Viriato Soromenho Marques, Diário de Notícias, 30 de Dezembro de 2015
Lula
da Silva escolheu a Espanha para reactivar um dos tiques culturais de alguma
elite brasileira contra o colonizador português. Culpou Portugal pelo facto de
a primeira universidade brasileira ter sido fundada apenas em 1922. Para além
de ignorar as iniciativas lusas em matéria de ensino superior, em 1792, no Rio
de Janeiro (Ciências Militares), e em 1808, na Bahia (Medicina), Lula fez cair
para cima da herança lusa um século de independência brasileira (1822-1922).
Como Pedro Calafate tem escrito, a procura de um paradigma não português para
inspiração cultural alternativa atravessa todo o século XIX do país irmão. Não
só o positivismo francês, imortalizado na bandeira nacional adoptada em 1889,
como um germanismo mítico, com Tobias Barreto, ou um indigenismo romântico em
Gonçalves de Magalhães e Oswald de Andrade (tupi or not to be...).
Contudo,
Lula ignora os grandes vultos contemporâneos da Academia brasileira. Não só o
luso tropicalismo de Gilberto Freyre, como os trabalhos monumentais de Sérgio
Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Darcy Ribeiro. Lula ignora que em 1815 o
Brasil ganhou o estatuto de reino. E que a história de Pedro I, imperador do
Brasil, que foi também Pedro IV de Portugal, é uma singularidade irrepetível na
história universal. Ignora que a Universidade de Coimbra (depois do fecho da de
Évora) foi a única para todo um império pobre. Contudo, foi esse espírito
coimbrão, que unia a elite brasileira, coeva de José Bonifácio, aliado à sábia
estrutura administrativa portuguesa, que garantiu – em contraste com a total
fragmentação da América Espanhola – a unidade do Brasil. Os pobres portugueses
asseguraram a integridade desse chão que fará do Brasil uma das grandes
potências mundiais do século XXI. Basta que o seu grande povo escolha líderes
capazes de cultivar a história, em vez de a tratarem com os pés.
NOTA: (Ilustrações da nossa redacção)
Tiago Cavaco, Voz do Deserto
[Aqui há uns dias explicava da tragédia que é ler alguns pastores
espalharem-se ao comprido em comentários políticos descuidados. Espero não
fazer o mesmo agora. Mas, precisamente por Paulo
Portas estar na área política onde o meu voto tem acontecido, julgo pertinente este
comentário.]
1. Porque Paulo Portas nunca foi conservador
A explicação mais erudita deste ponto entrego-a ao Henrique Raposo, que
assim bem explicou no Expresso online: «a
própria fonte de Portas era pós-moderna, imprecisa, escorregadia. No
fundo, ele foi um jovem do seu tempo. Apesar de leituras conservadoras do baú
francês, Portas foi varrido pela ‘dispositivo pós-moderno’, isto é, pela fuga
às grandes narrativas, pela recusa ideológica da coerência, pela desistência da
busca da verdade (quer no sentido objectivo, quer no sentido moral).»
2. Porque Paulo Portas significa continuar a confundir conservadorismo
com o fenómeno MEC
Este ponto é consequente do primeiro, bem explicado pelo Henrique.
Aquilo que passou pela suposta nova direita nos últimos trinta anos é uma
salganhada burguesa coquete que foi tolerada ao Miguel Esteves Cardoso
porque eticamente não se distingue da
esquerda niilista (a cartilha coca, cópula e calão). Para ser
conservador não chega gostar de comprar roupa em Londres ou citar os Smiths em
vez dos Clash.
3. Porque Paulo Portas mostrou-se um homem sem palavra
Decidi não votar mais CDS desde a crise do «irrevogável». Um homem não
pode voltar atrás e explicar que mudou de ideias? Certamente que sim. Mas Paulo Portas nunca voltou atrás e explicou que
mudou de ideias, simplesmente saltou para a frente como se a sua palavra
não valesse nada. Num partido conservador a palavra dada tem de valer a própria
vida. Para desconstruções semânticas temos a esquerda.
4. Porque Paulo Portas é demasiado talentoso no seu jogo
para conseguir
deixar substituto à altura
Não há nenhum beto mais novo que Portas capaz de
disfarçar cinismo em conservadorismo com o talento dele. Digamos que é uma
excelente desvantagem da geração de noventa. A geração de noventa sabe ser
cínica, claro. Mas já não passou por nenhum fenómeno anglo-pop que a fizesse
enamorar-se de aparências conservadoras (o britpop dos Oasis e dos Blur é
demasiado classe média comparado com o genuíno snobismo da década anterior).
5. Porque vai fazer com que os
que sejam realmente conservadores
no CDS tenham de começar a
trabalhar a sério
Eu não tenho problemas pelo CDS ser um partido de betos. Eu tenho
problemas pelo CDS ser um partido sem coragem. As vozes tidas por esclarecidas
são as que pedem para ir à casa de banho sempre que o assunto exige clareza
moral. Divórcio, aborto, o chamado
casamento homossexual, adopção por ditos casais homossexuais, e podia
continuar. Ou o CDS começa a querer conservar alguma coisa concreta
ou restringe ao nosso capitalismo coxo a sua única causa — mas para isso já
temos o PSD.
Helena Matos, Observador, 27 de
Dezembro de 2015
Marcelo Rebelo de Sousa: «Pode-se
poupar em muita coisa, mas poupar na saúde dos portugueses não é um bom
princípio para quem quer afirmar a justiça social e construir um Estado
democrático mais justo», declarou aos jornalistas, no início de uma visita ao
Hospital de São José, em Lisboa.
Maria de Belém: «Tesouraria»
não pode estar à frente «da defesa do valor da vida».
Marisa Matias, considera que
a morte de um homem no São José é uma consequência da austeridade imposta pelo
anterior Governo. «Foi uma política que matou gente. Foi denunciado em devido
tempo que esta política de austeridade e este ciclo de empobrecimento que
estava a ser posta em prática pelo Governo de direita levaria mesmo a muitas
vidas que se perderam».
Perante este tipo de considerandos, sobretudo os
provenientes de Marcelo Rebelo de Sousa e de Maria de Belém, apetece perguntar:
pensam estes candidatos à Presidência da República recorrer ao SNS quando
tiverem problemas de saúde? Caso respondam afirmativamente, estimam viver
quantos anos mais? É que para falar deste modo, como se não houvesse amanhã,
tem de se estar dotado da forte convicção (eu diria antes fé) de que se vai
gozar de uma saúde de ferro até àquele derradeiro momento em que a bondade de
uma morte súbita porá fim a vida tão saudável. (De caminho também é
indispensável estar disposto a descer moralmente muito para subir um pouco mais
nas sondagens, mas esse é outro assunto.) Afinal a quem não sabe que morte o
espera e de que doenças vai sofrer resta apenas uma pragmática certeza: todos
podemos acabar num hospital. Que este se organize em função dos doentes ou das
questões contratuais do seu pessoal não é a mesma coisa.
Mas vamos ao que suscitou esta sucessão de
declarações dos candidatos à Presidência da República: a morte a 14 de Dezembro
de um homem de 29 anos, no Hospital de São José, depois de ter sido internado
no dia 11. No momento do internamento foi-lhe diagnosticada uma hemorragia
cerebral provocada por um aneurisma o que obrigava a uma intervenção cirúrgica
rápida. A intervenção nunca aconteceu porque dia 11 era sexta-feira e no
Hospital de São José ao fim-de-semana (a sexta-feira à tarde já entra no
conceito de fim-de-semana?), não se encontravam equipas de neurocirurgia. E
porque não se encontravam equipas de neurocirurgia em São José? Pela mesma
razão porque os tratamentos mais rigorosos são interrompidos com a maior das
naturalidades ao fim-de-semana e feriados: porque no país em que oficialmente a
saúde não tem preço nem se discute quanto nos custa e como funciona o que não
tem preço, florescem os mais fantásticos negócios e crescem destravados
privilégios à conta desses dogmas.
Tanto quanto se sabe – e sabe-se pouco porque em
geral nestas discussões sobre os serviços públicos ditos gratuitos evita-se dar
números enfatizado sim a questão abstracta dos «meios», dos «cortes», dos «recursos»
que ora existem ora são cortados… – em 2013, os enfermeiros do Hospital de São
José, declararam-se indisponíveis para fazerem turnos extraordinários aos
sábados e domingos. Médicos e radiologistas secundaram-nos. Segundo o Expresso esta
recusa deveu-se a uma redução de aproximadamente 50 por cento dos valores que
médicos e enfermeiros então cobravam por cada dia de prevenção (sem presença
física no hospital) durante o fim-de-semana. Ou seja os médicos passariam de
500 para 250 euros e os enfermeiros de 260 para 130 (valores aproximados).
Não estou a dizer que seja muito ou pouco. Bem
ou mal pago. Mas para uma saúde que não tem preço digamos que é um preço muito
alto para estar de prevenção. À conta da saúde que não tem preço, do «na saúde
não se poupa» e da imagem cara a Maria de Belém da tesouraria versus o valor da
vida acabámos a criar um monstro de duas faces. De um lado, resguardadas na
opacidade da saúde dita gratuita estão as corporações a aumentarem os seus
privilégios e os seus ganhos (neste caso concreto é dificílimo perceber quanto
se pagava às equipas de neurocirurgia antes de 2013, quanto se pagou em 2014 e
2015 e quanto se vai pagar agora que foi anunciado um novo acordo). Na outra
face estão os políticos a dizerem às pessoas aquilo que eles, políticos, acham
que os eleitores querem ouvir. E nenhuma destas faces está interessada em
discutir a sobrevivência do SNS ou a sua qualidade. O que lhes interessa é a
sua sobrevivência pessoal dentro do SNS (caso das ordens, sindicatos,
interesses na área do medicamento) ou, no caso dos políticos, evitar ser
destruído pelas corporações do SNS como aconteceu com Leonor Beleza ou acabar
discreto mas firmemente afastado por elas, como sucedeu com Correia de Campos.
Contudo, e para lá do que dizem e sobretudo do
que calam as duas faces, Portugal gasta muito com o SNS, gasta comparativamente
mais que outros países mais ricos – mesmo com os cortes, os gastos totais com a
Saúde em Portugal mantiveram-se acima da média da UE – e tanto Marcelo Rebelo
de Sousa como Maria de Belém sabem-no. Quanto a Marisa Matias não sei se sabe
ou se tal como Marcelo e Maria de Belém faz de conta que não sabe mas espero
que o mais rapidamente possível apresente dados, números e casos da «tanta
gente» que no seu dizer morreu em consequência dos «cortes na saúde». E de
caminho pode precisar quanta gente cabe em «tanta gente»?
Dos restantes candidatos já nem me apeteceu
procurar o que disseram. Aliás, digam eles o que disserem, ou se poupa nos
gastos da Saúde ou dentro em pouco, para espanto da dra. Maria de Belém, não há
tesouraria que suporte os cada vez mais caros tratamentos médicos e os também
cada vez mais longos e mais dispendiosos cuidados de saúde de uma população
envelhecida. E para surpresa de Marcelo, constataremos demasiado tarde não só
que os recursos da saúde são finitos como que, bem mais grave, estão cativos das
corporações do sector. Até lá o populismo continua a ser um tónico muito
recomendado e de provas dadas. Pode usar-se sem moderação até porque os efeitos
secundários são sempre sofridos pelos outros.