João Marques de Almeida,
Observador, 2 de Outubro de 2016
Sei que muita gente está convencida que Sócrates jamais regressará ao
primeiro plano da política, mas a verdade é que o tempo de crise e de populismo
em que vivemos é perfeito para alguém como ele.
Sócrates é simultaneamente a maior fraude e o homem mais perigoso da
política portuguesa. E ninguém julgue que abandonou a política. Nunca o fará.
Nunca fez outra coisa e não sabe fazer mais nada. Comecemos pela fraude. Nas
recentes aparições, Sócrates anunciou que iria publicar um novo livro.
Chama-se, aparentemente, Carisma. Sócrates e os livros remete-nos para uma das
maiores fraudes da vida literária nacional durante os últimos anos, o seu
primeiro livro, A Confiança no Mundo. Segundo relatos públicos, nunca
desmentidos, não terá sido escrito por Sócrates. Aliás, gostaria que um
jornalista investigasse se Sócrates chegou a acabar o mestrado. Terá Sócrates o
grau de mestre? Ou será um mestre como era engenheiro?
Mas pior do que as dúvidas sobre a autoria do livro, foi o episódio
bizarro e vergonhoso de distribuir dinheiro por colaboradores para comprarem
centenas de cópias de uma só vez para colocar o livro nos tops das vendas. Um
homem que pensa e executa uma fraude destas é capaz de quase tudo. Quando o
novo livro for publicado, como poderemos estar certos que o autor é mesmo
Sócrates? E se não for Sócrates, quem será o verdadeiro autor? E se é um livro
de colaboração entre dois autores, inteiramente legítimo, por que não assinam
os dois? Parece que Sócrates tem necessidade de viver permanentemente na
mentira, de construir uma personagem que não existe na realidade. Quis parecer
mais rico do que é, vivendo com luxos claramente acima do que os rendimentos
declarados permitiriam. Ele próprio admitiu que durante anos viveu com ajudas
financeiras de um amigo, o que não é habitual nem, na minha opinião, digno no
caso de um homem adulto com responsabilidades públicas. Agora parece ter
necessidade de passar uma imagem de intelectual e de académico, igualmente
falsa. Na vida de Sócrates, tudo parece estranho e postiço. Depois dos
envelopes do amigo, vieram os livros de outro amigo. Tudo isto é fraudulento. E
não estamos a falar de uma cidadão comum, mas de um antigo ministro e
primeiro-ministro.
Passemos agora ao perigo. Ao contrário de
muitos, li o livro de José António Saraiva. Para mim, a revelação mais
significativa do livro, e sobre a qual não vi ainda qualquer referência, é o
facto de Proença de Carvalho e de Pinto Monteiro almoçarem frequentemente a
dois. Numa altura em que Sócrates estava a ser investigado, o facto do seu
advogado e do Procurador-Geral da República encontrarem-se com regularidade
parece-me grave. De duas uma, é mentira e os visados já deveriam ter desmentido
Saraiva. Se não desmentem, assumo que será verdade. Se for verdade, é mais um
elemento para confirmar a teia de poder que Sócrates construiu durante os seus
anos de São Bento.
Mas também li o livro de Fernando Lima, Na Sombra da Presidência. Lendo
o livro e recordando o período entre 2005 e 2011, a estratégia de poder de
Sócrates foi impressionante. Para ele, não havia limites. Tudo valia. A sua
estratégia de poder consistia em controlar o sistema de informações, a justiça,
a banca e a comunicação social. O controlo dos quatro pilares centrais da
sociedade moderna dar-lhe-ia um poder quase absoluto.
Sócrates criou um sistema de informações a partir do seu gabinete, sem
qualquer controlo democrático. Usava, sem escrúpulos, o seu poder de nomeação
para controlar a justiça. A imagem de Pinto Monteiro e de Noronha Nascimento no
lançamento do seu primeiro livro constitui um dos momentos mais embaraçosos da
vida pública nacional. Até nas faces dos próprios se via o embaraço. Na banca,
controlava a Caixa Geral de Depósitos – e hoje os portugueses ainda estão a
pagar por isso –, aliou-se a Ricardo Salgado e conquistou o BCP; ou seja, os
três maiores bancos portugueses. Na comunicação social, usou uma empresa
controlada pelo Estado, a PT (a qual ajudou a destruir mais tarde com o negócio
ruinoso da fusão com a Oi), para tentar comprar o canal de televisão que mais o
criticava, a TVI.
Tudo isto revela um homem sem escrúpulos que não hesita em usar os meios
ao seu dispor para aumentar o seu poder de um modo ilimitado. Mostra um
político que não sabe lidar com as críticas e com o pluralismo. Evidencia um
tipo paranoico para o qual a vida pública se reduz a uma luta sem quartel
contra os seus inimigos. Sócrates olha para a política como Hobbes e Carl
Schmidt. Uma pessoa destas no poder constitui um perigo para a liberdade e para
a democracia portuguesa.