Francisco Mendes da Silva, Jornal
de Negócios, 4 de Maio de 2016
No caso de Pacheco, o que hoje orienta as suas
opções políticas é um ressentimento pessoalíssimo contra a geração de Passos
Coelho no PSD.
Numa recente deambulação pelas livrarias de Madrid,
chamou-me a atenção «La Desfachatez Intelectual», uma invectiva do sociólogo
Ignacio Sánchez-Cuenca contra a prepotência e leviandade com que muitos
intelectuais, com prestígio noutras paragens (na literatura, na academia),
comentam a actualidade política. O livro atira sobre gente que aprecio (Vargas
Llosa, Javier Cercas), mas acerta no alvo: às vezes parece que o brilhantismo
literário e o rigor escolástico são fonte de legitimidade para uma espécie de desanuviamento
lúdico e relaxamento das regras da honestidade no ofício menor da análise
política.
No passado sábado, Pacheco Pereira publicou um
artigo que encaixa perfeitamente nesta tese («Para a nossa direita radical o
Papa é do MRPP», Público, 30/04/2016). Segundo Pacheco, os partidos da direita
portuguesa estão sob resgate de uma ideologia radical – o liberalismo
antiestatista – e esse radicalismo é demonstrado pela forma como os apoiantes
do PSD e do CDS se manifestam nas redes sociais, habitualmente entre a infâmia
dos comentadores heterodoxos à direita (Pacheco incluído) e o insulto racista
dirigido a António Costa.
O artigo é um monumento à desonestidade. Desde
logo, não nomeia um único caso de «apoiante» que ilustre a teoria. Aliás, quem
conhece as tais redes sociais percebe que Pacheco alude apenas a duas ou três
pessoas que nem sequer integram qualquer nomenclatura – restrita ou lata – dos
partidos do centro-direita. A ideia é deixar tudo sob uma névoa impressionista
para poder ligar o estilo de uns poucos à estratégia institucional do PSD e do
CDS. E isto enquanto expressamente se absolve a esquerda das mesmas práticas.
Logo a esquerda, que tantas vezes faz política partindo da desonra moral do
adversário (a direita nunca está simplesmente enganada – está sempre a soldo de
interesses obscuros).
O pior da desonestidade do artigo está, porém, na
forma como Pacheco deixa entender que vê a «ideologia» que enjeita. O
radicalismo como arma de arremesso corrente e indiscriminado contra adversários
gera um relativismo perigoso, uma falta de critério que nos deixa desarmados
contra os verdadeiros radicalismos. Pacheco sabe que o liberalismo – a teoria
das liberdades, da economia de mercado e da limitação do poder – está na origem
da emancipação e progresso dos povos. Tem cultura para isso. Tem cultura e tem
passado. Pacheco já foi um falcão neoliberal, um defensor da destruição
criativa do capitalismo. Como as «redes» vieram lembrar, Pacheco já lutou
contra «o socialismo em que vivemos impregnados, e que hoje se chama
'estado-providência', ou 'modelo social europeu', que nos condena à
mediocridade». Pacheco já achou que precisávamos de «mais liberalismo»: sem
mais «crise» (da de que falava Schumpeter) e sem mais «boa» insegurança, não
somos capazes de mudar. O Estado faz tudo para nos poupar a essa insegurança,
e, como toda a Europa, afundamo-nos, pouco a pouco, na manutenção,
geracionalmente egoísta, de modelo social insustentável (Sábado, Outubro de
2005).