quinta-feira, 28 de abril de 2011

Os príncipes

Filipe Anacoreta Correia

A enorme onda da realidade vai destruir
grande parte das seguranças ilusórias
em que nos apoiámos

Na Florença renascentista, Maquiavel afirmava que "nas acções dos Príncipes, em que não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas". "Procure, pois, um Príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo; os poucos não podem existir quando os muitos têm onde se apoiar".

Vem isto a propósito do calendário político que se vive em Portugal e de como o mesmo tem sido sublimemente conduzido pelos actuais responsáveis partidários. Um dos aspectos que mais impressionam na trágica situação nacional que atravessamos é que, paradoxalmente, ela resulta da enorme competência e engenho político dos seus protagonistas.

José Sócrates tem gerido a crise como um político extraordinário. O seu golpe de precipitar a queda do Governo foi, na perspectiva socialista e naquela que lhe interessa salvaguardar, uma jogada de génio. Deste modo, endossou à oposição e ao país a responsabilidade pela situação de debilidade extrema em que nos encontramos. E continua ao ataque, sempre veloz, sem nunca dar o ângulo a qualquer recuo ou ponderação que não a da sua própria conquista ou manutenção do poder.

E, por seu lado, também os seus opositores têm feito aquilo que está ao seu alcance para afirmarem o seu poder e conquistarem aquele que ainda não têm.

As jogadas do tabuleiro, cada uma à sua medida, têm revelado que temos em Portugal excelentes políticos, altamente profissionais e com grande faro. De uma forma geral e à parte pequenos deslizes, os nossos políticos têm demonstrado que dominam a indústria em que se movem e são muitíssimo competentes.

Prova disso é a afirmação dos diferentes líderes no seio dos respectivos partidos e o unanimismo crescente que granjeiam. Tal unanimismo, em contraste com a ameaça de desintegração social a que assistimos no nosso tempo, é no mínimo ridícula, mas demonstra empenho e uma atitude implacável por parte dos seus protagonistas.

A conquista ou manutenção do poder, sem ponderação do interesse geral sobre o corporativo ou qualquer referência à virtude (no sentido clássico ou aristotélico), é a escola do actual espectro partidário. A política é isso. Dizem que é a conquista e a manutenção do poder. E, nesse esforço, todos estão a fazê-lo bem ou mesmo muito bem.

Fazem-no, é certo, à custa de Portugal, mas isso não interessa. Ninguém parece reparar. Na política, o que importa são as aparências. E a gestão destas sempre deixou pouco lugar aos que apontaram e apontam para outro horizonte. Como dizia Maquiavel, "os poucos não podem existir quando os muitos têm onde se apoiar".

Sucede que se aproxima vertiginosamente uma enorme onda da realidade, que vai destruir grande parte das seguranças ilusórias em que nos apoiámos. Os nossos Príncipes tentam surfar essa onda. Porém, cada vez mais se pode adiar menos o momento do seu impacto.

Temo que, sem outro alcance de responsabilidade, a nossa desfragmentação enquanto Povo seja, mais do que uma possibilidade, uma probabilidade. Ainda que sob o olhar de Príncipes de luva branca.


quarta-feira, 27 de abril de 2011

25 de Abril, um PR, três ex-PR's...

João José Brandão Ferreira

Palácio de Belém, dia 25 de Abril de 2011, palco maior das comemorações.

Crise nacional, Assembleia da República dissolvida, governo de gestão, troika de futuros mandantes, com o pé na jugular da República, portugueses de tanga, cerviz dobrada.

Ideia maior: juntar os quatro maiores do regime saído da alvorada florida a cravos, apelo à união e ao combate. Parecia boa ideia.

Pareceu apenas por pouco tempo. O tempo de os ouvir falar.

Confesso que decidi ouvi-los sem qualquer expectativa e algum incómodo.

Quatro personagens assaz diferentes, discursos iguais. Iguais? Não, idênticos, as diferenças são de pormenor e, fundamentalmente, de índole ideológico - partidária, por isso sem importância de maior. Idênticos porque disseram praticamente o mesmo, a saber:

Em primeiro lugar genuflectiram, no intróito, à figura do Presidente da Associação supostamente representativa dos herdeiros da revolta, curiosamente alcandorada a uma posição inexistente no Protocolo de Estado; seguidamente e com alguma diferença na ordem discursiva, pode-se dizer que tocaram basicamente em três pontos, sendo eles a glorificação da revolta militar e da condenação do regime anterior, o que se fez a seguir ao dito golpe, que virou revolução e, finalmente, à crise actual. Findaram os quatro com um apelo de esperança como mandam as regras da comunicação de ideias e os cânones das tribunas da política.

Bateram nos derrotados do 24 de Abril porque eles estão quase todos mortos (e não se podem defender) e não deixaram muitos descendentes. Os que ficaram, transvestiram-se, na sua maioria, e deram excelentes zeladores da nova ordem; os que se mantiveram coerentes e corajosos foram, pura e simplesmente, impedidos de existir. Democraticamente, como é óbvio. A escrituração da História pelos vencedores fez o resto.

Obviamente faz parte da liturgia e não podia ser de outra maneira: se não fosse o golpe, os quatro oradores jamais poderiam ter aspirado a ocupar o lugar que ocuparam. Disse os quatro? julgo estar a ser injusto, o actual PR talvez pudesse vir a ser caso a evolução que o Prof. M. Caetano quis fazer, tivesse feito vencimento. Aliás, o seu mais dilecto afilhado andou na mesma onda, no dia anterior, na semanal prédica da TVI.

Em seguida lamentaram todos, cada um à sua maneira, que os ideais de Abril não foram todos cumpridos, esquecendo-se que começou por não ter sido cumprido o próprio manifesto do movimento e que depois disso os “ideais” de Abril se pulverizaram em variadíssimos ideais. Apesar de tudo valeu a pena!...

O Otelo é que anda baralhado. Pelos vistos andou sempre e nunca atinou com nada. Ele, aliás, coitado, confessou que quando fez o golpe não percebia, sic, “patavina de política”. Deus tarda mas não falta.

No fundo, muitas coisas melhoraram e ficámos todos a ganhar, obviamente com o conveniente esquecimento de que tal se deveu às reservas financeiras deixadas pelos execrados “ditadores”, pela intervenção do FMI em duas vezes (esta terceira deve ser para ver se levantam a nota!) e por via da avalanche inusitada de fundos comunitários. Ou seja, em nada existe mérito desta III República, que já só as clientelas partidárias reconhecem como pessoa de bem.

Nos 40 anos anteriores tudo foi feito com meios e esforço próprio e sem pedir nada a ninguém. Deve ter sido por estarmos “orgulhosamente sós”!!...

Quanto ao momento presente, reconhece-se (finalmente!) que é de crise e de crise grave e ficámos a saber que a culpa é de todos embora, condescendem os ditos cujos, que a maior responsabilidade é dos políticos – presume-se à excepção deles próprios, pois chegaram agora vindos de Marte!

Eu peço, até, que me explicitem qual é a minha culpa, para ver ser, patrioticamente e com a máxima humildade, me emendo! Que diabo, não quero ficar de fora do esforço colectivo e entendo perfeitamente que os apaniguados de quem tem bloqueado o Estado na ditadura partidocrata em que transformaram a nossa vida política continuem a ser ressarcidos às dezenas de milhares de euros por mês pelos sacrifícios que fazem a mais do que o comum do cidadão. Ámen.

Quanto a soluções que os senhores preconizam para o futuro, não consegui vislumbrar nenhuma a não ser um conjunto de vacuidades e de princípios sem consequência, que qualquer seguidor do saudoso Padre Américo poderia fazer, sem dúvida com mais assertividade e boa intenção.

Resta uma solução, o apelo ao entendimento dos partidos (pelos vistos não todos…). Ora isto representa a maior idiotice possível pela simples razão que os partidos são parte do problema (eles são o problema), não a solução. Os partidos existem para se combaterem, não para se unirem; os partidos são o regime da guerra civil permanente, a balbúrdia permanente. Ninguém consegue governar assim. O único partido que não é partido é o PC, por ser um misto de doutrina religiosa misturada com uma organização militar. E só é democrático até tomar o poder, aí acaba com os outros todos. Parece que até o próprio Otelo percebeu isto quando foi preso. O Dr. Mário Soares, porém, na sua magnanimidade emanada do alto das tartarugas e elefantes em que se passeou, amnistiou-o. O Dr. Sampaio esqueceu-se de condecorar as vítimas das FP-25 com a Ordem da Liberdade. Um ingrato é o que é.

Em síntese, o que se pode concluir das frases compostas por sujeito, predicado e complemento directo (ao menos isso!), emanadas da figura política mais proeminente do Estado – antigamente apelidada de “veneranda” ou “majestade” e dos principais senadores do regime? Me parece que erros factuais históricos, muitos; interpretações sociais e políticas sem sentido, várias; e quanto a soluções, aos costumes disseram nada. Em bom calão militar”soft” pode dizer-se que estivemos perante um chorrilho de “generalidades e culatras”.

Se assim pensam as cabeças mais coroadas da República, descolaram do resto da população. Ficção e realidade sempre foram coisas diferentes. Mesmo quando a realidade supera a ficção.

No fim de tudo, manteve-se a expectativa – que era nula; aumentou o incómodo.