Helena Matos, Observador, 5
de Fevereiro de 2017
Os dias da «inexplicável Vendeia»,
essa revolta que os revolucionários nunca compreendem e sempre procuraram
esquecer: como pode o povo revoltar-se contra a revolução feita em seu nome?
Uppsala. Malmo. Nordstan. Podiam ser
(e talvez até sejam) nomes de uma qualquer estante Ikea. Mas são também nomes
de locais onde, nos últimos meses, na Suécia têm acontecido crimes muitos deles
de natureza sexual praticados por emigrantes ou refugiados, provenientes de
países maioritariamente muçulmanos. Num dos casos, que envolveu um rapaz, a
polícia viu-se cercada e bateu em retirada deixando a vítima nas mãos dos seus
agressores. Noutro os agressores violaram uma rapariga, filmaram e colocaram online o
filme onde nem faltavam os seus rostos sorridentes.
Quantas notícias temos visto ou lido
sobre estes casos acontecidos na Suécia, um país que víamos como seguro e
tolerante mas onde nos últimos tempos o número de agressões tem aumentado?
Estas agressões acontecidas na Suécia, ou melhor dizendo o silêncio que se
abate sobre elas, é tão mais estranho quanto recentemente o assassínio de uma
jovem na Islândia fez com que pelos jornais desta Europa fora se multiplicassem
as chamadas de atenção sobre o homicídio que chocara o país que não tinha
crimes. Será que os suecos não se têm chocado? Na verdade eles tinham poucos
crimes. Ou será que o facto de os jovens apontados como autores do crime da
Islândia serem gronelandeses tornou muito mais fácil a divulgação dos seus
actos e também dos seus rostos?
Nas últimas décadas as lideranças da
Europa e dos Estados Unidos produziram toneladas de legislação para, diziam,
promover a igualdade, combater a discriminação, todas as formas de fobia e,
obviamente, o machismo e o racismo. Assim que umas leis eram postas em prática logo
outras mais perfeitas as vinham completar. A multiplicação das leis era
acompanhada pela divisão dos crimes em grupos, subgrupos, alíneas… Mas todo
este edifício de leis, comissões e programas foi feito a pensar num modelo em
que o homem, branco, católico, conservador encarnava o papel do machista, do
racista, do reaccionário…
Quando o agressor é outro e
sobretudo quando o agressor vem dos grupos que os libertadores do povo têm como
seus protegidos (e potenciais futuros eleitores) então o que antes tinha de ser
imediatamente denunciado passa a ser prontamente silenciado. E assim ignoram-se
agora as agressões praticadas por refugiados/emigrantes muçulmanos na Suécia
tal como se ignorou durante anos e anos o que estava a acontecer nos bairros
periféricos de França, quer com a radicalização dos muçulmanos, quer com a
violência dos bandos de jovens de que são exemplos os acontecimentos deste ano
em Juvisy (não, não foi notícia por cá) ou as reviravoltas oficiais para que
não sejam conhecidos os números das viaturas incendiadas nas datas festivas
naquele país.
Para que se perceba melhor, em
Juvisy, nos arredores de Paris, um bando armado com paus e sabres tomou conta
de um bairro numa noite de sábado para domingo, em Janeiro deste ano. O que
então ali se viveu foi definido pelas autoridades como «guerrilha urbana». Já
quanto ao número de viaturas incendiadas é preciso ter em conta que queimar
carros se tornou numa espécie de actividade recreativa em França. Revelar os
números das viaturas queimadas na noite da passagem de ano é um clássico do mês
de Janeiro para o governo que em França estiver em funções. Este ano, para
compor os números, o ministro do Interior francês até inventou uma nova
categoria de carros queimados: os queimados por fogo colocado directamente.
Deste modo ficavam de fora aqueles que tinham ardido simplesmente porque
estavam ao lado dos que tinham sido incendiados. Esta nova categorização
permitiu ao ministro deixar de fora 295 carros ardidos e dar graças porque
apenas tinham sido incendiadas 650 viaturas e não 945!
Tal como os camponeses da Vendeia
não viam libertação alguma nas perseguições à Igreja Católica ou na
substituição da monarquia pelos comités revolucionários, também o povo neste
início do século XXI não vê libertação alguma no multiculturalismo. Antes pelo
contrário aquilo que o poder apresenta como sinal de tolerância pode em muitos
casos traduzir-se num pesadelo para as suas vidas. Como o foi, por exemplo,
para os habitantes de Calais, uma cidade portuária francesa de 70 mil
habitantes que chegou a contar com 9 mil refugiados/emigrantes que ali
permaneciam meses ou até anos na esperança de passar para Inglaterra. (Quando a
poeira assentar avaliar-se-á o impacto que as imagens do caos de Calais tiveram
na opção dos britânicos pelo Brexit.)
Mas seja no século XVIII seja no
XXI, os libertadores do povo invariavelmente diabolizam qualquer tentativa de
explicação sobre as consequências na vida do povo de todas aquelas leis
perfeitas, aquelas decisões pioneiras, aqueles voluntarismos precursores. E
finalmente acontece o que tem de acontecer: chegam os dias da «inexplicável
Vendeia», essa revolta que os revolucionários nunca compreendem e sempre
procuraram esquecer: como pode o povo revoltar-se contra uma revolução feita em
seu nome?
Em 2016 e 2017 o povo não pega em
armas como fez em França entre 1793 e 1796. Simplesmente vota. E a cada votação
– Brexit, Trump, referendo na Colômbia… – as élites reagem com a estupefacção
dos clubes de iluminados de Paris perante a revolta dos camponeses da Vendeia.
No śeculo XVIII sabemos como tudo acabou: a revolução triunfou sobre a
«inexplicável Vendeia» (mesmo que à custa de um massacre) para em seguida os
revolucionários começarem a combater entre si.
A grande questão já não é quando
acontecem as novas Vendeias mas sim durante quanto tempo as élites irão tolerar
essas inexplicáveis Vendeias que lhe saem das urnas. Presumo que mais
rapidamente se aniquilarão entre si do que serão capazes de parar para pensar
sobre a origem dessas Vendeias que elas fabricaram com a sua arrogância. Por
aqui e por ali vão chegando vozes que apelam à resistência contras as maiorias
eleitorais…
Nada disto prenuncia algo de bom e
tudo isto já se viu no passado. Para que tudo se assemelhe ainda mais a esse
final do século XVIII nem sequer falta em França a destruição do que era o
melhor dos candidatos, o conservador Fillon. (Há sempre um bom candidato
conservador arredado nestas cavalgadas para o irreparável.)
Ao sair de cena o candidato que
melhor podia evitar uma vitória de Le Pen, os eleitores franceses podem
levar-nos a outra «inexplicável Vendeia». Mas que só é inexplicável para quem
não quis ver nem ouvir.
PS. Os falsos recibos verdes. Os precários. Os falsos precários. Os
verdadeiros precários. Os precários que não sendo precários afinal são
precários…PS, PCP e BE acreditam que a cada novo funcionário público
corresponde um novo voto. Só resta saber a qual dos três caberá o voto do
premiado com a integração na função pública. Dada a óbvia terra de promissão
eleitoral em que está transformada a função pública não hesito em lançar daqui
o que me parece ser o futuro slogan das esquerdas: a cada português tem de
corresponder um posto de trabalho com contrato efectivo na função pública.