quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Desenleando a polémica
sobre a psiquiatria e a pedofilia
enquanto «orientação sexual»


Jorge Ferraz

A polémica do dia é esta: Psiquiatras dos EUA aceitam pedofilia como «orientação sexual». O assunto está correr na internet.

Li o seguinte na «ACI Digital»:

A Associação Americana de Psiquiatria dos Estados Unidos (APA) aceitou dentro da quinta edição do seu Manual de Diagnóstico e Estatística das Desordens Mentais a «orientação sexual pedofílica», e diferenciou-a da «desordem pedofílica».

Fui procurar. O tal Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder sexiste. A sua quinta edição foi de facto recentemente editada. Trata-se realmente de um texto de referência da American Psychiatric Association.

Não tive acesso à íntegra do manual na internet, mas encontrei (no site oficial do DSM-5) um documento falando sobre parafilias com a nova versão. Lá é realmente dito que a quinta edição do livro traçou uma linha separativa entre comportamento humano atípico e comportamento que causa angústia mental [mental distress] para o indivíduo ou faz com que ele seja uma séria ameaça ao bem-estar físico e psicológico de terceiros. E estabeleceu a diferença entre o comportamento atípico e a doença (possivelmente) decorrente dele:

É uma diferença subtil mas crucial, que torna possível a um indivíduo envolver-se consensualmente em comportamentos sexuais atípicos sem ser inapropriadamente rotulado com um distúrbio mental. Com esta revisão, o DSM-5 claramente distingue entre interesses sexuais atípicos e distúrbios mentais envolvendo estes desejos ou comportamentos.

[It is a subtle but crucial difference that makes it possible for an individual to engage in consensual atypical sexual behavior without inappropriately being labeled with a mental disorder. With this revision, DSM-5 clearly distinguishes between atypical sexual interests and mental disorders involving these desires or behaviors.]

E aí começou a brincadeira: masoquismo sexual virou «distúrbio sexual masoquista», fetichismo virou «distúrbio fetichista», etc. Finalmente chegamos à cereja do bolo: o que era simplesmente pedofilia (pedophilia) virou «distúrbio pedofílico» (pedophilic disorder).

À primeira vista, portanto, vale tudo o que foi dito acima: a «subtil» mudança objectivava distinguir o comportamento do distúrbio, tornando assim possível a existência de um «desejo ou comportamento» pedofílico que não fosse intrinsecamente doentio. Porém, contudo, todavia, o mesmo documento dedica o parágrafo final a este espinhoso caso, explicando o seguinte:

No caso do distúrbio pedofílico, o detalhe (sic) notável é o que não foi revisado no novo manual. Embora tenham sido discutidas propostas durante o processo de elaboração do DSM-5, os critérios diagnósticados terminaram permanecendo os mesmos do DSM-IV TR. Apenas o nome do distúrbio será mudado de pedofilia para distúrbio pedofílico, a fim de manter a consistência com [a nomenclatura adoptada] nos outros itens do capítulo.

[In the case of pedophilic disorder, the notable detail is what wasn’t revised in the new manual. Although proposals were discussed throughout the DSM-5 development process, diagnostic criteria ultimately remained the same as in DSM-IV TR. Only the disorder name will be changed from pedophilia to pedophilic disorder to maintain consistency with the chapter’s other listings.]

Note-se, portanto, a alteração: fez-se uma revisão completa no conceito de parafilias, a fim de distinguir entre o «comportamento atípico» e o distúrbio que o envolve. Para expressar essa mudança conceitual, adoptou-se uma nova terminologia, transformando a «parafilia X» no «distúrbio X-parafílico». Única e exclusivamente no caso da pedofilia, mantiveram-se os critérios de diagnóstico da versão anterior (i.e., para ela não vale a distinção recém-introduzida). No entanto, para manter uma nomenclatura padrão, alterou-se o nome da doença de «pedofilia» simpliciter para «distúrbio pedofílico». Ao contrário de todos os outros casos, aqui esta nova terminologia não significa uma mudança conceitual no distúrbio psicológico.

A emenda saiu pior do que o soneto. É bastante óbvio que se vai questionar este tratamento diferenciado, feito sem o menor rigor científico. Ou pior, estas notas de rodapé serão facilmente ignoradas quando as pessoas começarem a citar e a usar somente a nova nomenclatura, tendo já interiorizado a razão da mudança. No fundo, esta tentativa de salvar a credibilidade da psiquiatria ficou patética, e não terá força alguma para conter a revolução moral que já há décadas se lança impetuosa contra o que resta de bom senso na civilização ocidental. A APA não reclassificou a pedofilia como uma «orientação sexual», mas deu todas as ferramentas para que isso – por engano ou má fé – doravante possa ser facilmente feito.





domingo, 10 de novembro de 2013

Edite Estrela, a euro-deputada
que mais valia estar quieta


João Silveira

Edite Estrela é a autora dum relatório que, caso tivesse sido aprovado no hemiciclo do Parlamento Europeu, teria que ser levado à prática na União Europeia. As medidas passavam por:

– legalizar o aborto em todos os países (estariam sobre ataque cerrado os poucos países onde o aborto não é legal);

– acabar com a ideia de que os pais são os primeiros educadores e não o Estado;

– educação sexual obrigatória em todas as escolas (falar de masturbação a crianças dos 0 aos 4 anos, por exemplo);

– o fim da objecção de consciência por parte dos médicos, que passariam a ser obrigados, a bem ou a mal, a fazer abortos, mesmo sabendo que estavam a matar crianças indefesas.

Rapidamente surgiu uma movimentação de cidadãos europeus indignados com tudo isto (o que raramente acontece). O resultado foi o melhor possivel, e o estudo foi remetido à precedência.

Perante esta derrota, diz Edite (que quer ser uma estrela):

«Houve aqui uma grande mobilização das forças mais conservadoras, dentro e fora do Parlamento. Recorreram a todos os meios para que este relatório não fosse aprovado. É preciso saber que são forças que se estão a mobilizar: mobilizaram-se em França, e estão a mobilizar-se em vários países, para que haja retrocessos na legislação. Apelo aos cidadãos esclarecidos e progressistas que não se abstenham e que votem, porque o que se decide no Parlamento Europeu tem consequências ao nível da legislação nacional e da vida de cada pessoa.»

Nisto a euro-deputada tem toda a razão, o que eles decidem por lá afecta-nos por cá. Obrigado a todos os que ajudaram nesta vitória. Até breve!