Filipe Anacoreta Correia
Na Florença renascentista, Maquiavel afirmava que "nas acções dos Príncipes, em que não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas". "Procure, pois, um Príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo; os poucos não podem existir quando os muitos têm onde se apoiar".
Vem isto a propósito do calendário político que se vive em Portugal e de como o mesmo tem sido sublimemente conduzido pelos actuais responsáveis partidários. Um dos aspectos que mais impressionam na trágica situação nacional que atravessamos é que, paradoxalmente, ela resulta da enorme competência e engenho político dos seus protagonistas.
José Sócrates tem gerido a crise como um político extraordinário. O seu golpe de precipitar a queda do Governo foi, na perspectiva socialista e naquela que lhe interessa salvaguardar, uma jogada de génio. Deste modo, endossou à oposição e ao país a responsabilidade pela situação de debilidade extrema em que nos encontramos. E continua ao ataque, sempre veloz, sem nunca dar o ângulo a qualquer recuo ou ponderação que não a da sua própria conquista ou manutenção do poder.
E, por seu lado, também os seus opositores têm feito aquilo que está ao seu alcance para afirmarem o seu poder e conquistarem aquele que ainda não têm.
As jogadas do tabuleiro, cada uma à sua medida, têm revelado que temos em Portugal excelentes políticos, altamente profissionais e com grande faro. De uma forma geral e à parte pequenos deslizes, os nossos políticos têm demonstrado que dominam a indústria em que se movem e são muitíssimo competentes.
Prova disso é a afirmação dos diferentes líderes no seio dos respectivos partidos e o unanimismo crescente que granjeiam. Tal unanimismo, em contraste com a ameaça de desintegração social a que assistimos no nosso tempo, é no mínimo ridícula, mas demonstra empenho e uma atitude implacável por parte dos seus protagonistas.
A conquista ou manutenção do poder, sem ponderação do interesse geral sobre o corporativo ou qualquer referência à virtude (no sentido clássico ou aristotélico), é a escola do actual espectro partidário. A política é isso. Dizem que é a conquista e a manutenção do poder. E, nesse esforço, todos estão a fazê-lo bem ou mesmo muito bem.
Fazem-no, é certo, à custa de Portugal, mas isso não interessa. Ninguém parece reparar. Na política, o que importa são as aparências. E a gestão destas sempre deixou pouco lugar aos que apontaram e apontam para outro horizonte. Como dizia Maquiavel, "os poucos não podem existir quando os muitos têm onde se apoiar".
Sucede que se aproxima vertiginosamente uma enorme onda da realidade, que vai destruir grande parte das seguranças ilusórias em que nos apoiámos. Os nossos Príncipes tentam surfar essa onda. Porém, cada vez mais se pode adiar menos o momento do seu impacto.
Temo que, sem outro alcance de responsabilidade, a nossa desfragmentação enquanto Povo seja, mais do que uma possibilidade, uma probabilidade. Ainda que sob o olhar de Príncipes de luva branca.