sábado, 4 de abril de 2015


Aconteceu-nos e pode voltar a acontecer


Helena Matos, Observador, 29 de Março de 2015

O que o percurso de Sócrates revelou foi uma enorme disponibilidade da esquerda para apoiar caudilhos e a extraordinária fragilidade daquele que, até hoje, tem sido o principal partido português, o PS.

Andamos todos muito entretidos a discutir o futuro das democracias por causa do crescimento de partidos que esperávamos ver como marginais – o Syriza, o Podemos e a Frente Nacional. Muitos de nós até agradecemos aos céus, ao PREC e ao PCP preservarem Portugal de tal assombração. Mas nem reparamos que aquilo que podia ter acontecido em Portugal e de certa forma aconteceu foi bem mais perigoso. Foi um grande partido tornar-se ele mesmo um instrumento das circunstâncias pessoais de um homem, José Sócrates.

Entendamo-nos desde já e antes que comece a ladainha na caixa de comentários sobre a inocência de José Sócrates e a sem razão da sua detenção: não me interessam as acusações de natureza criminal que possam vir a ser feitas contra o antigo primeiro-ministro. Experimento aliás uma imensa vergonha de cada vez que saem mais notícias sobre tal assunto. Afinal não passo de uma provinciana cidadã de um pequeno país que sabe que este tipo de casos acontece em todo o lado mas que também não ignora que o mundo reage institucionalmente quando estes casos acontecem com o Kremlin ou o Palazzo Chigicomo panos de fundo.

Pelo contrário se o cenário for aquela pequena vivenda de S. Bento a que por aqui chamamos palácio, os sorrisos escarninhos e condescendentes logo aparecem. A isto, que já não é pouco, junta-se o meu sério temor que ao reduzirem-se as dúvidas sobre a actuação de José Sócrates a um ou muitos casos de justiça acabemos a esquecer o essencial: a condenação ou absolvição num tribunal não pode nem deve substituir-se ao juízo moral nem político.

Feita esta introdução passemos ao que me interessa: a política. E aos falarmos de política chegamos àquilo que o percurso de Sócrates revelou: uma enorme disponibilidade da esquerda para apoiar caudilhos e uma extraordinária fragilidade daquele que, até agora, tem sido o principal partido português. Não interessa que o PS ganhe ou perca as eleições. A linguagem, o paradigma, as referências, o padrão do regime são socialistas em Portugal.

Cavaco Silva conseguiu enormes vitórias eleitorais mas continua a ser visto como um intruso no poder. Os estadistas são Soares e Guterres. Sá Carneiro só é uma referência transversal porque morreu. E é muito cedo para dizer que Passos Coelho conseguirá alterar esta espécie de pacto de regime. Portanto, que o PS possa ser capturado por um grupo que o coloca ao serviço dos seus particulares desígnios não diz apenas respeito aos socialistas. Diz respeito a todos nós. Não tenho aliás grandes dúvidas sobre o que seria o funcionamento das instituições da democracia portuguesas devidamente entregue a pintos monteiros e noronhas do nascimento, caso o governo em funções em 2011 não se tivesse visto obrigado a chamar a troika e que consequentemente Sócrates não tivesse perdido as eleições em 2011. De igual modo tenho quase a certeza que Sócrates preparava uma candidatura presidencial quando foi detido. Para tudo isso podia contar com o PS transformado no seu círculo protector.

Mas deixando o plano do que nos poderia ter acontecido voltemos ao plano do que de facto nos aconteceu e não pode voltar a acontecer: um partido, para mais um grande partido, sofrer um processo de captura pelas circunstâncias pessoais do seu líder. E este usar em proveito próprio as características desse mesmo partido. No caso, a cultura jacobina a par da convicção de superioridade intelectual e moral dos quadros e simpatizantes socialistas levou-os a transformar o partido numa espécie de milícia de defesa de Sócrates.

Note-se que os partidos socialistas sempre foram um objectivo para a chamada táctica do «entrismo» que, como é próprio de todas as tácticas políticas muito ardilosas mas pouco eficazes, nasceu da cabeça dos trotsquistas.

Resumidamente a coisa passar-se-ia assim: militantes trotsquistas escondendo a sua pertença ideológica filiavam-se noutros partidos, sobretudo nos socialistas democráticos. Uma vez lá dentro tinham como objectivo transformar estes partidos reformistas em partidos revolucionários.

Tudo isto tem as suas variantes que no caso português acabam geralmente com a irónica suspeita de que o estalinista PCP seria o grande beneficiado caso a tendência «entrista» de Manuel Serra tivesse vingado no congresso do PS de 1974. Já em França o entrismo foi bem sucedido quando o antigo militante trotsquista Lionel Jospin se tornou líder do PSF. Acontece contudo que sendo os trotsquistas notáveis a conceber tácticas são também incapazes de atender ao essencial: o infiltrado podia esquecer-se da missão que trazia e aderir às teses da organzição que deveria subverter. Assim nunca se soube se Lionel Jospin foi ou não um agente do entrismo da Organização Comunista Internacionalista dentro do PSF. Mas em boa verdade não fez nada para transformar o PSF num partido revolucionário. Aliás enquanto primeiro-ministro proferiu a frase «l’État ne peut pas tout» um óbvio ululante mas dizer em França no ano de 2002 que o Estado não pode tudo era um perfeito sacrilégio face ao estatismo então e agora reinante na esquerda e na direita daquele país.

Espantosamente (ou talvez não) o PS português, que sempre manifestou prudência face aos candidatos a entristas ou que teve a capacidade de os tornar politicamente apresentáveis como fez com Ferro Rodrigues e Jorge Sampaio (antigos radicais do MES) deixou-se instrumentalizar por Sócrates. O que esse episódio nos veio mostrar é que qualquer um que domine o jargão da esquerda e a leve a acreditar que ele sim vai derrotar a direita inevitavelmente ultra-montana, retrógrada e reaccionária («a mais estúpida do mundo» e «neo-liberal» também são expressões a considerar) terá não apenas o apoio mas também a devoção do eleitorado socialista. Mais, contará com o silêncio dos estridentes compagnons de route dos socialistas, como é o caso do BE e seus múltiplos derivados, que vivem na esperança de fazer o melhor negócio da política portuguesa: associarem-se ao PS ou serem convidados a entrar naquele partido.

Seja qual for a modalidade, uma regra aplica-se sempre: nunca uma gente que não vale mais que meia dúzia de votos consegue tanto protagonismo e alarido em torno das suas pessoas. Para cúmulo ficam sempre com a aura de serem a consciência de esquerda do PS o que é meio caminho andado para se tornarem personalidades de referência e para que o PS se convença de que fez um bom negócio.

Assim, o que perturba não é tanto o que Sócrates fez mas sim aquilo que muitos no PS e nessa entourage que vive de o PS ser poder não quiseram ver que ele fazia. Perturbante é ainda e sobretudo constatar que o povo socrático continua à espera de quem lhe pegue. Não, não me estou a referir aos que vão cantar hinos para a porta da prisão de Évora mas sim a essa plêiade de notáveis que quanto mais insanes eram as medidas que o então primeiro-ministro tomava mais eles resguardados nas suas universidades, institutos, fundações, ordens e observatórios, garantiam que o primeiro-ministro devolvera a esperança aos portugueses. Essa gente continua aí, disponível, à espera não só de quem lhes prometa o impossível mas sobretudo de quem consiga envolver essa promessa num imaginário de uma esquerda a «malhar na direita». Tal como anunciava aquele homem que nos Restauradores vendia os mais improváveis objectos «É disto que o meu povo gosta!»

Na verdade o PS gostou de Sócrates e aquilo que esperam de cada novo líder é que ele lhes devolva o espírito miliciano que tiveram com Sócrates. Nada disto é crime. Mas politicamente falando é um desastre. Para maior azar foi o nosso desastre e pode voltar a sê-lo outra vez.





quinta-feira, 2 de abril de 2015


Acidente da Germanwings:

impotência e humilhação colectiva


Pedro Afonso

De acordo com as informações disponíveis, a queda do Airbus 320 da Germanwings na região nos Alpes, em que morreram 150 pessoas, terá tido origem num acto deliberado do co-piloto Andreas Lubitz. O jornal alemão Bild avança a informação de que Andreas Lubitz terá recebido tratamento psiquiátrico há cerca de seis anos por apresentar sintomas de depressão profunda. Estas informações levantam a possibilidade de existir uma doença psiquiátrica grave por detrás deste acto aparentemente suicida.

Embora tenhamos de ter a devida reserva por não conhecermos os factos na sua totalidade, o acidente é suficientemente grave para merecer algumas reflexões. Em primeiro lugar, este acidente levanta a questão dos riscos das doenças psiquiátricas no mundo laboral. Um relatório recente, publicado este ano pela OCDE, revelou que cerca de 20% da população em idade activa sofre de uma doença mental a qualquer momento e uma em cada duas pessoas (50%) vai sofrer um período de má saúde mental durante a vida.

Quando um indivíduo sofre de depressão grave e continua a exercer a sua actividade profissional sem o acompanhamento adequado, esta situação pode ser particularmente perigosa e sensível em determinadas profissões, como é o caso dos pilotos de aviação, agentes de segurança, militares, etc. Um dos perigos reside no risco de suicídio. Cerca de dois terços das pessoas que cometem suicídio sofrem de depressão. Além disso, no caso de o indivíduo sofrer de depressão, o risco de cometer suicídio é cerca de 21 vezes superior à restante população.

Mas como é que se podem detectar estas situações em profissões de risco? Contrariamente ao que tem sido referido por alguma comunicação social, a depressão grave não é uma «doença psicológica» que pode ser facilmente detectada por testes. A depressão grave é uma doença orgânica que provoca muitas alterações fisiológicas, atingindo o cérebro e outros órgãos, e que afecta a capacidade de sentir, pensar e agir. O seu diagnóstico é clínico — já que não existe um exame específico —, não podendo ser efectuado por testes psicológicos. No entanto, estes testes podem ajudar a seleccionar os candidatos a pilotos, identificando alguns factores de risco para vir a sofrer de doenças mentais, nomeadamente associados à personalidade, mas não diagnosticam propriamente doenças psiquiátricas.

Por que será que um indivíduo se suicida e decide matar juntamente consigo uma série de pessoas inocentes? A resposta a esta pergunta é difícil, mas sabemos que existem doenças psiquiátricas graves, embora raras (por exemplo, a depressão psicótica), nas quais o indivíduo pode apresentar sintomas psicóticos, mais concretamente ideias delirantes de conteúdo niilista. Neste caso, a pessoa pode acreditar que tudo acabou, a esperança desaparece e não há futuro; portanto, está convicta de que não existe solução para o sofrimento que se tornou insuportável, julgando ainda que os outros se encontram na mesma situação. Assim, este acto homicida é visto pelo próprio como um acto de compaixão. É o chamado «homicídio oblativo ou piedoso», já que o indivíduo considera (erradamente) que ao matar os outros está a ter um gesto de misericórdia.

Que factores na área da aviação podem contribuir para o aumento das doenças psiquiátricas? Um dos aspectos que se encontram relacionados com este tema diz respeito ao stresse profissional. Esta situação pode dar origem a uma autêntica doença ocupacional (burnout) que ainda é muitas vezes ignorada pelos vários responsáveis. Com frequência surgem queixas, por parte dos pilotos e restante tripulação, de que a carga horária é excessiva e que nem sempre são respeitados os intervalos de descanso. Aparentemente, este fenómeno tem vindo a aumentar, já que a competição entre companhias de aviação é enorme, e a tentativa de reduzir ao máximo os custos tornou-se uma obsessão dos gestores. O incremento do stresse profissional pode aumentar o risco de aparecimento de doenças psiquiátricas e com isso colocar em causa a segurança.

Esta recente tragédia veio trazer para o debate público a questão da segurança na aviação. Para além disso, deveria também alertar para o aumento das doenças psiquiátricas no mundo do trabalho e para a importância que se deve dar à saúde mental, independentemente da profissão. Este é um assunto complexo para o qual não existem soluções fáceis. Seja como for, há que criar condições para prevenir e detectar estas situações o mais precocemente possível, evitando-se as consequências terríveis que um aparente suicídio como este acarreta, levando à morte 150 inocentes e gerando um sentimento de impotência e de humilhação colectiva.


NOTA DA REDACÇÃO

As estatísticas sobre as doenças mentais aqui apresentadas pecam por defeito dado que o gangue dos invertidos conseguiu que a sua doença fosse retirada da lista das doenças psiquiátricas. Não é doença, é opção do «género»...





segunda-feira, 30 de março de 2015


Esta é a ONU dos «sábios» Adriano Moreira e Freitas


Heduíno Gomes

No nosso post «Assembleia Geral vota a favor do 'casamento' entre invertidos e fufas» há ainda a acrescentar uma pequena nota.

Esta é a ONU dos nossos «sábios» Adriano Moreira e Freitas do Amaral, que pretendem colocar a ONU a governar o mundo.

Dois académicos parolos sem visão de Estado e sem perspectivas nem para a Civilização, nem para o Ocidente nem para Portugal.






Assembleia Geral da ONU vota a favor

do chamado «casamento» entre invertidos e fufas


Stefano Gennarini, resumido

Tradução: Julio Severo

Numa reunião do orçamento animada e surpreendentemente cheia na semana passada, os países membros da ONU aprovaram benefícios especiais para qualquer funcionário invertido ou fufa da ONU.

Uma proposta na Assembleia Geral quase reverteu a decisão unilateral do secretário-geral em Junho passado estendendo benefícios de casamento para qualquer funcionário invertido ou fufa da ONU, ainda que o seu país de origem não reconheça o «casamento entre invertidos e fufas».

O Secretário-Geral da ONU com o universalista,
relativista e multiculturalista Sampaio.

O que é surpreendente é que 80 países votaram a favor para permitir tais benefícios. Só 43 países votaram para revogar a decisão executiva, e 70 países cujas leis não estão em coerência com a acção executiva ou se abstiveram do voto (37), não apareceram ou não chegaram a dar um voto (33). Se todos esses países tivessem votado, é provável que a Assembleia Geral tivesse revogado o secretário-geral.

Uma mensagem do secretário-geral defendendo a sua decisão foi lida antes da votação, dizendo que era seu «privilégio e dever» tomar tais decisões. Os Estados Unidos, os países europeus e os países nórdicos tomaram a palavra para repercutir os comentários dele sobre a necessidade de promover a «igualdade.»

Fontes dizem que o resultado da votação não deveria ser visto como uma exibição mundial de apoio aos direitos LGBT, mas como prova da dominação completa dos países ricos que fazem doações no orçamento e nas questões administrativas da ONU. O resultado aumenta a percepção de que os países membros não têm a mesma agenda social dos países ricos que fazem doações e têm menos adesão no sistema.

Até mesmo entre os 80 países que votaram com o secretário-geral, pelo menos metade deles não tem condições de dar benefícios especiais para invertidos e fufas nas suas leis nacionais. O casamento entre um homem e uma mulher permanece como norma na maioria dos países e não mais do que 40 países no mundo inteiro dão benefícios a invertidos e fufas por meio de leis que sancionam o tão chamado «casamento» entre invertidos e fufas ou uniões civis. Até mesmo na Europa poucos países sancionam tais «casamentos» sem qualificação.

As abstenções e ausências são o produto de uma campanha de seis anos realizada pelos Estados Unidos e países europeus para fazer com que os países se abstenham durante as votações envolvendo direitos lésbicos, invertidos, bissexuais e transgêneros (LGBT) na ONU.

Esta não é a primeira vez que a Assembleia Geral dá a sua aprovação oficial a uma decisão do secretário-geral para garantir benefícios de casamento para funcionários invertidos e fufas da ONU.

A resolução de 2004 foi adoptada pela Assembleia Geral depois de uma acção executiva similar do secretário-geral, e limitava o alcance da sua decisão para estender benefícios de casamento para invertidos e fufas. Desta vez a votação foi necessária.

A votação foi um caso que estabeleceu um precedente para futuras acções conjuntas dos países europeus e do secretário-geral para avançar direitos LGBT por meio do sistema da ONU, apesar da falta completa de qualquer mandato em resoluções da ONU. Um precedente foi agora estabelecido para o secretário-geral abertamente desafiar o consenso da Assembleia Geral em questões LGBT.





domingo, 29 de março de 2015


O igualitarismo e a lista VIP

Se a parvoíce do Governo pagasse imposto

Portugal não tinha crise


Helena Matos, Observador, 19 de Março de 2015

Não faço ideia se existe ou não lista VIP no fisco mas se não existe devia existir: o Estado obriga-nos a entregar aos serviços fiscais informações que o mesmo Estado nos garante serem de natureza privada. Logo o mínimo que o mesmo Estado tem de assegurar é que essas informações não serão divulgadas. Ter em conta que as informações de alguns cidadãos poderão ser alvo de um maior interesse é elementar.

Podemos discutir quem está nessa lista, como é ela elaborada, questionar em que medida os dados de quem lá não está ficam bem ou mal protegidos mas a partir do momento em que se garante que determinados dados na posse do Estado são da esfera privada cabe ao Estado garantir que assim permanecem.

Note-se que o crescimento do Estado Social levou a que duas entidades – a máquina fiscal e o Serviço Nacional de Saúde – detenham hoje informações sobre as nossas vidas que a polícia política alguma vez em Portugal almejou conseguir. Fazer uma lista dos nomes mais prováveis de uma divulgação indevida dos seus dados é de um básico bom senso.

Aliás seria interessantíssimo discutirmos as dificuldades e os falsos entraves que o fisco, as polícias, os tribunais, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, as autarquias… levantam para impedir o acesso às informações que obrigatoriamente têm de ser facultadas. Não talvez por acaso, nesta matéria não há coincidências, assistimos em simultâneo ao proliferar de um jornalismo cada vez mais dependente de fugas de informação.

E em boa parte é disso, da gestão das fugas de informação, que se trata nesta polémica: uma corporação habituada a gerir a divulgação dos dados fiscais de alguns cidadãos ficou muito irritada porque percebeu que essa prática, que é também uma forma de poder, estava a findar e contra-atacou denunciando a existência de uma lista, logo denominada VIP, da qual constam pessoas cujos dados ficais serão objecto de maior protecção perante acessos indevidos. Como não podia deixar de ser a lista VIP tornou-se num problema político em boa parte por erro do Governo.

A forma desatinada (e, na minha opinião, desleal para com os funcionários da administração fiscal) como o Governo está a reagir a esta crise é bem sintomática do complexo de não ser de esquerda misturada com o frenesi deste ser ano de eleições que se apossou do executivo. E executivo algum em Portugal está preparado para ser acusado do pecado capital da desigualdade. É dos livros: mal a palavrinha desigualdade aparece no meio daquilo que pode transformar-se numa polémica logo os acusados de desigualdade tratam de mostrar que são ainda mais igualitários que os outros e, nesses momentos, vale tudo. Até a apologia do igualitarismo.

Hoje é o problema da igualdade perante o fisco, expressão por si mesma anedótica pois a desproporção de poderes entre os cidadãos e a máquina fiscal chegou a níveis tais que os cidadãos que outrora fomos se transformaram em contribuintes constantemente em falta: há sempre uma taxazinha ou um imizinho para pagar. Ou, na falta deles temos essa frota automóvel única no mundo que apenas existe para o fisco português composta por automóveis entretanto passados a sucata mas que na impossibilidade de provarmos não só que já não nos pertencem mas que na verdade já nem existem continuam, fiscalmente falando, a circular e pagando o respectivo IUC.

Mas voltemos à desigualdade: o Estado não pode tratar de forma igual o que é diferente. Existe uma maior probabilidade de que alguém tente aceder aos dados fiscais de Cristiano Ronaldo do que aos de um jogador só conhecido no seu bairro. De igual modo um titular de um cargo político tem por isso mesmo poderes e obrigações diferentes dos demais cidadãos. Estes últimos, por exemplo, não depositam declarações de interesses no Tribunal Constitucional, onde aliás podem ser consultadas por qualquer cidadão. Ou, tendo nós constitucionalmente consagrado o direito à segurança, sabemos que existem cidadãos aos quais o Estado garante uma segurança diferenciada: alguns membros do governo em funções ou antigos presidentes da República têm polícia à porta. Claro que isso é uma desigualdade contudo não é por ser desigualdade que é condenável.

Prosseguindo na senda da desigualdade: quantos de nós não gostaríamos de chegar e estacionar à porta dos edifícios municipais ou ter direito a carro com motorista? Pois é, mas não temos. Não duvidando eu dos abusos que se cometem nestas áreas (particularmente por uns titulares desses cargos que em público abominam o automóvel e nos mandam deslocar de bicicleta!) e defendendo que devia ser muito maior o escrutínio sobre a extensão desses direitos, não contem comigo para fazer a apologia do «acabemos já com estas desigualdades» a que se segue o consensual «isto é uma pouca vergonha» que conduz ao inevitável «têm de rolar cabeças». Às vezes rolam as melhores mas isso para o caso não interessa nada: tem é de se mostrar à turba a cabeça que rolou.

Todos sabem como começa este jogo do combate à desigualdade mas que muitos fazem de conta que não sabem como acaba: oficialmente aquela iníqua desigualdade é dada por extinta. Na prática institui-se nos bastidores uma desigualdade muito maior só que deixa de ser mediaticamente mencionável. No caso da lista VIP que o Governo diz que nunca existiu não é difícil antecipar o que aí vem: as fugas cirúrgicas sobre dados fiscais vão continuar; os cidadãos comuns não ficam mais protegidos pelo desaparecimento da lista VIP; aumenta o poder informal, logo não questionável, de quem gere o que se sabe e de quem.