sábado, 11 de fevereiro de 2012

Os espaços estratégicos de interesse nacional (5)


João José Brandão Ferreira









Neste momento é mister introduzir o actual conceito de fronteira, ou de fronteiras.

Destacamos:

A fronteira da Soberania é aquela que, desde sempre, coincidia com as fronteiras de cada entidade política. Representava o seu território, aquele que, no mais das vezes, resultou de inúmeros conflitos, guerras e tragédias, acordos políticos e muito sangue derramado. É aquele que por norma os povos e os seus representantes consideram o seu «santuário». Por ele, os homens morrem, pois é considerado de importância vital e inegociável.

A fronteira da Segurança não se limita, porém, à fronteira da soberania pois está para além dela, ou muito para além dela, dependente dos recursos, meios e ameaças existentes. A fronteira da segurança tem a ver com a desejabilidade de se poder detectar, identificar e interceptar (combater) as ameaças o mais longe possível das nossas fronteiras naturais. A «extensão» desta fronteira variará com as ameaças eventualmente identificadas e previsíveis e o seu grau de letalidade, bem como com os meios disponíveis para lhes fazer face.

Seguindo esta lógica, sobretudo para os pequenos países/potências, identificadas que foram interesses comuns e, ou, ameaças comuns, faz todo o sentido a criação de alianças, que permitam e potenciem uma melhor protecção mútua.

A construção de um conjunto de solidariedades entre países ajudará à coesão das alianças, mas ninguém se deve iludir que tal, por si só, não se sobreporá aos interesses de cada país. Ignorar esta realidade é preparar o caminho para ter grandes «desgostos» nas relações internacionais. Cada país tenderá, também, a criar e manter o máximo de autonomia possível dentro de cada aliança.

 A fronteira que se segue é conhecida pela fronteira dos interesses. Estes interesses podem ser os mais variados, desde os económicos aos estratégicos, dos culturais à influência política. Esta fronteira raramente coincidirá com a fronteira da segurança. Fora da fronteira da segurança, abre-se a competição em todos os âmbitos e com a tecnologia e globalização actuais, não há «fronteira» para esta fronteira. O conjunto destas fronteiras leva, por sua vez, face aos antagonismos e interdependências existentes, a que se possam identificar áreas em que registam elos fracos no conjunto dos interesses de cada país são as fronteiras das vulnerabilidades.

 Em grau diferente todos os países dependem de todos e ninguém se pode considerar auto-suficiente. E no mais das vezes a linha que se para a estabilidade da fragilidade é assaz débil...

Finalmente a «permeabilidade» de todas as fronteiras e o grau de desenvolvimento tecnológico e da letalidade de armamento, explosivos e diferentes agentes químicos, biológicos e radioactivos torna a disrupção da vida normal na sociedade, relativamente fácil, considere-se o caso do terrorismo internacional.

Por fim, o grau de ameaças que cria todo o tipo de vulnerabilidades e o seu grau de perigosidade, pode extravasar os actores políticos da cena internacional para poderem pôr em causa o próprio equilíbrio natural do mundo como o conhecemos. Se a isto juntarmos o continuado aumento da população, a sobre exploração dos recursos naturais e a «agressão física» ao planeta e à atmosfera que o envolve, podemos colocar em causa o delicado eco - sistema em que vivemos. Ou seja esta é uma fronteira global, sendo a responsabilidade de a «defender» de todos os humanos.

E sendo a terra, para além dos animais e plantas, justamente habitada pelos humanos há que considerar uma última fronteira, chamada da solidariedade. Não é uma fronteira física e não é possível definir os seus limites. Mas é uma «fronteira» que é necessário criar a todo o momento para se poder acorrer às diferentes desgraças que sempre se abatem sobre o globo. Esta fronteira não se limita à solidariedade, digamos que não é apenas filantropia, já que, cumulativamente, ou em primeiro lugar, se destina a aliviar as injustiças e desgraças várias que podem fazer revoltar diferentes camadas de população, transformando-as, assim, em ameaças à segurança colectiva. O desespero nunca foi bom conselheiro.
                                                      
A definição dos EEIN deve derivar do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) deve dar origem ao conceito Estratégico Militar (CEM) e aos conceitos estratégicos dos outros ministérios que, até hoje, nunca foram formulados – o que constitui uma vulnerabilidade acrescida.

O CEM articula-se então, após análise geopolítica e geoestratégica do todo nacional – nas potencialidades e vulnerabilidades, na caracterização das ameaças previsíveis e no conceito de acção militar. Do CEM derivam as missões, o dispositivo e o sistema de forças (militares)

O CEDN já há muito deveria ter sido revisto para se transformar num Conceito Estratégico de Segurança Nacional (CESN), tornando assim o conceito mais abrangente e multidisciplinar.

Por outro lado o actual CEDN aparenta ser muito prolixo e genérico na definição de opções estratégicas, querendo “tocar” em muitos âmbitos, em simultâneo, com a consequente dispersão de meios e sem definição clara de prioridades. Algo que tende a dar para tudo resulta, normalmente, consequente em nada…

Inexplicavelmente o CEDN não se refere à Aliança Inglesa que - recorda-se – é a aliança política e de defesa mais antiga em todo o mundo e que está em vigor. Mais ainda, é a única organização internacional, exceptuando agora a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que integramos e a Espanha está ausente, o que não deixa de ser uma realidade geopolítica e geoestratégica relevante.

A definição dos EEIN deve, assim, derivar de todo o articulado definido acima e deve ter a ver, fundamentalmente, com:

- Protecção mútua das diferentes parcelas do Território Nacional;
- Garantir a coesão do todo nacional;
- Evitar vazios estratégicos;
- Exercício da soberania plena ou mitigada sobre o território nacional, (aéreo, terrestre e marítimo), ZEE, FIRs e (futura) PC;
- Desenvolvimento de actividades económicas ou de investigação;
- Segurança à distância;
- Projecção de poder (político, militar, diplomático, económico, cultural);
- Potenciar alianças e aumentar a dissuasão;
- Aumento do Poder nacional (sem o que nenhuma unidade política tem liberdade estratégica ou sequer viabilidade existencial).

Tudo isto devendo ser harmonizado em termos de definição, coordenação e liderança política.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Os espaços estratégicos de interesse nacional (4)


João José Brandão Ferreira









Passemos, então, ao cerne do nosso tema, os Espaços Estratégicos de Interesse Nacional (EEIN) 

«É necessário haver Armadas no mar que guardem as nossas costas, paragens, e nos assegurem dos sobressaltos que podem vir pelo mar, e são mais suspeitos que os de terra»
Padre Fernando Oliveira
  
A importância do «espaço» foi teorizada no seio da Geografia Política e, mais tarde, pela geopolítica, a ciência que relaciona os acontecimentos políticos com a geografia.

Os elementos que se podem considerar mais estáveis, da geopolítica são, justamente, a geografia e o carácter do povo. A geografia não muda – vivemos, portanto, numa «ditadura» geográfica – e o carácter do povo, muda muito devagar, quando muda.

A relação entre o espaço e a actividade humana é, pois, o cerne da geopolítica. Deste modo o controlo de um espaço terrestre, marítimo ou aéreo, representa um poder potencial, pronto a transformar-se em Poder. Quanto maior o espaço, maior o poder. E o poder – o poder efectivo – é aquilo que, em primeira instância, condiciona ou influencia, as relações internacionais e garante a sobrevivência dos povos politicamente organizados.

O espaço deve, pois, encarar-se sob uma perspectiva dinâmica que o torna um vínculo geográfico de um qualquer poder inserido num quadro geopolítico de referência, e um cenário estratégico vigente. O espaço e o homem estão ligados por uma relação telúrica que se vai desenvolvendo ao longo do tempo, com o evoluir das diferentes comunidades. Daí a força que atrai os homens a virem acabar os seus dias nas terras que lhes deram berço, ou onde os laços afectivos se tornaram mais intensos.

O conceito de “espaço” pode ser decomposto em três dimensões:

* Uma dimensão horizontal que abrange a extensão, localização, morfologia, clima, geologia e recursos naturais;

* Uma dimensão vertical, que é consequência da actividade do próprio homem e do seu relacionamento com os factores sociais (demografia, economia, cultura, tecnologia, etc.);

* Uma dimensão temporal que resulta da interacção das componentes anteriores.

É dentro destes «espaços» que uma entidade política define os seus objectivos, defende os seus interesses, orienta a suas estratégias e projecta a Ideia que tem de si mesma, relativamente a outras unidades políticas. Tudo isto para alcançar as «aspirações utópicas» do estado moderno, a saber: a Segurança, a Justiça e o Bem - Estar – por esta sequência, já que a ordem dos termos não é arbitrária…

Os actores políticos principiais, do mundo contemporâneo, ainda são os estados-nação, seguidos das organizações internacionais para o desenvolvimento económico e de segurança. Para regular e resolver os diferendos entre eles, que podem surgir de conflitos de interesses, existe a Organização da Nações Unidas, que se pretende seja a principal fonte do Direito Internacional.

Infelizmente a eficácia prática deste organismo tem deixado muito a desejar, não sendo raro que os conflitos se dirimam à sua margem e, ou, pelo «direito da força».

Finalmente, é necessário ter em mente a «aceleração» do tempo histórico e o avanço tecnológico, que originou uma contracção da componente temporal do espaço, uma globalização das actividades e a possibilidade de se tomar conhecimento de qualquer evento, em tempo real, a qualquer hora e em qualquer parte do globo.

O território nacional ocupa, em termos de extensão a 108ª posição entre os 192 países existentes, entre a Hungria e a Jordânia (192 países que fazem parte da ONU, 203 na totalidade – dados referentes a Fevereiro de 2008).

Já relativamente ao PIB per capita, Portugal encontra-se (a dados de 2009), no 35º lugar, ao passo que na lista do índice de desenvolvimento humano, aparece na 28ª posição.

Mas se ao território, juntarmos o mar português (águas territoriais mais ZEE), Portugal salta para o 11º lugar a nível mundial! E se considerarmos o espaço ocupado pela ZEE proporcionalmente ao território terrestre, o nosso país passa para 1º lugar no mundo, se excluirmos alguns micro estados insulares.

Deste modo podemos avaliar a importância do mar em termos de segurança, desenvolvimento económico e de liberdade e flexibilidade estratégica, para o presente e futuro da Pátria portuguesa.

Por EEIN entende-se toda a superfície terrestre, marítima e aérea que possa ser relevante para os interesses nacionais, quer seja no âmbito da soberania, segurança (incluindo defesa avançada), económica ou de projecção de poder ou influência. Não deve, pois, falar-se de «espaço» mas sim de «espaços», que podem ser contíguos ou não, mas cujas valências devem ser complementares. Às eventuais superfícies marítimas e aéreas que possam existir entre o EEIN, chamar-se-á de «espaço interterritorial».

O núcleo «duro», se assim se pode chamar, do território nacional é constituído pelo Continente (89000 Km2), o Arquipélago da Madeira (800 Km2), o Arquipélago dos Açores (2300 Km2), e o espaço aéreo e marítimo adjacente de soberania plena que vai respectivamente da superfície até à Tropopausa (cerca de 50000 pés, ou 17 km) e 12 milhas na perpendicular da linha de costa. A tudo isto deve juntar-se a Zona Económica Exclusiva (ZEE) (200 milhas náuticas de mar na perpendicular da linha de costa; e as Regiões de Informação de Voo (FIR), de Lisboa e Santa Maria. Tanto a ZEE como as FIR representam áreas de soberania não exclusiva, abrangendo a primeira uma área de 1.700.000 km2 – a maior da UE – sendo a extensão das FIR de, respectivamente, 683.683 km2 e 5.126.635 Km2.

A tudo isto se deve acrescentar o alargamento da Plataforma Continental (PC), que não é mais do que a extensão da ZEE das 200, para as 350 milhas náuticas, o que alargará a área imersa de interesse nacional em mais 2.150.000 km2.

Este alargamento já foi submetido à ONU, aguardando-se a sua autorização, o que terá força de lei no Direito Internacional.

Desta forma, a união dos três núcleos do território nacional e áreas adjacentes constitui o conhecido «triângulo estratégico português» constituindo, por isso, um EEIN fundamental no âmbito da identidade e individualidade nacional, onde se inclui a segurança e defesa das linhas de comunicação marítima e aérea.

Governo aprova proposta de Lei-quadro
das Fundações


No dia 26 de Janeiro foi aprovada em reunião do Conselho de Ministros a Lei-Quadro das Fundações, aplicável às fundações em geral, tanto privadas como públicas. A proposta de lei deverá ser remetida à Assembleia da República para discussão e aprovação.

A aprovação desta lei pressupõe a introdução de algumas alterações ao capítulo do Código Civil que regula estas entidades.

Estabelece-se ainda um regime transitório para a adequação da situação actual das fundações à nova situação que se pretende regular, prevendo-se , nomeadamente, um prazo de seis meses para as adequações orgânicas e estatuárias que se revelem obrigatórias, desde que não sejam contrárias à vontade expressa do fundador.

As preocupações do Governo na criação desta lei passaram pela consciencialização de que, efectivamente, deve ser preservada a origem altruísta de cada fundação e de que devem ser criados mecanismos de controlo rigoroso e um regime exigente sempre que esteja em causa a utilização de dinheiros públicos.

Nesta sequência, a lei estabelecerá regras claras para evitar abusos na utilização do instituto fundacional, restringindo-se o uso do termo fundação às fundações reconhecidas no quadro do novo regime e consagrando-se uma separação evidente entre a instituição privadade fundações e a sua instituição pelo Estado.

Da mesma forma, embora se mantenha o regime de reconhecimento administrativo, pretende-se, com a nova lei, promover a transparência e o escrutínio independente sobre os procedimentos da Administração, constituindo-se um Conselho desgovernamentalizado que acompanha e emite pareceres sobre toda a actividade da Administração em matéria de fundações.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Os espaços estratégicos de interesse nacional (3)


João José Brandão Ferreira









Principais Erros Estratégicos dos Últimos 35 Anos

«A perda de Portugal foi de puro-sangue e, por isso, o ministro espanhol que não pense constantemente na reunião ou não obedece à lei ou não sabe do seu ofício.»
José de Carvalhal y Lencastre (Ministro de Estado ao tempo do Rei Fernando IV, de Espanha)

Os erros políticos e estratégicos feitos após a situação política e social começar a estabilizar nos fins dos anos 70 do século XX, foram muitos, foram graves e foram profundos. E o primeiro de todos eles foi o de não se começar por fazer um estudo da situação avaliando as consequências do pós 25/4 e fazendo um estudo do potencial estratégico que nos restava a fim de traçarmos uma estratégia para o futuro que nos pudesse proporcionar a Segurança, a Justiça e o Bem-Estar (por esta ordem) que permitisse ao País enfrentar o seu devir, de um modo sustentável.

Deste modo vou tentar elencar, em termos muito sucintos, os principais erros efectuados, agrupados em diversos âmbitos.

Âmbito Psicológico

O terramoto político e social porque passámos, provocou um corte traumático com o passado;

Por outro lado desarmou-se psicologicamente a população para a Defesa da Pátria (agora seríamos amigos de todos e todos seriam nossos amigos; e se houvesse algum problema lá estaria a NATO para nos defender...); e também para o trabalho e os sacrifícios (sem guerra, sem ditadura, sem exploradores), a Justiça e o bem - estar ia ser uma realidade para todos e depois de entrarmos na CEE, esta adesão garantia, só por si, a abundância e o Sol na Terra.

Ora tudo isto veio-se a revelar serem novos «fumos» da Índia.

Âmbito Político

A Lei Fundamental do País – a Constituição da República – está eivada de erros, os quais têm sido corrigidos muito devagar tendo-se, na última revisão, agravado extraordinariamente a nossa individualidade, ao passar o primado das leis para Bruxelas.

O Sistema Político que se montou tem-se revelado cheio de deficiências e inadequações e os actores políticos têm -se, até hoje, recusado obstinadamente a discutir a melhoria do sistema - o que representa a própria negação da Democracia.

Adesão à CEE sem o país estar preparado para tal e sem referendo que, dada a importância da decisão, se justificava plenamente.

Âmbito da Soberania

Desvalorização constante das funções do Estado relativas à soberania, nomeadamente as FAs, a Diplomacia e os Serviços de Informação.

As Forças de Segurança, aumentaram desmesuradamente mas a sua eficácia deixa muito a desejar porque simultaneamente deixou-se invadir as mesmas de uma miríade de sindicatos e associações; retirou-se-lhes autoridade e os tribunais não conseguem julgar adequadamente os processos que lhes chegam.

Âmbito da Justiça

Pura e simplesmente não é eficaz nem eficiente e está perfeitamente desajustada para a sociedade em que deve actuar. A «justiça» deixou de ser o estádio a atingir, e passou a ser um simples exercício deletério do Direito.

Âmbito Económico

Abandono do Mar em todas as suas vertentes

Abandono do sector primário

Reconversão muito lenta do sector industrial

Grande dependência do exterior a nível energético

Alienação por parte do Estado de número considerável de empresas «estratégicas».

Âmbito dos transportes

Aposta nos «TIR» em vez do caminho-de-ferro

Excesso de auto-estradas

Gestão ruinosa do sector de transportes do Estado

Portos e aeroportos pouco competitivos

Transportes marítimos quase inexistentes

Âmbito Financeiro

Privatização pouco cuidada de instituições financeiras

Crédito desregulado

Falta de estratégia clara para o apoio à Economia

Completa incapacidade (induzida ou real), dos órgãos reguladores do sistema financeiro em preverem o futuro

Adesão ao Euro sem o país ter condições para tal e, novamente, sem referendo.

Âmbito Social

Envelhecimento da população e demografia negativa (um problema gravíssimo de que ninguém quer falar)

Relativismo Moral galopante, acompanhado de temas fracturantes

Ditadura dos direitos sobre os Deveres

Crescente insegurança, corrupção e materialismo.

Assimetrias graves na distribuição da população pelo território.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Os espaços estratégicos de interesse nacional (2)


João José Brandão Ferreira










A Sociedade Portuguesa de 1974 ao Presente

«Uma Nação que confia em seus direitos, em vez de confiar em seus soldados, engana-se a si mesma e prepara a sua própria queda.»
Rui Barbosa

Em termos sociais e políticos a Revolução que se seguiu ao golpe de estado ocorrido em 25 de Abril de 1974, foi como se o paredão de uma grande albufeira tivesse explodido: a água jorrou fora, em catadupas invadindo as margens de uma forma anárquica.

Quando, muito a custo, após 25 de Novembro de 1975, se conseguiu voltar a colocar a água (isto é, o povo e os políticos) dentro do leito do rio – uma sociedade organizada em Estado/Nação – decretou-se oficial e oficiosamente, que o dito leito não voltaria a ter margens ou tendo-as, seriam muito flexíveis. E quanto a “barragens” estávamos conversados, eram passado e negro.

Foi a época de grandes mudanças comportamentais, de querer experimentar tudo e de tudo ser posto em causa.

As convenções sociais quase ruíram, as instituições nacionais foram seriamente abaladas, a disciplina social anarquizou-se.

A estrutura familiar, o ensino e a vida nas empresas foram sacudidas por uma agitação avassaladora. Ruíram conceitos e preconceitos e o que era bom ontem, passou a mau hoje. Ficou tudo baralhado de referências.

A situação mais gravosa que adveio – se assim se pode qualificar – foi a tábua rasa que se fez da hierarquia: a hierarquia na política, nas FAs, nos órgãos do Estado, nas empresas, nas escolas, na família. Falhada a tentativa de, sobre estes escombros, instalar um regime totalitário, ficámos assim.Ora a hierarquia é fundamental para manter uma disciplina e originar uma ordem. É um requisito para haver autoridade. Ficámos, pois, sem autoridade, ou seja sem a capacidade de poder decidir e de implementar decisões sobre todo o largo espectro da vida nacional.

As leis que se fizeram espelharam toda esta situação, e ainda espelham.

Toda a gente achou, a começar nas forças políticas que despontaram um pouco por todo o lado, cujas mensagens eram ampliadas extraordinariamente pelos “media”, que o futuro seria cor-de-rosa e que todos os cidadãos tinham direito a ser bafejados com essa cor. Daqui nasceu a “ditadura” dos direitos sobre os deveres, o que também ficou consagrado nas leis, desde Constituição da República ao Código Penal, dos Regulamentos das Escolas ao Código do Trabalho. Restou apenas uma excepção: os regulamentos militares mas, à custa de muita insistência lá os conseguiram, também, esfarelar.

Nem os seminários escaparam…

A pouco e pouco (levou cerca de 10 anos), a situação foi normalizando, os excessos mais extremos foram burilados e os diferentes sectores da sociedade foram-se adaptando às mudanças ocorridas. A demagogia da luta política/partidária manteve, sem embargo, o excessivo predomínio dos direitos sobre os deveres, o laxismo na instrução e no aparelho judicial e a conflitualidade nas relações de trabalho.

Acabou-se com o serviço militar obrigatório (um erro trágico) e com qualquer espírito de serviço à Nação. O único dever que restou foi o de pagar impostos!

Por outro lado deixaram de fazer escola, um conjunto de preceitos morais, como honradez, lealdade, solidariedade, esforço, poupança, probidade, prudência, etc., que eram enformadores da sociedade.

A boa educação degradou-se e o esbatimento da «censura» social desregulou e desbragou a vida do dia-a-dia.

Tudo isto aumentou os níveis de insegurança, criminalidade e falta de vergonha.

O atraso no desenvolvimento do interior do país, e a atracção do litoral, despovoou os campos e as aldeias, ao passo que se criou nas cinturas das grandes cidades – sobretudo Lisboa e Porto, mas também, em Braga, Leiria, Setúbal, Coimbra e outras - uma população sub urbana algo desenraizada e com problemas próprios. Os conflitos gerados nos Palop’s após a independência, a pobreza em largos espaços da terra e o facto de os portugueses passarem a recusar exercer determinadas actividades profissionais, levaram à vinda para Portugal de várias centenas de milhares de emigrantes.

A situação social voltou a agravar-se há cerca de 10 anos com o aparecimento em força de «temas fracturantes» e também com o ataque à religião cristã, nomeadamente aos católicos, num esquecimento imprudente dos erros da Primeira República.

Em síntese, podemos afirmar que vivemos uma tentativa de implantação de uma «ditadura ideológica e de costumes», misto de jacobinismo serôdio da Revolução Francesa e de ideias derivadas (e actualizadas!) do Maio de 68, em França, cuja disseminação é propalada pela maioria dos órgãos de comunicação social (com aumento exponencial a partir das emissões dos canais de televisão privados).

Em tudo isto abunda o relativismo moral, que virou as referências e o «norte» de pernas para o ar; a Teoria do «Bom Selvagem» inventada há mais de 200 anos pelo genebrino Rousseau, que tem levado a uma desresponsabilização colectiva, e a ideia de não colocar todos os «ovos no mesmo cesto», o que estilhaçou a autoridade e a capacidade de se obterem resultantes na vida individual e colectiva. Em complemento fomentou-se um individualismo, egoísmo e hedonismo feroz, centrando-se a vida da sociedade e a própria existência, no «eu». E, claro, de propaganda avassaladora relativa a consumismo.

Hoje vive-se a correr. Não há tempo para reflectir, nem para abarcar e digerir a complexidade de tudo. O materialismo domina o espírito.

Não é só a economia e as finanças que se pretendem globais. A informação já o é, e verte sobre todos nós dilúvios de notícias. Tudo condiciona tudo.

É uma sociedade neste estádio, de que apenas tentámos dar um retrato breve, em que todos teremos de obrar o futuro e as estratégias que se conseguirem delinear. Sem entender isto e ter tudo isto por base, não se obterá sucesso em nada.

A crise económica e financeira internacional, que se estará a abater sobre nós, actualmente no seu clímax, vai obrigar a repensar toda a nossa maneira de ser e estar.

Há sempre males que vêm por bem.