sexta-feira, 13 de novembro de 2015


O carácter anti-social do salário mínimo


José Miguel Pinto dos Santos, Observador, 9 de Novembro de 2015

Já Paul Samuelson (1915-2009) perguntava: «de que serve a um jovem saber que um empregador lhe pagará um salário mínimo elevado se esse salário mínimo lhe impede de obter emprego?»

O aumento do salário mínimo é uma medida apropriada para a promoção da exclusão social dos mais desfavorecidos. É o equivalente económico ao alongamento do espelho das escadas numa residência para a terceira idade: torna mais difícil aos mais fracos manterem-se ou tornarem-se autónomos. As únicas explicações para a sua implementação são ou ignorância da realidade económica ou o desejo político de cavar um fosso ainda maior entre os que conseguem rendimento pelo trabalho e os que o não conseguem. A sua implementação resultará no aumento do desemprego jovem e no de longa duração, assegurará a frustração pessoal de muitos, contribuirá para o défice do orçamento do Estado, e concorrerá para o empobrecimento económico nacional. Mas o mais importante é que tornará a nossa sociedade economicamente menos justa, menos equitativa e menos igualitária.

O salário mínimo não garante emprego a ninguém, apenas assegura que quem consegue emprego será pago, no mínimo, esse montante. O que pode esperar um jovem sem qualificações especiais quando procura o primeiro emprego? Para além de uma remuneração monetária, através da experiência laboral poderá ganhar um conjunto de competências técnicas, humanas e sociais que nenhuma escola lhe poderá transmitir. Será socializado, obterá alguma autonomia económica e encontrará a dignidade que o trabalho dá aos humanos.

O salário mínimo torna, na prática, tudo isto impossível para os que querem entrar no mercado de trabalho com menos educação, com menos competências, e com menos conexões sociais e familiares relevantes, que são precisamente aqueles que provêem de meios socioeconómicos mais desfavorecidos. O que acontece hoje a um jovem se proponha trabalhar por 400 euros e a se desenvolver pelo trabalho? Ser-lhe-á dito pelas empresas: «se fosse possível teríamos todo o gosto em o ter connosco nessas condições, mas é ilegal; portanto não o podemos contratar.» Por esta razão Paul Samuelson (1915-2009) perguntava: «de que serve a um jovem saber que um empregador lhe pagará um salário mínimo elevado se esse salário mínimo lhe impede de obter emprego?» E o que acontece hoje a quem estaria disposto a receber 400 acontecerá amanhã ao que estiver preparado a receber 500: o primeiro degrau a galgar é cada vez mais alto.

O que perde portanto o nosso jovem? Perde, primeiro, dinheiro. É obrigado, depois, a perder tempo no desemprego. E ao perder tempo no desemprego perde uma quantidade enorme de coisas boas: perde a oportunidade de aprender a lidar com um chefe, quando ainda é novo e flexível e capaz de o aprender, perde o ensejo de afinar as capacidades de trabalhar em equipa, de saber o que é aceitar responsabilidade, de ganhar experiência no fazer, de desenvolver independência no viver. Numa palavra perde a possibilidade de crescer como indivíduo social. E tudo isto que perde lhe seria útil para no futuro poder continuar a progredir profissional e socialmente, e fundamental para lhe permitir tornar-se um cidadão responsável, solidário e contributivo. Portanto não é só ele que perde: perde toda a sociedade.

Há mais argumentos contra o salário mínimo. Mas o seu carácter anti-social devia ser suficiente para levar à sua abolição.






O PS caiu na ratoeira


José António Saraiva, Sol, 11 de Novembro de 2015

Ao fim de cinco semanas de penosas negociações, a esquerda está exactamente no ponto em que estava no dia 5 de Outubro: o PCP e o BE comprometem-se a viabilizar um Governo do PS, mas não se comprometem com mais nada.

A trajectória destas cinco semanas permite antever o inferno que serão os tempos que aí vêm. Se durante o namoro já houve tantas dificuldades, o que será depois do casamento?

De facto:

Os três partidos, PS, PCP e BE (não falo de Os Verdes) não conseguiram chegar a um acordo comum, nem se sentaram uma só vez à mesma mesa;

Os três partidos não conseguiram chegar a uma moção de rejeição comum, antes apresentaram três;

– Os três partidos não chegaram a um programa de Governo comum, antes disseram que não rejeitarão o programa de Governo que o PS apresentar (que contempla abundantes cedências ao PCP e ao BE);

– Os três partidos não se aplaudiram uns aos outros nos discursos parlamentares, e mesmo no discurso do presumível futuro líder do Governo de esquerda houve uns que aplaudiram de pé e outros sentados;

– Os três partidos não se entenderam, sequer, para que as assinaturas dos acordos fossem públicas, e tudo se passou furtivamente num gabinete fechado.

Alguém pode acreditar numa coisa assim, feita de forma envergonhada e às escondidas?

A esquerda festiva celebra esta aliança «histórica».

Percebo que o PCP e o BE celebrem. De facto, a partir do momento em que o Governo seja viabilizado, o PCP e o BE, que tinham pouca relevância parlamentar, passam a ser os partidos mais importantes do Parlamento: a queda do Governo depende de qualquer um deles. O Governo passa a estar dependente de cada um deles. O Governo torna-se refém de ambos ao mesmo tempo.

Para o PCP e o BE, era importantíssimo que o PS «mordesse o queijo» e caísse na ratoeira. Só a partir do momento em que o PS decidisse formar Governo, sem exigir a presença nele dos líderes do PCP e do BE, estes ficariam com as mãos livres para fazer o que quisessem.

Depois da entrada em funções, António Costa vai ter de negociar medida a medida, lei a lei, com o PCP e o BE. Eles aceitarão o que quiserem e rejeitarão o que quiserem. O Governo estará amarrado de pés e mãos e não poderá fazer nada.

Mesmo para o primeiro Orçamento vai ser necessário negociar tudo: porque o PCP e o BE recusaram-se a dar carta branca a António Costa, se comprometeram a aprovar esse Orçamento inicial.

O PS caiu na ratoeira. O PCP e o BE têm a partir de agora a palavra.

Perguntar-se-á: e Cavaco Silva? Não tem nada a dizer?

Penso que não pode fazer muito. Manter um Governo de gestão será impossível, um Governo de iniciativa presidencial também seria chumbado, e adiar muito uma solução não resolve nada.





quinta-feira, 12 de novembro de 2015


Voto Marcelo

se ele marcar eleições para Junho


Henrique Raposo, Expresso Diário, 10 de Novembro de 2015

Marcelo comete um erro se pensar que já fixou o eleitorado de direita que se sente justamente enganado com a golpada em curso

A fraude da «maioria de esquerda» prossegue o seu caminho. Costa é aquele gangster que nunca é preso devido a um pormenor risível, devido a uma tecnicidade de tribunal; toda a gente sabe que ele é culpado mas as regras não permitem a prisão. Neste caso, a regra que possibilita a fraude é a alínea que impede o Presidente de dissolver a Assembleia seis meses antes do fim do mandato. É só este detalhe técnico que tem mantido Costa ligado à máquina. Se Cavaco estivesse na posse de todos os seus poderes, a farsa já teria acabado com a convocação de eleições que clarificassem a situação. É isto que se exige ao novo Presidente. O país só voltará à serenidade depois de novas eleições.

A mudança sísmica em curso não pode nascer num golpe de secretaria. Em 40 anos de democracia, a aliança de esquerda foi um tabu insuperável. O ódio entre as esquerdas foi a norma. Em 40 anos de democracia, apenas um partido (Livre) propôs uma aliança de esquerda e, nestas eleições, obteve apenas 39 mil votos. O número fala por si. A aliança de esquerda é impossível porque nada de estrutural une as esquerdas. Por outras palavras, esta «maioria de esquerda» pós-eleitoral é uma fraude que resulta de três desesperos esquerdistas. Primeiro: o mau perder indecoroso de quem julgava que a direita ficaria reduzida a 25%; o espanto despeitado perante os 40% da Coligação explica a amizade súbita entre as esquerdas. Segundo: a estratégia de sobrevivência de António Costa, que ficará na História como o momento mais escatológico da III República. Terceiro: o desejo do PCP em travar mais concessões ou privatizações dos transportes. Se os transportes saíssem da esfera da CGTP, o PCP ficaria sem um dos seus braços.

Nada disto é estrutural, trabalhado, honesto. Tudo seria diferente se existisse um trabalho de fundo das esquerdas no sentido da construção desta alternativa. Mas, como se sabe, esse trabalho de aproximação nunca existiu nos últimos meses ou anos e a hipótese só surgiu depois da derrota de Costa. 40 anos de ódio não se resolvem num mês de negociações secretas. A mentira tem de ser sufragada. Gostam ou não os portugueses deste cozinhado revolucionário? Neste sentido, é importante que Marcelo Rebelo de Sousa compreenda que o eleitorado de direita, a sua base de partida e o maior bloco eleitoral do país, só votará num candidato que garanta a realização de eleições clarificadoras em meados do próximo ano. Será ele capaz de assumir isto? Duvido. O «Professor» foi, é e será um político cobarde, será sempre um ser viperino, disforme e incapaz de tomar posições claras.

Os tempos não estão para cortesãos dubitativos, os tempos exigem um módico de coragem.





quarta-feira, 11 de novembro de 2015


Cavaco e o pessoal das papeletas


João Gonçalves, Jornal de Notícias, 11 de Novembro de 2015

Uns papéis assinados à pressa numa sala vazia do Parlamento, longe dos olhares da Comunicação Social e do país, determinaram ontem a queda do XX Governo constitucional. Só foi «histórico» porque conta uma história que só lá mais para diante se entenderá. E, se for plenamente consumada, em piores condições do que aquelas em que os contratantes, e os destinatários involuntários da peripécia inaudita, a redigiram. O sentido do voto de 4 de Outubro está, pois, eliminado pelas circunstâncias e apenas novas eleições legislativas poderão repor o espírito da democracia representativa. As papeletas subscritas pelo PS, PC e Bloco constituem agora a «base» da vida política nacional das próximas semanas ou meses. Esteve bem o vice-primeiro-ministro demissionário quando afirmou que os autores das papeletas, em particular o PS, não contam com os 107 deputados da coligação para os percalços. Nas próximas semanas ou meses a «estabilidade» fica a cargo do Comité Central do PC e da Mesa do Bloco. O PS é meramente instrumental apesar de aparentemente liderante da aventura. Porque não emerge diante dos seus parceiros como o primeiro legitimado nas urnas, ao contrário do que sucedeu até ontem em situações minoritárias, mas como uma espécie de cavalinho de Troia que eles tencionam empurrar e conduzir até ao limite das respectivas vontades. Dos bonzos do comentadorismo aos apagados candidatos presidenciais – estes foram submersos pela nova «acção nacional popular m-l» e, em geral, circunstancialmente coniventes com ela –, todos parecem convergir na fatalidade de o chefe de Estado ter de empossar o pessoal das papeletas. Não obstante a crença e o desejo, felizmente não é a este mandarinato que compete interpretar o papel do PR num sistema semipresidencial. Para citar a generalidade dos perplexos candidatos presidenciais, depois do «tempo dos partidos» regressa o «tempo do presidente» de que eles apreciam fugir como de gato a bofe. É Cavaco Silva quem tem de apreciar as condições de governabilidade «estável, credível, coerente e duradoura» inscritas no atomismo panfletário das papeletas antes de um eventual programa de Governo ser de novo apresentado à Assembleia. Não estou a defender que o presidente as deva recusar. Confio no seu julgamento político e, também, nas suas contas independentemente do que decidir. Pelo menos sabemos que o sufrágio que o mandatou não foi rasurado.