajuda. Precisa de novos parceiros e de novos investimentos. As iniciativas cívicas, culturais e dos meios de comunicação – cheias de vida e verdadeiramente formidáveis – precisam também de parcerias e de apoio.

4. Durante muitos anos, a União Europeia tem dado a entender à Ucrânia que nunca será um membro da UE e que qualquer apoio da UE será meramente simbólico. As políticas da parceria a Leste da União Europeia mudaram pouco nesta área visto que, na prática, esta é apenas um substituto sem significado. No entanto, subitamente, a questão tornou-se relevante, devido sobretudo à posição inabalável dos democratas ucranianos. Pela primeira vez na história, cidadãos de um país estavam a morrer com a bandeira da União Europeia na mão. Se a Europa não for solidária com os ucranianos agora, isso significa que já não acredita nos valores da revolução de 1789 – os valores de liberdade e de fraternidade.

A Ucrânia tem o direito de defender o seu território e os seus cidadãos contra a agressão exterior, com o recurso das forças policiais e militares e nas regiões fronteiriças com a Rússia. Aqui ao lado, na região de Donetsk assim como no resto do país, a paz tem sido uma constante desde a independência da Ucrânia, em 1991: não houve um único conflito violento, seja pelo passado do país relativamente aos direitos das minorias ou por qualquer outra razão. Ao soltar os cães de guerra e ao testar um novo tipo de agressão, Vladimir Putin transformou a Ucrânia num campo de tiro semelhante a Espanha durante a guerra civil quando grupos fascistas, com o auxílio da Alemanha Nazi, atacaram a república. Actualmente, todos os que não disserem «no pasarán» a Putin colocarão a União Europeia e os seus valores assumidos numa posição equivalente a cair no ridículo e consentirão a destruição da ordem internacional.

Ninguém sabe quem estará no poder na Rússia daqui a três anos. Não sabemos o que será da elite do poder russo actual, que abraça políticas conflituosas e inconsistentes com os interesses do seu povo. No entanto, sabemos uma coisa: quem seguir hoje a política de «continua tudo na mesma» em relação ao conflito entre a Rússia e Ucrânia está a fechar os olhos a milhares de russos e ucranianos que estão a morrer, a centenas de milhares de refugiados e a ataques consecutivos das forças imperialistas de Putin a outros países.

Ontem foi Danzig, hoje é Donetsk: não podemos permitir que a Europa viva, outra vez, com uma ferida aberta e a sangrar durante décadas.

Gdansk, 1 de setembro de 2014


Os subscritores deste apelo são:

Władysław Bartoszewski;
Jacek Dehnel;
Inga Iwasiów;
Ignacy Karpowicz;
Wojciech Kuczok;
Dorota Masłowska;
Zbigniew Mentzel;
Tomasz Różycki;
Janusz Rudnicki;
Piotr Sommer;
Andrzej Stasiuk;
Olga Tokarczuk;
Ziemowit Szczerek;
Eugeniusz Tkaczyszyn-Dycki;
Magdalena Tulli;
Agata Tuszyńska;
Szczepan Twardoch;
Andrzej Wajda;
Kazimierz Wóycicki;
Krystyna Zachwatowicz.


Tradução de Francisco Ferreira





sexta-feira, 5 de setembro de 2014


Aterrorizam o Iraque e cobiçam Portugal


Leonídio Paulo Ferreira, Diário de Notícias, 11 de Agosto de 2014

Já aparecem pintados de negro Portugal e Espanha, esse Al-Andaluz que sempre fascinou os árabes e agora alimenta a cobiça dos jihadistas. E também a Grécia, o resto dos Balcãs e até a Áustria. É um mapa que mostra tanto as ambições como a ignorância do Estado Islâmico, o grupo que controla muito da Síria e do Iraque e que nestes dias ganhou ainda pior fama por ameaçar exterminar os cristãos e outras minorias.

Comecemos pela ambição: liderado por um autoproclamado califa, o Estado Islâmico é um fenómeno com meses, que aproveitou a guerra civil na Síria e o caos pós-Saddam para conquistar território nos dois lados da fronteira e tomar Mossul, a segunda cidade do Iraque. E se uma coligação entre os curdos e os xiitas iraquianos, agora com cobertura aérea da América, o impede de marchar sobre Bagdad, a verdade é que a recente mudança de nome, cortando de Estado Islâmico do Iraque e do Levante a parte que limitava os seus horizontes, denuncia uma estratégia.

O Médio Oriente é pequeno para Abu Bakr al-Baghdadi; o objectivo é conquistar parte da Europa, metade de África e toda a Ásia até ao rio Indo. E aqui entra a ignorância, apesar de os escassos dados biográficos sobre o líder do Estado Islâmico o dizerem doutorado: no mapa a circular na net, e que os espanhóis do ABC mostraram na edição online, surgem territórios que chegaram a ser islamizados durante séculos como a Península Ibérica ou os Balcãs, mas onde hoje são escassos os seguidores do islão. Contudo, esquece uma Índia onde a minoria muçulmana supera os 150 milhões e até o Bangladesh, tão fiel a Alá, que já se chamou Paquistão Oriental.

E inclui a Áustria (que repeliu os dois cercos otomanos a Viena), excluindo, porém, a Sicília, durante 200 anos muçulmana, ou Malta, cuja língua deriva do árabe do ano 1000.

Não é nova a obsessão dos jihadistas com o Al-Andaluz, exemplo de islão tolerante com capital em Córdova. Há discursos em que Al-Zawahiri, sucessor de Bin Laden à frente da Al-Qaeda, refere a Península Ibérica como «sob ocupação». Mas a banalização de uma ameaça não a elimina. Assusta a facilidade com que uma célula islamita organizou os atentados de 2004 em Madrid. E que tantos europeus estejam a ser atraídos pela «guerra santa», unindo-se a um grupo que junta líbios e iemenitas, egípcios ou paquistaneses. Voltando ao ABC, ainda ontem revelava que duas adolescentes espanholas tentavam ir para o território do Estado Islâmico servir de escravas sexuais, após «um processo acelerado de fanatização». Sem alarmismos, Portugal tem de estar vigilante. O relatório de segurança interna falava já dos jihadistas. E pode haver uma dezena com nacionalidade portuguesa. Como tem reafirmado Fernando Reinares, um especialista espanhol, pelo seu passado islâmico os dois países ibéricos têm uma «vulnerabilidade diferencial» em relação a outros europeus.