sábado, 30 de agosto de 2014


As reuniões de jovens

pelo facebook e a outra pobreza


Pedro Afonso

Recentemente ficámos surpreendidos com um encontro de centenas de jovens no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, convocado através do facebook e que terminou com cinco agentes e um jovem de 15 anos feridos, e com dois jovens acusados de resistência e coacção à autoridade.

A abordagem de qualquer fenómeno desta natureza é sempre parcial e incompleta, pois cada um destes jovens mobilizados para estas acções através do facebook tem um percurso de vida único. Além disso, é provável que nestes grupos haja vários jovens «normais» e bem adaptados. Mas afinal o que pode explicar alguns comportamentos anti-sociais? O que pensam estes jovens? O que sentem? Quais são as suas expectativas sobre a vida?

Quando na infância e na adolescência não se reúnem um conjunto de condições para um normal desenvolvimento psíquico existem sempre consequências. A personalidade é habitualmente afectada, transformando-se nalguns casos numa personalidade doente e perturbada. Neste contexto, estes jovens têm grandes dificuldades de adaptação à sociedade, as relações interpessoais são problemáticas, têm reduzida tolerância à frustração, o que juntamente com a pressão do grupo e alguma impulsividade pode explicar (mas não justifica) alguns comportamentos anti-sociais observados.

O que pensam estes jovens? Uma grande parte destes jovens pensam essencialmente num assunto: o presente. A satisfação dos desejos imediatos, encontra-se muito ligada à cultura consumista e hedonista. A preocupação está muitas vezes em obter o último gadget ou a roupa da moda. Mas não existe propriamente um comportamento desviante nisto, pois todos nós somos um pouco assim.  O problema reside na incapacidade que muitos destes jovens têm em planear o futuro e adiar a gratificação. Esforçar-se hoje para ser recompensado amanhã. Esta é uma característica fundamental para se transitar de uma personalidade imatura para uma personalidade matura. Infelizmente, muitos não são ajudados, nem motivados, para adquirirem esta importante competência social.

O que sentem estes jovens? Por experiência profissional posso afirmar que muitos destes jovens sentem falta de amor, pois têm graves carências afectivas. Dentro de si próprios persiste um enorme sentimento de revolta e rancor. Por vezes mistura-se ainda um sentimento crónico de vazio interior. Assim, basta um pequeno rastilho para surgir a agressividade e a violência. Mas o problema também tem outra dimensão. A nossa sociedade tem promovido nos últimos anos, junto dos jovens, uma cultura afectiva epidérmica, superficial, onde tudo é sexualizado e erotizado. Por esse motivo, nota-se um autêntico analfabetismo emocional, bem visível pelo facto de actualmente muitos jovens não disporem sequer de um vocabulário diversificado para expressarem as suas emoções. Tudo se resume ao «gosto», «não gosto», «desejo-te», «já não significas nada para mim». Para os mais desatentos, bastará assistir a alguns reality shows para se comprovar este fenómeno que não é mais do que a promoção da estupidificação afectiva da sociedade.

Uma boa adaptação social obriga a que possamos compreender os nossos sentimentos. As nossas emoções também se pensam e isso é essencial para o autocontrolo, tão útil na nossa vida. Sem autocontrolo não somos verdadeiramente pessoas livres, já que ficamos escravos das nossas emoções. É nesta base que assenta o conceito de inteligência emocional e que pode ser desenvolvido em qualquer um de nós.

As expectativas sobre a vida de vários destes jovens são muito baixas e a sua existência está frequentemente centrada no aqui e agora. Se perguntarmos a alguns deles qual é o seu projecto de vida, a resposta habitual é o silêncio. Se insistirmos na pergunta, a resposta surge num tom enfadado: «nunca pensei muito sobre isso». Esta é a maior pobreza: ser jovem e não conseguir pensar no futuro.





quinta-feira, 28 de agosto de 2014


António Pires Veloso,

herói do 25 de Novembro


Heduíno Gomes

Cada vez que surge uma efeméride ou acontecimento relacionado com o fim do prec, em 25 de Novembro de 1975, lá se vem falar dos pseudo-heróis do acontecimento, omitindo ou diminuindo os verdadeiros heróis.

As pessoas informadas sabem perfeitamente que, além de muitos militares envolvidos nas operações, e também muitos civis, os três pilares da vitória sobre o bloco soviético no 25 de Novembro foram Pires Veloso, comandante da Região Militar do Norte, Lemos Ferreira, chefe da Força Aérea, e Jaime Neves, comandante do Regimento de Comandos.


António Pires Veloso,
comandante da Região Militar do Norte
Porém, os interesses obscuros – logo tornados claros a 26 de Novembro – do grupo de Melo Antunes haveriam de manifestar-se e reescrever a história. O grupo, para prosseguir os seus interesses mesquinhos de poder pessoal e outros, precisava de uma cara anónima, saída do mistério da resistência palaciana – não militar. E assim temos Eanes.

Verificou-se que a acção deste grupo chefiado por Melo Antunes foi, no prec, de resistência calculada segundo os seus próprios interesses pessoais e de grupo, como havia sido já no golpe militar do 25 de Abril.

Primeiro, a 25 de Abril, foram incendiários. Puseram Portugal em chamas. Por inveja corporativa, manipulando camaradas de armas politicamente ingénuos.

Depois, no prec e 25 de Novembro, foram bombeiros. Eles próprios tinham as barbas a arder na fogueira que haviam ateado e precisavam de salvar a pele.

José Lemos Ferreira,
chefe da Força Aérea
Finalmente, a 26 de Novembro, já estavam de novo em incendiários. Antecipando-se na televisão, opuseram-se a um verdadeiro processo de normalização política e colocaram os resistentes perante o facto consumado da continuação do abrilismo embora mais moderado. Opuseram-se ao rescaldo do incêndio e estabeleceram uma ponte com o bloco soviético para prosseguirem os seus jogos palacianos de poder e outros.

Três situações políticas diferentes, três estratégias pessoais, sempre os mesmos objectivos pessoais.

Tudo por eles. O que fizeram por Portugal no 25 de Novembro foi circunstancial e pura coincidência. Nada genuinamente por Portugal.

Jaime Neves,
comandante do Reg. de Comandos.
Por isso nada há a agradecer-lhes. Devemos estar gratos, sim, a Pires Veloso, Lemos Ferreira e Jaime Neves, e a tantos anónimos, que o fizeram desinteressadamente e por patriotismo.






Os condescendentes


Helena Matos

Centenas de jovens afluíram ao Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, numa acção convocada através do facebook.

O objectivo seria manifestarem-se contra o racismo.

Geraram-se confrontos entre grupos rivais de jovens.

Algumas lojas fecharam com receio de desacatos.

A PSP foi chamada.

Dois jovens foram acusados de resistência e coação a agente de autoridade.

Duas raparigas foram acusadas de posse de arma branca utilizada durante o roubo de um telemóvel e uns óculos a uma menor.

Um rapaz de 15 anos sofreu ferimentos provocados por uma chave de fendas.

Cinco agentes ficaram feridos.

Tendo em conta a juventude dos intervenientes, a presença da polícia (que, note-se, acabou com cinco agentes feridos) deve ser agradecida por todos, a começar pelas famílias dos jovens, pois nestas idades a distância entre um desacato e uma tragédia é uma linha finíssima. Mas há um problema: os jovens seriam maioritariamente negros e aí o desacato deixa de ser um desacato e torna-se um problema racial. Os polícias deixam de ser forças da ordem e tornam-se agentes da opressão. Os lojistas deixam de sofrer prejuízos e passam a símbolos da intolerância. Os jovens deixam de ser jovens em idade parva e com propensão para o disparate como são todos os jovens daquela idade para se tornarem em vítimas da discriminação e, por fim mas não por último, os jornalistas redigem as notícias sobre os factos com pinças não venha de lá a acusação de racismo. Por último vem como não podia deixar de ser o comunicado da associação que diz lutar contra o racismo. No caso a SOS Racismo.

O comunicado a denunciar o racismo é hoje uma peça incontornável. Segundo os jornais os acontecimentos do Vasco da Gama valeram a seguinte apreciação ao SOS Racismo: «São inúmeras as situações de aglomerados de jovens por todo o país, em particular em período de férias de Verão, são vários os furtos em espaços públicos e muitas as discussões e altercações que não ocasionam nunca nenhuma intervenção policial tão violenta como aquela ocorrida no Centro Comercial Vasco da Gama. E portanto, a única diferença deste caso residiu na cor da pele dos jovens que ali se encontravam.» Não sei onde viu em Portugal o SOS Racismo as inúmeras situações em que centenas de jovens confluem para um mesmo local, se envolvem em confrontos, alguns com armas brancas – saberão que uma chave de fendas pode matar? – e praticam furtos até que cansaditos desistem. Mas o que posso garantir é que qualquer pai ou mãe ao saber que os seus filhos estão envolvidos numa situação dessas espera que a polícia chegue a tempo de evitar o pior.

Mas o SOS Racismo vai mais longe e pergunta ainda «O que leva a PSP a impedir a mobilidade de jovens e a utilizar a força, só por serem negros?» E com esta pergunta chegamos ao cerne da questão: por eles serem negros a intervenção foi diferente ou deveria ter sido diferente? O que me parece que está subjacente a esta denúncia de racismo é na verdade uma reivindicação de racismo sob a forma de uma tolerância condescendente. Aliás se os envolvidos não fossem negros provavelmente estaríamos a discutir como foi possível que a PSP deixasse que um jovem fosse agredido com uma chave de fendas ou como é que as famílias não os conseguiram impedir de tais comportamentos. Muito menos alguém perante desacatos provocados por grupos de brancos ou de asiáticos se indignaria com o facto de a polícia procurar controlar as movimentações de jovens brancos ou asiáticos pois sendo brancos ou asiáticos os envolvidos dirigir-se a outros grupos seria uma absurda perda de tempo.

Mas como são negros não se discute nada disso. E espera-se de facto que os factos sejam olhados com uma condescendência que não é mais que racismo encapotado.

Esta condescendência é profundamente nociva pois na verdade ela fomenta a segregação. Ao contrário de muitas das pessoas que vivem exaltadas a denunciar discriminações e se indignam quando se pede que a polícia intervenha perante este tipo de comportamentos, utilizo os transportes públicos e matriculei os meus filhos em escolas públicas. Vi e vejo serem toleradas atitudes erradas, agressivas e ofensivas simplesmente porque são praticadas por ciganos, negros ou aquilo que em França se vai conhecendo como «les petis blancs». Vi e vejo as pessoas a mudarem de lugar no autocarro, a mudarem os filhos de escola, a deixarem de ir a uma determinada praia… Nunca se interrogaram porque são negros os seguranças dos supermercados nos bairros da periferia? Porque a eles ninguém os acusa de racismo quando proíbem um determinado cliente de entrar ou lhe pedem para abrir o saco antes de sair.

Sacrificado o serviço militar obrigatório no altar do alegado pacifismo, escaqueirada a escola pública em nome da pedagogia, não sobram além dos estádios de futebol e de alguns centros comerciais muitos espaços onde os filhos dos portugueses se cruzem independentemente da sua origem social e étnica.

O fim do marxismo levou a uma substituição das questões de classe pelos assuntos identitários. E assim, onde antigamente estava a luta de classes estão agora as comunidades. E tal como há quarenta anos os filhos da burguesia gritavam contra a sociedade de classes e as universidades se enchiam de estudos sobre a relação entre o marxismo e a linguística, o marxismo e a filosofia, o marxismo e a história, agora outros, nascidos em berço igualmente acomodado, estudam as questões de identidade das diferentes comunidades que paulatinamente substituíram a noção de classes. Em torno da luta contra a exclusão real e imaginada de cada uma das várias comunidades em que a sociedade está fraccionada foi criado todo um imaginário, uma linguagem, um acervo de teses, congressos, seminários, estudos, observatórios e um mundo de activismos.

A abordagem a cada comunidade varia no conteúdo mas nunca na forma: a comunidade é identificada enquanto tal sempre que é vítima, os seus comportamentos mais excêntricos ou mesmos contrários às leis do país – veja-se o caso dos direitos das mulheres entre os muçulmanos ou a expressão do ódio racial entre algumas dessas comunidades – são tidos como naturais ou uma reacção aos dominadores. Os actos condenáveis ou criminosos de alguns dos membros da comunidade são apagados. E assim chegamos ao paradoxo de os mesmos jornais que denunciam os problemas das famílias ciganas no acesso à habitação omitirem a condição cigana de alguns dos envolvidos na exploração de alcoólicos e doentes mentais. Se isto não é racismo o que é racismo? Aliás não me recordo que as associações que lutam contra o racismo tenham denunciado a presença de famílias ciganas na captação de mão-de-obra escrava para o sector agrícola em Espanha. Mas nunca é tarde para se fazer o primeiro comunicado.

Fechar os olhos perante incidentes como aqueles que tiveram lugar no Vasco da Gama pode levar a que se acentue ainda mais a clivagem entre os portugueses que se vêem como habitantes do seu país e aqueles que são apresentados como membros das comunidades. A condescendência que alguns tendem a confundir com a tolerância mas que não passa de uma banalização do desprezo é nesta matéria uma péssima companhia.





domingo, 24 de agosto de 2014


Deputado do PSD defende que justiça deve dar explicações

por Sócrates nunca ter sido julgado


Luís Claro

Duarte Marques diz que «ex-primeiro-ministro não tem vergonha na cara» por exigir explicações à justiça sobre detenção de Ricardo Salgado. «A justiça devia dar explicações, mas sobre o facto de nunca o ter prendido a ele», escreve ex-líder da JSD

O deputado do PSD Duarte Marques defende, num texto no Facebook, que a justiça deve dar explicações sobre o facto de «nunca ter prendido» o ex-primeiro-ministro, José Sócrates. O texto do ex-líder da JSD surge na sequência das declarações de Sócrates, na RTP, sobre o caso BES. O socialista defendeu que «a justiça ganhava em explicar-nos a todos porque deteve Salgado».

«Não vi até hoje nenhuma explicação que me convencesse que era necessário deter Ricardo Salgado», disse José Sócrates.

Duarte Marques, num tom indignado, critica as declarações de Sócrates e escreve que a justiça deve é dar explicações sobre o facto de nunca ter prendido o ex-primeiro-ministro. «Há tipos sem vergonha nenhuma na cara. Mas numa coisa tem razão: a justiça devia dar explicações, mas sobre o facto de nunca o ter prendido a ele», escreve o deputado social-democrata.

Ao i, Duarte Marques disse que depois de «tantos casos em que esteve envolvido já merecíamos, isso sim, uma explicação sobre o facto de nunca ter sido julgado judicialmente».