João Miguel Tavares
Pergunta do milhão de euros: como é possível que um
caso com a dimensão do BES só se conheça agora? Como é possível que nós, gente
dos jornais e da comunicação social, tenhamos tido ao longo dos anos notícia de
tantas pontas soltas – basta ver o número de casos em que o banco esteve
envolvido –, mas ninguém tenha sido capaz de unir as várias pontas e perceber
aquilo que realmente se estava a passar?
A resposta é óbvia: porque a família Espírito Santo
é demasiado grande e o país demasiado pequeno. Enquanto a família esteve unida,
formou um bloco inexpugnável, pela simples razão de que o seu longo braço
chegava a todo o lado, incluindo partidos (alguém já ouviu António José Seguro,
sempre tão lesto a dar palpites sobre tudo, comentar o caso BES?), comunicação
social (quem não se recorda do corte de relações com o grupo Impresa em 2005,
na sequência de notícias sobre o envolvimento do BES no caso Mensalão?) e até
aos próprios comentadores, por via das relações pessoais que Ricardo Salgado
mantém com gente tão influente quanto Marcelo Rebelo de Sousa ou Miguel Sousa
Tavares.
Ora, ninguém à face da terra possui uma
independência inexpugnável. Isso não significa que todos tenhamos um preço –
significa apenas que somos condicionados por relações de amizade ou de sangue e
que nesse campo uma família de 300 membros, que há décadas se move na alta
sociedade portuguesa como peixe na água, acaba por chegar a quase toda a gente
que interessa. O próprio Sousa Tavares referiu essas ligações há um ano, numa
entrevista à Sábado: «O Ricardo Salgado é sogro da minha filha e
avô de netos meus. Além disso, somos amigos há muitos anos, porque eu fui
casado com uma prima direita dele. Nunca o critiquei e nunca o elogiei, porque
acho que não se fala da família em público.» Pode apontar-se a Miguel Sousa
Tavares muita coisa – eu já o fiz –, mas não falta de independência ou coragem.
Simplesmente, quando o caso BES atinge esta dimensão, o silêncio de alguém com
a sua importância torna-se efectivamente um favor a Salgado. Não há como
fugir a isso.
Mas se Sousa Tavares não fala sobre o tema e já
justificou porquê, o mais influente comentador português – Marcelo Rebelo de
Sousa – necessita urgentemente de aproveitar algum do seu tempo dominical para
fazer a sua declaração de interesses em relação aos Espírito Santo. E essa
declaração é tanto mais premente quanto nas últimas semanas tem vindo a
defender a solução Morais Pires, considerando até que a impressionante queda
das acções do BES na passada semana era coisa «inevitável», visto estarmos
perante «um novo ciclo». Que essa queda tenha acontecido exactamente por não
estarmos perante um novo ciclo parece não ter passado pela sua cabeça,
habitualmente tão veloz e atenta.