quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Política a Sério

José António Saraiva

A conclusão do caso Freeport, conhecida na semana passada, foi a terceira tentativa para dar cabo do processo. E parece que resultou.
A primeira investida data de 2004. Procurou-se então matar o caso ‘no ovo’ – fazendo passar a ideia de que se tratava apenas de uma manobra política (orquestrada por Santana Lopes) para atingir José Sócrates. Confesso que aceitei esta versão.Sócrates, como ministro do Ambiente, projectava a imagem de governante determinado, que cortava a direito, não cedia a pressões nem fazia favores – sendo natural que o tentassem denegrir.
Assim, quando em 2008 a jornalista Felícia Cabrita me voltou a falar do tema, torci o nariz.
Mas agora havia mais matéria: havia uma carta da Polícia inglesa, havia uma reunião do Eurojust em Haia onde o processo tinha sido tratado.
Mesmo assim exigi documentos, provas.
E elas começaram a pingar.
Publicámos a primeira notícia, que o PGR se apressou a desmentir – mas o processo lá começou a fazer o seu caminho, provocando inúmeros incómodos.
Quando o Freeport já assumira grande importância e era um caso nacional, soube-se que Lopes da Mota, o representante de Portugal no Eurojust, tinha feito pressões junto dos magistrados portugueses, invocando os nomes do ministro da Justiça e do primeiro-ministro, para o processo ser arquivado.
Era a segunda tentativa para abafar o caso.
E aqui eu percebi que havia qualquer coisa escondida.
Se o tema era inócuo, como se justificavam tantos cuidados?
Se tudo tinha sido legal, porque havia tanto medo?
Mas o freeport lá continuou a avançar – e na semana passada a Procuradoria anunciou a conclusão do processo, acusando dois indivíduos e ilibando José Sócrates.
O primeiro-ministro veio a público cantar vitória – e os seus apoiantes embandeiraram em arco: provava-se que Sócrates estava totalmente inocente!
Só que, no dia seguinte, o Público revelava que o caso tinha sido encerrado às três pancadas – e que todas as dúvidas que envolviam Sócrates se mantinham intactas.
Mais: os magistrados faziam questão de incluir no processo as 27 perguntas que não tinham tido ocasião de colocar ao primeiro-ministro – e que, no fundo, ficavam a pairar como outras tantas suspeitas.
Durante o tempo que durou este processo fiz várias vezes a mim próprio a seguinte pergunta: como se explica que, tendo o nome de Sócrates sido tantas vezes referido, os investigadores não o tenham ouvido?
Como se percebe que, sendo ele o principal responsável do Ministério que esteve no centro de toda a polémica, não tenha sido chamado a dar explicações?
Como se entende que, sendo o superior hierárquico de vários arguidos no processo, não tenham precisado de lhe perguntar coisa nenhuma?
Não era compreensível.
Agora entendi: os investigadores queriam acumular o máximo de dados antes de ouvirem Sócrates.
Sendo ele agora primeiro-ministro, preferiram juntar todas as dúvidas para o ouvirem de uma assentada.
Só que, quando o iam fazer, o PGR mandou encerrar o processo.
Como um árbitro que apita para o fim do jogo quando vai ser marcado um penálti.
A decisão do PGR custa muito a entender.
Ninguém percebe por que razão o caso Freeport teve de ser fechado à pressa – quando, na mesma semana, a sentença do caso Casa Pia, anunciada com grande aparato, foi adiada por um mês.
No Freeport o PGR funcionou uma vez mais como um pára-choques do primeiro-ministro.
O que não espanta: em caso de dúvida, ele tem decidido invariavelmente a favor de José Sócrates.
Pinto Monteiro iniciou o seu mandato cheio de boas intenções.
As suas primeiras declarações eram frontais e revelavam independência.
Só que, com o acumular de casos envolvendo o chefe do Governo, o PGR foi--se sentindo encurralado pela comunicação social – e foi-se deixando encostar ao primeiro-ministro (num processo semelhante, aliás, ao que ocorreu com Marinho Pinto).
Ao ponto de podermos dizer que José Sócrates e Pinto Monteiro combatem hoje ombro a ombro na mesma trincheira: as críticas a um são vistas como críticas ao outro.
Para isso também contribuirá a amizade antiga de Pinto Monteiro com Proença de Carvalho – que por sua vez é advogado de Sócrates.
 
Uma última nota para o próprio Sócrates.

O primeiro-ministro decerto soube as condições em que o processo Freeport foi encerrado – e as perguntas que os magistrados queriam fazer-lhe e não puderam.
Ora como é que, sabendo isso, se prestou a fazer a declaração que fez, congratulando-se por ter sido completamente ilibado?
Como foi possível? Ao menos tinha ficado calado – e não vinha a público fazer aquele número de teatro. Para o primeiro-ministro já tudo é farsa, representação?
O certo é que, neste estranho caso, Sócrates acaba mais suspeito do que começou – porque as dúvidas sobre alguns dos seus actos ficaram registadas no processo para a posteridade.




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Sua Alteza, Monteiro I

Alberto Gonçalves

O Procurador-Geral da República queixou-se, em entrevista ao DN, de possuir os poderes da Rainha de Inglaterra. Com todo o respeito, não é exactamente verdade. Desde logo, porque a Rainha de Inglaterra não pode dar entrevistas a queixar-se de ter os poderes do dr. Pinto Monteiro. Depois, porque ou eu estou enganado ou à Rainha de Inglaterra não cabe "dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público e emitir as directivas, ordens e instruções a que deve obedecer a actuação dos respectivos magistrados".

A Isabel II nem sequer é permitido emitir palpites acerca das instituições judiciárias inglesas. Já o nosso procurador-geral não só manda nas suas equivalentes de cá como misteriosamente intervém nas de lá, pelo menos a julgar pela rapidez com que assegurou a inocência do eng. Sócrates logo no início da versão britânica da novela Freeport.

O procurador-geral tem o direito de achar que tamanha autoridade não lhe chega? Claro que sim, na medida em que cumpra o dever de agir em conformidade. É duvidoso que um magistrado com a experiência do dr. Pinto Monteiro não conhecesse previamente os reais poderes do cargo para que o nomearam. Se conhecia, o bom senso aconselhava a que recusasse a nomeação. Se não conhecia, o bom senso recomendava que se demitisse com urgência. Se não se demitiu ou demite, o pudor sugere que não venha exigir competências através da imprensa.

Isto, naturalmente, se as afirmações do dr. Pinto Monteiro, sempre desastradas na forma, tivessem alguma razoabilidade no conteúdo. Mas, se por exemplo a gentil arbitrariedade aplicada às "escutas" ao primeiro-ministro não bastasse, o apoio dedicado ao procurador-geral por figuras do gabarito do bastonário dos advogados e da dra. Morgado dos super-processos-que-nunca-vão-longe prova concluden- temente que não há razoabilidade nenhuma.

Há a história pessimamente contada do famoso outlet, há uma investigação curiosamente enxovalhada pelo topo hierárquico e há uma justiça que finge querer influenciar a política para disfarçar a influência que a política exerce de facto sobre a justiça. Há, em suma, pouca vergonha. E não poucos poderes.



Na Argentina:

Filhos adotivos recusam possibilidade de adoção
por "casais" homossexuais

Ver artigo em:

http://uniaodasfamiliasportuguesas.blogspot.com/2010/08/na-argentina-filhos-adotivos-recusam.html






Sua Santidade Sócrates ascende aos altares

João Miguel Tavares, Correio da Manhã 

Quando SSS (Sua Santidade Sócrates) apareceu terça-feira na sua residência oficial a congratular-se com o fim da investigação ao caso Freeport, afirmou – e cito – que assim se demonstrava não haver "razão para acusar quem quer que fosse de financiamento ilegal a partidos, corrupção ou tráfico de influência".

Depois virou as costas e foi-se embora, porque não há nada como uma boa proclamação de inocência sem direito a perguntas – actividade que o primeiro-ministro muito aprecia, seja em declarações à imprensa, seja em entrevistas à RTP.

Infelizmente, SSS mais uma vez confunde – outra das suas actividades favoritas – o não haver "razão para" com o não haver "provas de". Isto já para não falar da diferença entre responsabilidade política e responsabilidade criminal, uma subtileza demasiado subtil para a sua cabecinha. O caso Freeport fede, fedeu e continuará a feder por todos os lados, e lá por a polícia e o Ministério Público não terem sido capazes de descobrir os responsáveis pelo mau cheiro, não significa que ele não exista. Aparentemente há provas de que Manuel Pedro e Charles Smith pediram muito dinheiro ao Freeport e que o Freeport lhes entregou esse dinheiro – e o elo quebra-se aí. Mas tenho cá para mim que os dois senhores não hão-de ter agarrado nas notas para fazer barquinhos e lançar ao Tejo. Desconfio de que as entregaram a alguém – até porque o Freeport acabou miraculosamente aprovado nas vésperas de o PS sair do governo.

Ora, a esta pergunta José Sócrates nunca respondeu: porque é que o empreendimento foi aprovado nas vésperas de o PS sair do governo? O nosso SSS fez declarações, deu um par de entrevistas, mas esta singelíssima questão continua envolta no mais profundo mistério. E – aposto – assim continuará, até porque a linha que separa a verdade da mentira há muito se eclipsou da sua confusa memória.



Os hospitais das Forças Armadas

João Brandão Ferreira

Grassa, novamente, grande celeuma por causa da reforma da saúde militar, assunto recorrente desde os idos de … 1977!

Cada vez que chega ministro novo, lá se desenterra a polémica da reforma da saúde militar, grupo de trabalho para aqui, discussão para acolá, memorandos, notícias nos jornais, palpites a esmo.Ninguém se entende, avanços e recuos. Sai montanha aparece o rato.

Alguma coisa se tem feito e parece que ninguém está satisfeito mesmo quando as coisas não funcionam nada mal.

Com o anterior ministro, a cena repetiu-se, mas como não tinha força no governo e no partido que o sustentava, nem grande jeito para a função, tudo se baldou em nada. Agora temos um ministro ignorante da coisa militar, com passado trotkista e anti militarista primário, mas com peso político. E já demonstrou que não é peco de ideias. Daí a voltar à carga na saúde militar, foi um fósforo.

Desta vez a coisa soa a sério.

Só que não sabemos se são sérias as intenções do senhor ministro e os exemplos dos seus antecessores não são de molde a sossegar-nos.

As principais razões que estão na origem das dificuldades em avançar nesta aérea – que é complexa, é bom que se refira – é a falta de conhecimento dos políticos nesta matéria e não saberem exactamente o que querem para além do “deja vú”: reduzir custos e alienar património, a fim de obter uns trocos que lhes aliviem a tesouraria...

Além disso condicionam, à partida, qualquer reestruturação que se deva fazer, pois não querem ouvir falar em investimento. Ora está para vir o tempo em que se pode fazer uma sem o outro…

A Armada,o Exercito e a FA, também não se entendem sobre o que querem – quando querem. Aqui há um problema de raiz que começa dentro de cada ramo: de um modo geral a hierarquia militar percebe pouco de saúde (e não tem apetência para isso), ao passo que o pessoal ligado à saúde, não entende quase nada de tropa (nem tem apetência para isso). Ora como estamos a tratar de dois termos “saúde” e “militar” estes camaradas em vez de se entrincheirarem atrás de eventuais preconceitos melhor seria que aparassem a ignorância que lhes cabe em sorte e tentassem aprender uns com os outros. A crónica falta de exclusividade entre o pessoal da Saúde e as rotinas criadas,fazem o resto.

A um nível em que as coisas já não se passam assim, isto é, o Conselho de Chefes Militares, cada um refém de uma realidade distinta, falha-se no entendimento e entra-se em passo trocado com o senhor ministro que nem sabe marcar passo, mas tem o ministro das finanças e um lote de jornalistas à perna.

Entra-se de seguida, em cacafonia.

No meio da cacafonia percebe-se, contudo, que ninguém está, aparentemente, preocupado com a Saúde Militar. O assunto está desfocado.

Sejamos claros: a única razão para a existência de um Serviço de Saúde Militar (SSM), em cada ramo é o apoio às forças em operações. E como a realidade operacional de cada ramo é diferente, cada serviço de saúde tem que estar organizado em conformidade. Nem tudo é miscível, embora haja actividades que podem ser exercidas em comum. O apoio às tropas, isto é, à sua operacionalidade, corre um largo espectro de acções: selecção e recrutamento; prevenção da doença; aconselhamento de estado maior; investigação; apoio directo às operações de combate; evacuação e tratamento de feridos, tanto em hospitais de campanha como em hospitais de retaguarda (tudo aliás bem definido a nível NATO), recuperação de indisponíveis a fim de que posam ser lançados novamente no serviço activo; tratamento e assistência a deficientes; gestão de stocks de medicamentos e material de apoio médico e cirúrgico,etc; e nos últimos anos até se têm desenvolvido uma quantidade apreciável de acções saúde militar, no âmbito da cooperação técnico militar, com os PALOPs e em operações de Paz e Humanitárias, que vêm sendo desenvolvidas no espectro bilateral, NATO, ONU, UE, etc.

Ora salvo melhor opinião, não parece que alguém ande preocupado ou a discutir algo disto. O que se anda a discutir é o que os SSM devem fazer na sua capacidade supletiva, isto é, o apoio à família militar (o que não é dispiciendo). Ora a família militar com o fim das campanhas ultramarinas, aumentou muito, ao passo que os efectivos no activo não pàram de diminuir. Daí a pressão nos hospitais das FAs, alguns dos quais foaram,entretanto, fechando…

Ora bem, o apoio à família militar é mais um problema do IASFA do que dos Ramos e respectivos serviços de saúde e pode ser resolvido estabelecendo contratos com os hospitais e centros de saúde civis, o que já acontece em muitos casos.

Acontece também que os hospitais militares, estão a abarrotar com doentes, pois apoiam outrossim os efectivos da PSP e GNR (que já dobram o número dos militares…), além de que se alargou o apoio em determinadas especialidades aos utentes da ADSE, ou seja está tudo a trabalhar em ocupação adequada e em proveito de todos.

Há apenas que racionalizar o que fôr de racionalizar, como aconteceu por ex., no hospital da Força Aérea com a marcação de consultas – que melhorou imenso – depois de um incidente evitável. Não se percebe pois, qual é o problema nem porque o senhor ministro insiste em transformar quatro hospitais que estão a funcionar relativamente bem e reduzi-los a um (mais um hospital no Porto), ainda por cima sem querer gastar um tostão? Quer arranjar um monstro como S. Maria? Mas para ser apenas um, não pode ser qualquer dos militares existentes, pois nenhum deles comporta o volume de trabalho dos quatro, além do que mudar infra estruturas custará muito dinheiro, fora os símbolos de impossibilidade...E o que fazer com os investimentos que continuadamente se têm feito nos actuais hospitais? E se se transferir um fluxo de utentes para os hospitais civis (com o ónus moral na família militar …), não se vai transferir os custos de um lado para o outro?

Tudo isto impondo-se prazos irrealistas. O resultado será o nivelar por baixo, a confusão no sistema, como aconteceu recentemente com as mudanças na “assistencia na doença”. E resta esperar que muitos dos profissionais de saúde não façam as malas e abalem...

Porém, a cereja em cima de todo este bolo é a discussão sobre o serviço de urgência militar!

Julgamos que na actual conjuntura não se torna necessário qualquer serviço de urgência conforme aquele que conhecemos nos hospitais que a têm. Nada o justifica ( além de que não há meios!). Em primeiro lugar porque a rede de urgências no País é suficiente . Qualquer acidentado militar pode ser transportado para uma delas sem qualquer problema e sem acréscimo de custos. Os hospitais militares, por seu lado, já dispõem de serviços de triagem que podem enviar rapidamente qualquer doente necessitado para uma urgência civil.

Em caso de crise ou guerra o caso pode mudar de figura, mas nessa altura todo o pessoal militar médico e de enfermagem fica mobilizado 24H por dia (adeus consultórios privados e duplo emprego…) , e faz-se o que se tiver que fazer.

Ou seja, insistimos em arranjar problemas onde não os há… Onde os há, parece que ninguém quer saber. E problemas nos SSM, existem, fundamentalmente, a nível de recrutamento, formação e retenção de médicos e de enfermeiros; gestão das suas carreiras; na contratação de técnicos civis (não há dinheiro!), e na questão dos vencimentos.Por último, na harmoniosa integração dos SSM no todo militar.

E o que é mais trágico em tudo isto é que os chefes militares não se entendam em privado, e se antagonizem em público.

Eu que sou só TCor – e para alguns lerdo de entendimento – quer-me parecer que devia ser exactamente ao contrário.