Tudo começou na década de
60, quando Ricardo Salgado foi aluno do professor Aníbal Cavaco Silva. Desde
então, o actual Presidente da República e o ex-presidente do BES não mais
voltaram a quebrar laços. Uma amizade que o jornal i detalha (10 de Setembro de 2014 – jornal i online) e que coloca dúvidas em
relação ao conhecimento de Cavaco sobre a situação que o banco atravessou.
As críticas à actuação
do Presidente da República em relação à crise do BES não têm fim à vista, mesmo
depois da divisão do banco em dois. Ainda na noite passada, Augusto Santos
Silva acusou o chefe de Estado de «sacudir a água do capote» no que a este
assunto diz respeito, por alegar conhecer apenas o que lhe foi transmitido pelo
Governo.
Mas a amizade entre Cavaco Silva e Ricardo
Salgado, que esteve mais de 20 anos à frente da instituição bancária, é de
longa data e não é segredo para ninguém.
O jornal i recua no tempo, na sua edição de (10 Setembro de
2014 – jornal i online), relembrando como tudo começou, na década de
60. Nessa altura, Cavaco Silva foi professor de Ricardo Salgado no Instituto
Superior de Ciências Económicas e Financeiras (actual ISEG).
Desde então, os dois nomes que os portugueses
tão bem conhecem não mais perderam contacto. Entre encontros no estrangeiro e
jantares privados, a relação entre ambos foi-se fortalecendo, com Ricardo
Salgado a incentivar Cavaco Silva a concorrer às eleições presidenciais de
2006.
O banqueiro financiou, inclusivamente, a
campanha em 22 482 euros, o limite máximo estipulado por lei. A família Espírito
Santo foi, de resto, a que deu o maior contributo a nível de financiamento.
Quatro anos passados, Ricardo Salgado apoiou,
mais uma vez, a recandidatura de Cavaco Silva a Belém, cadeira que este veio a
reconquistar em 2011 e em que ainda hoje se mantém «sentado».
Os laços de amizade que unem os dois homens
acentuam as dúvidas em relação ao conhecimento que o Presidente da República
teria sobre a situação que o BES atravessava quando disse, em Julho, que o
banco estava estável.
Conheça a história da
relação entre Cavaco e Salgado
O Presidente da República tem sido criticado por
ter dito em Julho que o banco estava estável. No domingo justificou que só pode
saber do que se passa verdadeiramente no banco quando o governo ou as entidades
oficiais lhe comunicam
O Presidente da
República respondeu este fim de semana a quem o acusa de ter induzido em erro os
pequenos investidores que compraram acções do BES poucos dias antes da decisão
de recapitalização do banco. Cavaco Silva justificou que as suas declarações de
Julho, dando conta que o BES estava estável, tinham por base a informação
oficial de que dispunha e adiantou mesmo que espera ter sido avisado
atempadamente pelo executivo de Passos Coelho e pelas entidades oficiais assim
que houve conhecimento dos reais problemas do banco. Os canais de informação, porém, entre Cavaco e o universo Espírito Santo
sempre existiram. Nesta
última declaração, o chefe de Estado disse não ter «ministérios», «serviços de
execução política», nem «serviços de fiscalização ou investigação» para
conseguir informação além da que o executivo lhe disponibiliza. Mas desde há
muitos anos que são conhecidas as ligações com a família Espírito Santo e a
amizade com Ricardo Salgado.
O i foi recuperar o
início de uma relação entre professor e aluno que começou na década de 60 e os
encontros que mais tarde começaram a traçar uma maior proximidade: desde jantares privados a apoios financeiros à corrida a Belém de 2006.
A REUNIÃO DAVOS O
mediático encontro de 1989 num hotel da Suíça foi um marco nas relações entre o
banqueiro e o então primeiro-ministro, mas não o início. Salgado já havia sido
aluno de Cavaco no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras
(actual ISEG) na década de 60. É, no entanto, naquela reunião que é comunicada
por Salgado e Manuel Ricardo Espírito Santo a Cavaco Silva a intenção da
família de retomar parte do império perdido. O chefe do executivo encontrava-se
naquele país para estar presente no Fórum Mundial de Davos. Nos últimos 20 anos
muita coisa tinha mudado e é ali – no bar do pequeno hotel encerrado para
aquela reunião – que Cavaco fica a conhecer os planos da família Espírito Santo
para o futuro próximo. Queriam regressar a
Portugal com o objectivo de ganhar a privatização do Banco Espírito Santo
Comercial de Lisboa – nacionalizados em 1975 – no âmbito da política
de liberalização económica promovida pelos governos de Cavaco.
PRESSÃO PARA CANDIDATURA A BELÉM O
retorno em força dos Espírito Santo ao país acontece dois anos depois da
reunião no hotel da Suíça, ainda durante o executivo liderado por Cavaco Silva.
Mas se até então as conversações poderiam não passar de meras formalidades, as
dúvidas ficam desfeitas quando anos mais tarde, em
2004, Salgado convida Cavaco para um jantar na casa do Estoril, onde em Julho deste ano foi detido no
âmbito da Operação Monte Branco.
Aníbal Cavaco Silva chegou com a sua mulher ao
jantar onde além de Ricardo Salgado estava Durão Barroso – então
primeiro-ministro –, Margarida Sousa Uva, Marcelo Rebelo de Sousa e Rita Amaral
Cabral. Na altura o semanário «Expresso» adiantou que o convite tinha como
objectivo «pressionar Cavaco a candidatar-se às eleições presidenciais [de
2006]». O banqueiro terá referido nesse encontro que a presença de Cavaco em
Belém seria importante para o país, uma vez que se encontrava numa situação
económico-financeira cada vez mais complicada.
A conversa privada rapidamente se tornara
pública, uma vez que dentro do PSD havia movimentações para a corrida a Belém e
alguns sectores do partido estavam preocupados com a possibilidade de Pedro
Santana Lopes avançar.
Contactado então pelo «Expresso», Ricardo
Salgado confirmou o encontro e admitiu a existência de uma relação de amizade: «[Tratou-se]
de um jantar privado de casais que têm laços de amizade.»
MAIS QUE AMIZADE Mas o
apoio à candidatura não se ficou pelas palavras dessa noite. Ricardo Salgado
fez questão de, no ano seguinte, doar o máximo permitido por lei à candidatura
de Cavaco – que entretanto já havia anunciado que estava na corrida a Belém. De
acordo com o «Diário de Notícias», que consultou as contas das campanhas de
2006, a família Espírito Santo foi uma das grandes financiadoras do actual
Presidente da República, tendo doado 104 928 euros – o que representa mais de
5% do total. Só Salgado
doou 22 482 euros, o máximo então permitido por lei. O banqueiro foi mais longe
que Oliveira Costa, então presidente do BPN, que apenas doou 15 mil euros.
Os apoios da banca a Cavaco não foram exclusivos
da família de Ricardo Salgado, mas os dos Espírito Santo foram exclusivamente
para Cavaco. Segundo o mesmo jornal, por exemplo, a candidatura de Mário Soares
– ainda que tenha tido financiamento da banca – não recebeu qualquer donativo
proveniente do universo Espírito Santo.
Ainda assim, no livro «O Último Banqueiro» é
referido que Ricardo Salgado também terá incentivado Soares a concorrer contra
o social-democrata. Apesar de haver mais apoios para uns que para outros, a
obra refere que o objectivo do banqueiro era que o BES fosse «o banco de todos
os regimes».
UMA RELAÇÃO QUE SE MANTEVE Apesar
de dizer várias vezes que o banco agradava a todas as cores políticas, a
verdade é que Salgado volta a dar a mão a Cavaco em 2010. Num evento organizado
pelo «Económico» o banqueiro defendeu a recandidatura: «O presidente Cavaco Silva é uma referência nacional. Acho que se deve
recandidatar.» As contas das presidenciais de 2011 ainda aguardam
publicação de acórdão, pelo que não são conhecidos os valores das doações.
Outros factos comprovam
a proximidade entre o Presidente da República e os Espírito Santo. Um deles foi
a compra do Pavilhão Atlântico pelo consórcio liderado por Luís Montez, o
empresário de comunicação genro de Cavaco Silva, numa operação financiada pelo
BES Investimento.
Cronologia
1989 Cavaco
Silva, então primeiro-ministro, e Ricardo Salgado encontram-se na Suíça,
juntamente com Manuel Ricardo Espírito Santo. Os membros da família Espírito
Santo revelam que têm vontade de regressar ao país e assumir novamente a
Tranquilidade e o Banco Espírito Santo.
2004 Um
jantar na casa do Estoril de Ricardo Salgado juntava o primeiro-ministro Durão
Barroso, Marcelo Rebelo de Sousa e Cavaco Silva. O «Expresso» noticiou que o
encontro tinha a finalidade de mostrar apoio à candidatura de Cavaco nas
eleições presidenciais de 2006.
2004 Cinco membros da
família Espírito Santo doaram mais de 104 mil euros à Campanha de Cavaco.
Segundo o «Diário de Notícias», a família Espírito Santo foi mesmo uma das
grandes financiadoras, representando mais de 5% do total doado a Cavaco Silva.
Salgado doou o máximo permitido, na altura, por lei: 22 482 euros.
2010 Ricardo
Salgado pressiona Cavaco a recandidatar-se à presidência da República. E chega
a dar a sua posição em público, num evento organizado pelo «Negócios»: «O
Presidente Cavaco é uma referência nacional. Acho que se deve recandidatar».
Cavaco respondeu, numa entrevista à RTP a partir de Luanda, dizendo que irá
pensar em família nesse cenário.
2014 21 Julho – Durante uma
viagem à Coreia do Sul, Cavaco acalma os ânimos e diz que o BES está estável.
Adianta que a entidade bancária não é permeável aos problemas do Grupo Espírito
Santo.
03 Agosto – É anunciada a recapitalização do
Banco Espírito Santo e a sua divisão em dois bancos: um bom e um mau.
07 Setembro - Após
criticas de que terá induzido investidores em erro ao dizer que o banco estava
estável, Cavaco reage dizendo que as suas declarações tinham em conta as
informações que lhe foram prestadas pelo executivo de Passo Coelho, bem como
pelas entidades oficiais. Disse esperar que o Governo lhe tenha dado as
informações assim que teve acesso às mesmas.