sábado, 26 de julho de 2014


Marcelo, Miguel, o BES e nós


João Miguel Tavares

Pergunta do milhão de euros: como é possível que um caso com a dimensão do BES só se conheça agora? Como é possível que nós, gente dos jornais e da comunicação social, tenhamos tido ao longo dos anos notícia de tantas pontas soltas – basta ver o número de casos em que o banco esteve envolvido –, mas ninguém tenha sido capaz de unir as várias pontas e perceber aquilo que realmente se estava a passar?

A resposta é óbvia: porque a família Espírito Santo é demasiado grande e o país demasiado pequeno. Enquanto a família esteve unida, formou um bloco inexpugnável, pela simples razão de que o seu longo braço chegava a todo o lado, incluindo partidos (alguém já ouviu António José Seguro, sempre tão lesto a dar palpites sobre tudo, comentar o caso BES?), comunicação social (quem não se recorda do corte de relações com o grupo Impresa em 2005, na sequência de notícias sobre o envolvimento do BES no caso Mensalão?) e até aos próprios comentadores, por via das relações pessoais que Ricardo Salgado mantém com gente tão influente quanto Marcelo Rebelo de Sousa ou Miguel Sousa Tavares.

Ora, ninguém à face da terra possui uma independência inexpugnável. Isso não significa que todos tenhamos um preço – significa apenas que somos condicionados por relações de amizade ou de sangue e que nesse campo uma família de 300 membros, que há décadas se move na alta sociedade portuguesa como peixe na água, acaba por chegar a quase toda a gente que interessa. O próprio Sousa Tavares referiu essas ligações há um ano, numa entrevista à Sábado: «O Ricardo Salgado é sogro da minha filha e avô de netos meus. Além disso, somos amigos há muitos anos, porque eu fui casado com uma prima direita dele. Nunca o critiquei e nunca o elogiei, porque acho que não se fala da família em público.» Pode apontar-se a Miguel Sousa Tavares muita coisa – eu já o fiz –, mas não falta de independência ou coragem. Simplesmente, quando o caso BES atinge esta dimensão, o silêncio de alguém com a sua importância torna-se efectivamente um favor a Salgado. Não há como fugir a isso.

Mas se Sousa Tavares não fala sobre o tema e já justificou porquê, o mais influente comentador português – Marcelo Rebelo de Sousa – necessita urgentemente de aproveitar algum do seu tempo dominical para fazer a sua declaração de interesses em relação aos Espírito Santo. E essa declaração é tanto mais premente quanto nas últimas semanas tem vindo a defender a solução Morais Pires, considerando até que a impressionante queda das acções do BES na passada semana era coisa «inevitável», visto estarmos perante «um novo ciclo». Que essa queda tenha acontecido exactamente por não estarmos perante um novo ciclo parece não ter passado pela sua cabeça, habitualmente tão veloz e atenta.

Não admira, pois, que Nicolau Santos tenha chamado a atenção no Expresso para o facto de Marcelo e Ricardo Salgado já terem passado juntos «várias vezes férias no Mediterrâneo». E já agora – acrescento eu – que Rita Amaral Cabral, há longuíssimos anos companheira de Marcelo, como é público, seja actualmente administradora não executiva do BES, e, entre 2008 e 2012, um dos três membros da comissão de vencimentos do banco. Marcelo, como todos sabemos, nunca teve quaisquer problemas em criticar aqueles que lhe são próximos. Mas há factos que devem ser verbalizados – porque é precisamente destes pequenos segredos que vive o regime que nos trouxe até aqui.





quarta-feira, 23 de julho de 2014


Guerra e moral no Médio Oriente


Rui Ramos, Observador

Quanto tempo pode um Estado democrático de direito, como Israel, sobreviver a uma guerra sem fim? Para já, tem os meios necessários. Mas se um dia lhe faltarem, não teremos muito tempo para o lastimar

O chamado «conflito do Médio Oriente» está connosco há décadas. Nem por isso se tornou mais claro. Pelo contrário, tudo parece hoje um pouco mais confuso, como sugere a tendência para reduzir a questão a uma contabilidade macabra: as operações militares israelitas, segundo fontes em Gaza, terão provocado até agora 200 mortos; o Hamas, apesar dos seus esforços (mais de 1 200 mísseis disparados), só conseguiu matar um israelita. Logo, tratemos de nos indignar e marchar contra Israel.

É absurdo. Imaginemos, por exemplo, o princípio aplicado à II Guerra Mundial. Em meados de 1944, os Aliados ocidentais iniciaram o bombardeamento sistemático das cidades da Alemanha; ao mesmo tempo, a Alemanha flagelava o sul de Inglaterra com mísseis. Os bombardeamentos anglo-americanos terão feito, aceitando os números de Jorg Friedrich, 600 mil vítimas civis, incluindo 76 mil crianças; os mísseis alemães mataram cerca de 9 000 pessoas.

Vamos dizer que as democracias ocidentais eram piores do que a ditadura nazi? Não: vamos dizer que, com mais recursos, puderam causar maiores danos. Os nazis conduziam então o extermínio da população judaica da Europa e projectavam instalar uma ordem racial em que a maioria dos europeus seria classificada como seres inferiores. Era isso que os diferenciava dos Aliados, não os resultados das respectivas campanhas aéreas em 1944-1945.

Podemos (e devemos) lamentar o uso de certos meios. Mas a distinção moral entre forças combatentes não se faz na frente de combate. Aí, a regra para bons e para maus é infelizmente a mesma: tentar causar o maior prejuízo possível ao inimigo. Se pretendermos separar moralmente Israel e o Hamas, pensemos antes no rapto e assassinato dos três adolescentes israelitas em Junho. Em represália, um adolescente árabe teve a mesma sorte. Ora, o governo de Israel condenou o homicídio do jovem árabe e identificou e prendeu os seus autores. Do outro lado, o Hamas nem sequer foi capaz de condenar o assassinato dos três jovens israelitas, cujo rapto um seu porta-voz terá mesmo louvado. Eis aqui dois padrões de moral e de direito. E se não vemos tudo aquilo de que o regime intolerante e misógino do Hamas é capaz, é apenas porque não tem os recursos de Israel. Se tivesse, Israel já não existiria.

Perante a proposta egípcia de cessar-fogo, o Hamas deixou claro que prefere a guerra. A sua estratégia é óbvia: confrontar o Estado judaico com um dilema: ou Israel continua a controlar territórios e populações fora das suas fronteiras, aviltando-se numa ocupação sem nobreza e sem futuro, como acontece na Cisjordânia, ou retira, como fez no sul do Líbano e em Gaza, apenas para ver movimentos como o Hamas ou o Hizbollah converterem essas áreas em bases de guerra e sujeitarem os habitantes aos «martírios» da sua propaganda.

O governo de Israel diz que o objectivo da corrente operação militar em Gaza é estabelecer a paz «de uma vez por todas» (expressão usada pela embaixadora de Israel em Portugal, num artigo publicado ontem). Mas nenhuma operação militar deste tipo, devido aos limites humanitários e aos constrangimentos diplomáticos que Israel aceita, será alguma vez decisiva. A grande questão é saber quanto tempo pode um Estado democrático e de direito, como Israel, sobreviver a uma guerra sem fim. Por enquanto, tem os meios materiais necessários. Mas até quando? É que se um dia lhe faltarem, não teremos muito tempo para lastimar Israel.




terça-feira, 22 de julho de 2014


Só faltava mais esta…


Humberto Nuno Oliveira

O camaleónico Freitas do Amaral afirmou que «Se a abstenção cresce não seria de estabelecer o voto obrigatório, pelo menos nas legislativas?» apontando o voto obrigatório como uma solução que não considera antidemocrática e que inverteria «o crescente desinteresse que os cidadãos demonstram relativamente às decisões que definem o futuro do país», contribuindo «para aumentar a participação daqueles que se vão afastando», aqueles que se encontram descontentes e que por aquela via poderiam renovar o sistema político português.

Não consigo parar de me surpreender com esta gente que agora vislumbra na imposição do voto obrigatório mais uma das possibilidades de salvação da sua «democracia». Foram apenas precisos quarenta anos (alguns menos que a «negra noite fascista») para que os portugueses assistindo à sua decadência, à corrupção galopante, ao amiguismo instalado e ao nojento tráfico de influências se esquecessem das maravilhosas promessas e fantasias de Abril em que os charlatães do regime os fizeram acreditar.

Claro que esta gente do sistema nunca estabelece a ilação devida: os portugueses fartaram-se deles e do regime que eles estabeleceram para se beneficiarem mais aos seus amigos desta podre república. Vivendo em torres de marfim alheados da realidade, pensam que os portugueses ainda não reparam que nenhum político do sistema os acompanha nas privações quotidianas e que, para todos eles, há sempre um bom lugarzinho guardado numa qualquer entidade onde se traficam influências e se ganham largos milhares, quando ao cidadão comum se pedem sacrifícios que nunca chegam aos políticos, às suas chafaricas e interesses. Mas caros senhores, já toda a gente o viu!

É isso, caros senhores, que leva os portugueses a não votar: deixaram de acreditar em vós e nas vossas promessas ocas, e não vão lá com obrigatoriedades porque a questão de fundo permanecerá presente. Qual é a importância que o regime dá aos abstencionistas, e aos que votam nulo e branco? Os descontentes não contam para esta gentalha que se perpetua no poder e não se importa de ser eleita nem que seja só com os votos dos amigalhaços…






segunda-feira, 21 de julho de 2014


Aos médicos, profissionais da saúde

e estudantes da saúde



Dear friend,

If you are medical professional or student I would like suggest you to support and subscribe the Dublin Declaration. If you are not, we ask you to spread it.

The
 Dublin Declaration states that direct abortion is never needed to save the life of a mother: a reassuring and authoritative statement when it comes with the significant backing of leading medical professionals.

The Declaration may be signed by obstetricians / gynaecologists, doctors, midwives and nurses, neonatologists and pediatricians and medical students. 
SIGN HERE.

DUBLIN DECLARATION ON MATERNAL HEALTHCARE

«As experienced practitioners and researchers in obstetrics and gynaecology, we affirm that direct abortion

– the purposeful destruction of the unborn child – is not medically necessary to save the life of a woman.

We uphold that there is a fundamental difference between abortion, and necessary medical treatments

that are carried out to save the life of the mother, even if such treatment results in the loss of life of her unborn child.

We confirm that the prohibition of abortion does not affect, in any way, the availability of optimal care to pregnant women.»
  
The Dublin Declaration on Maternal Health was written and signed by a select panel of the Committee on Excellence in Maternal Healthcare, in September 2012.

Since its launch in Dublin at the International Symposium on Maternal Health it has garnered the support of 700 medical professionals - and it now must become a global pro-life document.

Countering the false claim that «abortion saves women's lives» has always been a difficult challenge for the pro-life movement, because of the propaganda of abortion campaigners and media supporters. The Declaration has the power to cut through that propaganda, and will become a globally significant statement with hugely positive consequences for the cause of protecting mothers and babies, if given the right support. The Dublin Declaration promoters seek to promote best-practice care for all women who may experience difficulties in their pregnancies, and wish to further expand the practice of treating illness during pregnancy to allow for a healthy and happy gestational period for both mother and baby.

Our aim is to have the Dublin Declaration launched and supported in every continent and the number of signatories grown to 2000 by end of 2016.

Thanks for signing and spreading the word!!

Kind regards,


Leonor Tamayo


President
Head of International Area

PROFESIONAIS PELA ÉTICA
Tlf: +34 667564590
ltamayo@profesionalesetica...org
www.profesionalesetica.org






A crise das bruxas e dos maus


Inês Teotónio Pereira

O que hoje se tenta passar às crianças é que o mal não existe, que os maus são bons e que qualquer coisa que mostre ou revele crueldade incita à violência

A versão clássica dos maus da fita está em crise: já não existem maus, nem nas fitas nem em lado nenhum. Se alguém pega numa arma e assassina dezenas de pessoas numa universidade ou se um grupo de terroristas aniquila dezenas de civis, a tendência é justificar os crimes com o contexto. Porque a culpa, em primeira instância, nunca é dos autores. A culpa é quase sempre da sociedade, da globalização, dos capitalistas, do contexto familiar, dos filmes violentos, da pobreza, da liberalização da venda de armas, da religião, etc. O que prevalece nesta teoria é que as pessoas, de um modo geral, são estúpidas, coitadas, e a moral que têm ou não têm depende exclusivamente do contexto. Os maus são vítimas e, na verdade, somos todos bons selvagens, incluindo os terroristas, os assassinos, etc. Os maus são os contextos, e não os criminosos.

Esta febre de fazer tábua rasa do bem e do mal, dos maus e dos bons, à boa maneira dos filmes de cowboys e do super-homem, chegou aos contos infantis. E não, não se inventaram novos contos infantis, adulteraram-se os clássicos. Pegou-se no trabalho genial dos irmãos Grimm, de Andersen e de muitos outros que se esfalfaram a trabalhar e mudaram-se as histórias para as adaptar aos conceitos modernos e, por isso, correctos.

As histórias que foram escritas com o objectivo de traçar uma linha bem definida entre o bem e o mal, de ajudar a criar uma consciência moral, de despertar a sensibilidade das crianças, que conseguem ser mais cruéis do que qualquer bruxa má, de nos fazer chorar e de educar o nosso sentido de justiça, são hoje histórias sem heróis, sem moral e sem interesse. Hoje parte-se do princípio que as crianças, primeiro, são parvas e, segundo, que nascem sensíveis, com as doses certas de moral e com um sentimento de justiça muito apurado. Mas não é verdade, elas não nascem assim, e os clássicos infantis são obras-primas que nos ajudaram a todos a desenvolver tudo isto.

No novo filme da Disney da Bela Adormecida, a questão central é perceber porque é que a bruxa é má. E descobre-se que, afinal, a bruxa não é má: mau era o rei que lhe cortou as asas e ela, coitada, não teve alternativa senão lançar um cruel feitiço sobre a princesa para salvar o reino (enfim, é complicado...). Nesta história não há realmente maus, há contexto. E a moral da história é que tudo depende do contexto.

Também o clássico João e Maria que se conta hoje às crianças é outra história completamente diferente daquela que foi escrita. Afinal, os meninos perderam-se na floresta e não foi a madrasta e o pai que os abandonaram reiteradamente porque não tinham dinheiro para os sustentar. Nada disso. Afinal, foi por acaso que os meninos foram parar à casa da bruxa – perderam-se – e a bruxa também não caiu para dentro do forno empurrada pela heroína Maria, mas apenas ficou sem a vassoura. Aqui nem sequer há moral da história, há apenas aventura.

O que hoje se tenta passar às crianças é que o mal não existe, que os maus são bons e que qualquer coisa que mostre ou revele crueldade incita à violência. Com isto matam-se heróis e trituram-se modelos de justiça, moral e coragem.

Até que as crianças crescem e, quando todos esperávamos que, com esta nova cultura infantil, todas elas se tornassem miniaturas da madre Teresa de Calcutá e que as guerras desaparecessem da fase da terra, eis que elas se tornaram uma geração que se está nas tintas para tudo isso. Aprenderam que há uma justificação plausível para tudo e principalmente para a maldade, por isso não há lados. A eterna luta do bem contra o mal e do final feliz é qualquer coisa que não lhes assiste. Os heróis, esses, são os futebolistas e a Miley Cyrus.

E o mais caricato de tudo isto é que os jogos de consola mais vendidos são os mais violentos, em que o protagonista principal é mesmo mau. Um mau eficaz, com estilo e impiedoso. Mas não faz mal, dizem, porque é tudo fantasia. O que faz mal é cantar aos nossos filhos o «Atirei o pau ao gato», não vão eles, quando crescerem, adoptar como desporto nacional atirar paus aos gatos.