quarta-feira, 2 de março de 2016


Alentejo Prometido:

O livro de Henrique Raposo lançou uma «intifada»


O autor falou sobre o suicídio e a violência na região e logo se revoltaram as redes sociais. Local do lançamento do livro até teve de ser alterado



Maria Espírito SantoSábado, 1 de Março de 2016

Muitos palavrões se disseram, ameaças se fizeram e várias pragas se rogaram em reacção às palavras do autor Henrique Raposo que foi à SIC Radical falar sobre o Alentejo e o seu mais recente livro, Alentejo Prometido. Ao todo foram cerca de 1 900 comentários feitos ao vídeo publicado no dia 22 de Fevereiro – isto sem contar com outras publicações e comentários feitos noutros locais, como blogues.

E a primeira consequência foi a alteração do local da cerimónia de apresentação.

Inicialmente estava marcado para a galeria Tintos e Tintas, em Lisboa, mas foi cancelado. «Não tem a ver com o conteúdo do livro mas com a polémica em que não queremos estar envolvidos», explicou à SÁBADO João Saião Lopes, um dos sócios do espaço. A Fundação Francisco Manuel dos Santos, que publica o livro, acrescentou as novas coordenadas para o evento: acontecerá dia 8 de Março, na livraria Bertrand (Picoas Plaza) pelas 18h30.

«Tinha a esperança dos momentos de redenção mas nunca os encontrei. E é um livro duro por causa disso, é a minha separação do Alentejo», explicou Henrique Raposo a Pedro Boucherie Mendes, à mesa do debate do Irritações.

O autor falou sobre vários temas presentes no livro que assina, em que vai à procura das suas raízes alentejanas, cruzando histórias pessoais, de família, com a história da região. Falou, por exemplo, sobre a elevada taxa de suicídio que ali se regista, em comparação com outras zonas do país: «É como se fosse um fenómeno natural, tu não contestas moralmente um terramoto, ele acontece. O alentejano vê o suicídio como um fenómeno natural, ‘olha, ele matou-se.’» Falou, ainda, sobre como as alentejanas antigas não conheciam a palavra violação –  de como diziam «ele chegou-se ao pé de mim e pronto» – ou de como, historicamente, a violência e a solidão sempre fizeram parte do Alentejo.

As suas palavras geraram indignação: o vídeo conta já com 775 mil visualizações e cerca de 9 250 partilhas. A SÁBADO contactou o autor que não quis prestar declarações. Logo depois, publicou na sua página de Facebook: «Agradeço o interesse de alguns órgãos de comunicação social por aquilo que se está a passar. Mas eu não vou prestar declarações sobre o caso, não tenho de responder a nada. Não se responde a uma multidão ou multidões que me acusam não sei do quê. Isto é uma espécie de tribunal popular e eu não me vou sentar no banco dos réus. Quando alguma entidade ou figura escrever uma contra-argumentação (e argumentar não é dizer «és uma besta» ou «não sabes nada do Alentejo»), então sim, eu poderei responder e defender o meu livro. Isto é o B, A, BA da liberdade e do espaço público e está a ser preciso recordá-lo em 2016. Depois disto tudo acabar, uma coisa é certa: sairei mesmo da internet – o que é não é mesmo que sair do mundo. Aliás, é precisamente o contrário.»

Já no Expresso deste fim-de-semana, 27 de Fevereiro, Henrique Raposo tinha escrito uma «Carta de Amor ao Alentejo» que, no fundo, é uma reacção a todo o burburinho que se gerou depois da presença no programa emitido na SIC Radical. Começa por esclarecer que respeita o Alentejo e ainda por lembrar que toda a sua família é alentejana. E continua: «Escrevo há anos cartas de amor ao Alentejo; sucede que o amor não passa por esconder as partes negras do ente amado. Pelo contrário, só há amor verdadeiro depois de desenterrarmos os fantasmas», explica, lembrando depois que as «redes sociais servem cada vez mais como factor de censura e autocensura do jornalismo que escreve no osso, do pensamento crítico, da liberdade literária.»

O autor, que escreve no Expresso Diário de segunda a sexta-feira, admitiu ainda «sim, eu podia ter contextualizado melhor as histórias que contei», lembrando que «nada justifica o ódio internético de milhares de pessoas que nem sequer leram o livro.» Por fim, esclarece o seu objectivo, «retirar o alentejano da caricatura patusca e mole feita pelo resto do país.» E conclui: «Com ou sem intifadas na internet, vou continuar a fazer isto – sem nunca esconder o lado trágico e negro dos meus antepassados.»





domingo, 28 de fevereiro de 2016


Perante isto, só resta ao Ministério Público

abrir inquérito...


ORDEM DOS ENFERMEIROS

Bastonária diz que eutanásia já acontece no SNS


Ana Cristina Marques, Observador, 27 de Fevereiro de 2016

Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, revelou num programa de rádio que já assistiu a casos de eutanásia nos hospitais públicos. «Eu não estou a chocar ninguém.»

A eutanásia já é praticada nos hospitais públicos. Quem o disse foi Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, durante o programa Em Nome da Lei, emitido na rádio Renascença. A responsável pela Ordem dos Enfermeiros admitiu ter conhecimento de casos em que médicos sugeriram administrar insulina a doentes terminais, de maneira a provocar-lhes o coma e, consequentemente, a morte.

«Vivi situações pessoalmente, não preciso de ir buscar outros exemplos, em que houve médicos que sugeriram, por exemplo, administrar insulina àqueles doentes para lhes provocar um coma insulínico», revelou Ana Rita Cavaco.

Perante esta declaração, a jornalista confrontou a bastonária, questionando-a sobre se as situações descritas aconteceram, ou não, no Sistema Nacional de Saúde. «Sim, como é óbvio», responde Ana Rita Cavaco. «Eu não estou a chocar ninguém, porque quem nos está a ouvir e trabalha no SNS sabe que estas coisas acontecem por debaixo do pano. Portanto, vamos falar abertamente sobre isto», continuou.

Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros

A responsável pelos enfermeiros alegou que não é a única pessoa a afirmá-lo publicamente. «Há mais figuras públicas que o admitiram. Acho que vale a pena admitirmos que há coisas que, enquanto sociedade, não estão legalizadas ou legisladas e que, portanto, escondemos.»

Ana Rita Cavaco está entre as pessoas que já assinaram a petição Direito a Morrer com Dignidade, divulgada no início de Fevereiro. Da lista de signatários destacam-se, entre artistas, cientistas e políticos, a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, e o antigo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio.

«A Morte Assistida é um direito do doente que sofre e a quem não resta outra alternativa, por ele tida como aceitável ou digna, para pôr termo ao seu sofrimento. É um último recurso, uma última liberdade, um último pedido que não se pode recusar a quem se sabe estar condenado. Nestas circunstâncias, a Morte Assistida é um acto compassivo e de beneficência», lê-se na respectiva petição.

Do outro lado da barricada está a médica e deputada do CDS Isabel Galriça Neto que, no mesmo programa de rádio emitido pela Renascença, argumentou que a eutanásia não é um tratamento ou um assunto médico:

«Isto não é um tratamento médico. Isto não é um assunto médico, não é. Os médicos servem para ajudar a viver. Outro equívoco que não podemos ter é a ideia de que a eutanásia acaba com o sofrimento. A eutanásia acaba com a vida, ponto final parágrafo».

Galriça Neto defende que ainda que o manifesto faz uso de um «eufemismo perigosíssimo», uma vez que «diz acabar com a vida de pessoas com uma doença incurável e em sofrimento profundo», algo que a deputada não considera ser igual a dizer que essas pessoas «estão no fim da sua vida».

Já o padre Vítor Feytor Pinto, também convidado do programa, disse que o manifesto assenta num «erro terrivelmente ilusório» ao chamar morte assistida à eutanásia.

«A morte digna é a morte assistida. Assistida com cuidados eficazes, com a companhia da família, com a terapia de compaixão indispensável, com os apoios religiosos a que todo o doente tem direito na religião que pratica. Tudo isso é que é a morte assistida. Não é a precipitação da morte», conclui.