segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A saúde mental dos Portugueses

Pedro Afonso, Público

Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.

Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.

E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.


 


A polícia e os desconchavos do Governo

João J. Brandão Ferreira

A coisa passou-se assim: na semana em que foi público que os orçamentos dos países da UE (não sabemos se todos ou só alguns), terão que ser escrutinados por Bruxelas e só depois pelo parlamento português, um sindicato da PSP anunciava a intenção de fazer greve durante a cimeira da Nato, em Novembro próximo. Grande sururú, rapidamente esbatido...

Passados uns dias os sindicatos da PSP (já vão em nove!), marcavam uma manifestação para o Terreiro do Paço. Motivo, a progressão nas carreiras e mais umas coisas que aparecem ininteligíveis ao vulgo, não sei se por deficiente comunicação, se por medíocre trabalho jornalístico, se por ambos.

Chegou o dia e cerca de uma centena e picos de agentes (os números variam sempre), despidos de fardas, ou semi despidos, ou sem crachás, ou sem armas (vá-se lá saber as regras!), seguramente vestidos de manifestantes, lá foram para a frente do MAI – o que se está a tornar um hábito – devidamente espreitados pelos colegas de serviço, esses sim com a parafernália toda.

Passadas umas horas veio a notícia: o governo lá acedeu a desbloquear as verbas necessárias às promoções em atraso e os ditos cujos lá desmobilizaram, contentes, à excepção de dois dos sindicatos, que dizem que a luta continua pois não está tudo resolvido.

Isto parece uma ópera bufa.

É lamentável que os governantes passem a vida a fazer figuras tristes e ainda por cima escusadas. Senão vejamos:

Os polícias têm, neste caso, toda a razão; ora tendo os polícias razão devia-se ter resolvido o problema atempadamente – e esperemos que a cadeia hierárquica da PSP os tenha defendido, em primeira – mão, assim como os deve castigar quando se portam mal – evitando-se, desse modo, mais esta trapalhada.

Mas, pergunta-se, não tendo os grevistas ou manifestantes razão, o (s) governo (s) procedem de modo diferente? Pois parece que não. Da última vez, por ex., que os pilotos da TAP ameaçaram fazer greve (onde não tinham razão alguma), o governo cedeu, dando umas desculpas esfarrapadas e pagando-lhes por “baixo da mesa”. Quando foi dos professores, que tinham razão em muita coisa e muito pouca noutras, fizeram braço de ferro, negociaram, avanços, recuos, ameaças, confusões e, no fim, cederam em toda a linha. Ou seja, cedem sempre. Então para que serve todo este folclore?

Às vezes, como parece ser o caso, fazem ainda pior: prometem, legislam e depois “esquecem-se” de cumprir…

Em todos os casos existe, porém, uma constante: uma evidente falta de princípios, clareza e lealdade.

O caminho ficou, agora, aberto às mesmas manifestações por parte da GNR e Guardas Prisionais, de resto já anunciadas. Ficaram, pois, alguns sindicatos da PSP, a lembrar o que falta fazer, e não é que também têm razão?!

O que falta é “apenas” isto: em Fev. de 2008, o governo aprovou uma lei em que fazia a integração do novo regime remuneratório para a Função Pública – a “tabela remuneratória única” – que englobava as forças de segurança e os militares. A lei devia entrar em vigor em Jan. de 2009, o que não sucedeu pois necessitava de regulamentação. Passou, assim, para o ano seguinte.

A longo dos primeiros meses de 2010, as chefias militares puseram em execução a nova legislação (embora falte harmonizar e orçamentar várias coisas) mas, vá-se lá saber porque bulas, o mesmo não aconteceu no MAI e ainda hoje está por fazer, com o facto caricato dos oficiais do Exercito em serviço na GNR, estarem a ganhar menos que os seus camaradas dos Ramos. Agora imagine-se os milhões que irão ser necessários para retroactivos…Será que todos estes ajustamentos não foram coordenados com o ministério das Finanças?

Outro assunto pendente é o aumento do “subsídio” de fardamento que ainda não foi pago na PSP (mas já o foi na GNR!), acrescido de mais um pormenor caricato: como havia um subsídio antigo que ia ser substituído por um novo, não tendo este sido pago, deixaram de pagar o antigo! A ópera deixou de ser bufa, para ser cómica.

Entretanto o MAI tinha entendido atribuir suplementos a algumas especialidades de maior risco ou complexidade, havendo a maior nebulosidade sobre quem já recebeu ou falta receber e a partir de quando – sabendo-se, que alguns destes subsídios foram pagos em Set., na GNR.

Por último, existe uma injustiça flagrante relativamente a polícias e guardas que, desde a gerência anterior, viram os cônjuges perder o direito à assistência na doença. Esta injustiça merece ser reparada urgentemente, pois a ópera de cómica passou a dramática.

Finalmente a cereja em cima (deste) bolo, foi o anúncio da compra de seis blindados para a PSP, com a desculpa de serem necessários para a protecção da cimeira da NATO, o que irá custar mais um milhão (?!) de euros, numa altura em que não há dinheiro para nada.

Ora isto, salvo melhor opinião, é uma verdadeira aberração. Em primeiro lugar porque não são necessários, pois a GNR dispõe de 20 viaturas aptas para a função – aliás uma das razões para a existência da Guarda é, justamente, a de poder actuar em cenários de ameaça mais elevada; depois porque os blindados que se pretendem adquirir (é curioso verificar como aparece dinheiro fresco para estas coisas), têm muito mais características militares do que anti motim, o que não colhe bem numa policia estritamente civil (e que faz gala nisso!); finalmente se os meios da GNR não chegassem (?), ainda se pode lançar mão dos meios militares, a célebre trilogia de antanho: a polícia serve para levar pancada, a GNR para dar e levar e o Exército só para dar…

Dá ideia que andamos todos de cabeça perdida…

Enfim, tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado.