Álvaro Santos Pereira revelou-se «iluminado». No dia em que anunciou cortes de 1.800 milhões de euros até 2020 nas rendas excessivas pagas às produtoras de electricidade, sentenciou, ao jeito de Manuel Pinho, que «o apagão durou décadas. Agora é que se fez luz».
O dossier das rendas excessivas era (e é) explosivo, por razões políticas e económicas. É bom recordar que a primeira baixa no Governo de Pedro Passos Coelho foi precisamente por causa dos apoios e subsídios diversos de que beneficiam as eléctricas, e não só a EDP, como nos quis fazer crer Henrique Gomes. Paradoxalmente, a sua demissão contribuiu mais para a mediatização do tema do que a sua acção política, dominada por um objectivo (leia-se talvez obsessão), a de pôr António Mexia na ordem, o que quer que isto signifique. Não o conseguiu, mas deixou um legado ao Governo, e ao seu sucessor, Artur Trindade. E, implicitamente, duas perguntas, que são uma espécie de exame ao acordo ontem relevado.
A factura de electricidade vai baixar a partir de 2013? O ministro dá uma meia-resposta, a que pode tendo em conta a informação que tem à data de hoje. O aumento das tarifas seria exponencial se nada fosse feito, 5% ao ano até 2020, e o défice tarifário que é hoje de três mil milhões de euros, atingiria os cinco mil milhões.
No entanto, Álvaro Santos Pereira omite uma informação relevante para analisar o pacote de medidas ontem anunciadas, suspeito porque fazia parte da narrativa do Governo, incluindo do próprio primeiro-ministro. A partir de 2013, quem ditará a evolução das tarifas será o mercado, isto é, desde logo a evolução dos preços do petróleo, como sucede hoje na factura que pagamos de gasolina. A que se somarão os sobrecustos das chamadas rendas excessivas.
Segundo Passos Coelho, os aumentos das tarifas por causa das rendas excessivas estariam limitados a 2% ao ano e o défice tarifário ficaria a zeros em 2020. A nenhuma o ministro respondeu.
O Governo conseguiu ‘dobrar' a EDP, António Mexia e os novos accionistas chineses? A companhia foi obrigada a comunicar ao mercado e aos seus accionistas os efeitos deste plano nas suas contas. E, do que foi anunciado, as medidas com impacto no balanço da EDP limitam-se a 1% do EBITDA e a 2,5% dos lucros por acção por ano. Sabe a pouco. Talvez por isso mesmo, a China Three Gorges, que já tinha prometido esperar pelo pacote energético antes de pagar a totalidade dos 21,35% do capital da EDP, assinou o cheque na passada sexta-feira.
Ainda assim, os valores revelados pela própria EDP ao mercado revelam que Álvaro Santos Pereira conseguiu o equilíbrio possível, tendo em conta que no caso dos CMEC, que regulam o acordo com a empresa de Mexia, existe um contrato que teria necessariamente de ser negociado. E foi, à meia-luz.
Tudo somado, o Governo fez o que nenhum outro tinha feito. Cortar 1.800 milhões de euros de apoios às produtoras eléctricas até 2020 corresponde a poupar às famílias e às empresas o pagamento de 1.800 milhões de euros na factura de electricidade. Revela a participação das empresas neste esforço. E tem também a virtude de tornar previsível, para os consumidores e para as empresas, o quadro regulatório e tarifário nos próximos oito anos. Todos ganhamos.