sábado, 16 de abril de 2016


O problema do cartão


Inês Teotónio Pereira, Diário de Notícias, 16 de Abril de 2016

O país está calmo. Um ministro sem gravata passa em revista as tropas; um general demite-se de chefe do Estado-Maior do Exército indiferente à gravata do ministro; um secretário de Estado demite-se porque outro ministro metia-se na vida dele; outro ministro (não o da gravata) também se demite porque ameaçou dar duas ou mais bofetadas a dois cronistas, desprezando todos os outros cronistas, e porque quer continuar a ameaçar; o primeiro-ministro convida-nos a não andar de carro e convida um amigo para trabalhar de graça – por isso, não é bem trabalhar. Entretanto, a economia pula e avança, a austeridade acaba, as crianças não vão para a escola sem comer, os idosos são bem tratados nas urgências e o aeroporto de Beja está impecável. Tanta serenidade que podíamos erradamente pensar que está tudo bem. Mas não está. E é para denunciar o que está mal que temos um partido como o BE: o nome «cartão do cidadão» é discriminatório. Gravíssimo. Em minha casa passou-se uma situação semelhante. No outro dia, quando cheguei parecia estar tudo bem. Apenas dois filhos estavam à luta mas sem razão: «Eu só lhe entalei a cabeça entre as pernas e dei-lhe um murro, mas foi a brincar.» Nem uma bofetada. A cozinha também estava arrumada, apesar de o bebé ter entornado cereais pelo chão e de andar a morder maçãs para escolher a melhor. Ninguém tinha feito os trabalhos de casa. Respirava-se harmonia apesar de os quartos parecerem campos de batalha e de o jantar estar por fazer. Um dos miúdos vomitava na casa de banho e percebi que me tinha esquecido de comprar pão para o dia seguinte. E leite. Tudo perfeito e normal, podíamos pensar. Mas não era verdade, e só percebi que vivia numa paz ilusória quando um dos meus filhos, denunciando o mal tal como o BE, gritou: «As minhas meias estão na gaveta do mano!» Obrigada, meu filho, obrigada, BE: o vosso discernimento é a nossa salvação.






CONVITE








A «reinvenção» de Passos Coelho


Maria de Fátima Bonifácio, Observador, 14 de Abril de 2016

Votei em Passos Coelho porque o achava talhado para padrinho de um casamento a meu ver feliz e necessário. Espero que ele não se reinvente. À sua volta, quase só vejo anões.

Desde o Congresso do PSD, tão morno e tão maçador que foi qualificado de «anestésico», correm as lamúrias sobre a «fragilidade» e o «isolamento» de Passos Coelho, de quem o povo laranja teria esperado que se reinventasse, mas que, para grande decepção dos adeptos, se apresentou ao conclave igualzinho a si mesmo. Ainda por cima, disse – e repetiu – com toda a clareza que o PSD não voltaria ao poder na semana seguinte, nem ainda no mês de Maio do ano em curso, o máximo de espera suportável. Que não: que a actual maioria, legal e legítima, se revelara mais sólida do que se julgara; que era impossível assinar-lhe uma longevidade certa e definida; e que, por conseguinte, o PSD teria pela frente uma longa, indeterminável fase de oposição. Passos, portanto, não tinha nada de verdadeiramente empolgante para oferecer. Ganhara as eleições de 2015, é certo; operara o milagre de conseguir que Portugal tivesse uma «saída limpa» do programa de assistência da Troika, é também certo; mas o seu tempo acabara. E só não teria acabado se ele tivesse demonstrado uma acrobática habilidade para se «reinventar» a si mesmo, o que infelizmente não se verificara. De Passos se poderia dizer que não aprendera nada, nem esquecera nada.

Não me tinha ocorrido a ideia de que as grandes qualidades de Pedro Passos Coelho, que estiveram na origem do seu sucesso político e governativo, só tivessem, afinal, validade cíclica. Julgava que o realismo, o pragmatismo, a exigência, a resiliência, a coragem, a força de carácter, a integridade política eram trunfos para todas as estações. Pelos vistos, não são. E não são certamente os atributos requeridos, necessários ou sequer desejáveis para um «novo ciclo político». Quais serão eles?

Pesquei à linha nas declarações dos seus opositores. Desde logo, claro, capacidade afectiva e vocação sentimental. Capacidade para se condoer, de forma que seja bem visível e audível, com os pensionistas mais pobres, por exemplo. Depois, claro, um módico de «maleabilidade», que no dicionário dos seus críticos dentro do PSD significa predisposição para começar por recapitular erros, e acabar num mea culpa; ou seja, renegar tudo o que fez dele o líder e candidato a primeiro-ministro mais votado nas eleições de Outubro de 2015. E significa ainda, no dicionário dos seus adversários mais ressabiados, «abertura» a um «diálogo» com António Costa que vá evoluindo para uma compreensão mútua que, por sua vez, acabe por desaguar numa colaboração afável, franca e prestimosa. Seria uma maneira elegante de o presidente do PSD romper o seu alegado isolamento. Quer dizer, uma maneira de os pequenos e os grandíssimos boys do PSD — os «mais magoados» e os «mais ansiosos» — não fazerem a travessia da oposição em regime de absoluta «abstinência».

Para inaugurar tão virtuosa «abertura», não basta declarar (como Passos declarou num surpreendente momento de fraqueza)  «Social-democracia sempre!». Não. É preciso mais. É preciso expurgar todo o seu discurso do mais ténue vestígio da danosa ideologia liberal ou neoliberal que, durante o seu mandato como primeiro-ministro, pespegou no Partido Social Democrata uma nódoa diabólica. E ainda não chega. José Eduardo Martins, um crítico que já ascendeu a herói pela extraordinária coragem de ter comparecido em Espinho, queixou-se no Diário de Notícias de que «No passado recente […] escasseou a sensibilidade social, foram muitos os momentos de deriva ideológica em que a matriz social-democrata foi esquecida.» Será que o aspirante a futuro presidente do PSD ignora que a social-democracia é cara demais para um país que Passos tirou da bancarrota, um feito que ele próprio reconhece no mesmo texto?!

Pouco importa: houve «deriva ideológica», ponto. Como revela o jornalista Vítor Matos, «Não basta falar de desigualdades para se tornar mais social-democrata.» Passos que não venha agora com essa. É velha; está gasta. Em Espinho, Passos «não levou ao país nem ao partido nada de novo». Não forneceu uma só pista que permitisse diferenciar o PSD «do que fez nas últimas legislativas». Mais: nada disse «sobre aquilo que é hoje essencial para o centro-direita»; apresentou-se o mesmo Passos, «com o mesmo tom, a mesma estratégia, a mesma resiliência, a mesma frieza, a mesma teimosia». Mais grave ainda: «Em tempo de afectos na política», nem ao menos se emocionou ou teve «uma palavra de afecto para os pensionistas e Marcelo ganhou assim». E Vítor Matos conclui muito logicamente: «Parece que não aprendeu a lição.» Qual lição? A de ter vencido as eleições com esta carrada de defeitos? Relapso e contumaz, Passos «manteve as ideias que trazia da campanha eleitoral». Nada me parece mais acertado. Apesar de todo o foguetório e de todos os malabarismos para impressionar incautos, a verdade é que estamos perante «péssimas notícias» no horizonte económico-financeiro, considerando Graça Franco (4.4.16) que o que se perspectiva «é mau demais para continuar a fingir que não se passa nada».

Alguém me explique por que haveria de mudar aquelas ideias. Passos apresentou-se em campanha com um programa de governo para o novo ciclo pós-Troika. Ganhou as eleições, mas o Parlamento recusou-o para primeiro-ministro. Deveria, por isso, deitar as suas ideias borda fora e improvisar um programa diferente pelo motivo de ter passado à oposição? A táctica oposicionista, essa, suponho que seja diferente do estilo e modo de estar no poder. Mas o que em campanha era julgado bom e necessário para o País, transforma-se em mau e desnecessário só porque se transitou para a bancada do combate contra o governo? E, já agora, «o que é hoje o essencial para o centro-direita»? Ser o mais social-democrata possível? Ter um discurso idêntico ao do partido costista e adjacentes? Por outras palavras: competir com a esquerda radical para ver quem gasta ou promete gastar mais?! Como conclui muito acertadamente João Miguel Tavares (Público, 5.4.16), se a «geringonça», por milagre, resultar, no que também eu não acredito, «o tempo será sempre de António Costa, e nunca dos sociais-democratas do PSD».

Esta verdade, porém, não entra nas cabecinhas dos «mais magoados» e dos «mais ansiosos» (Vítor Matos), que pedem a auto-reinvenção de Passos, o exortam a ser mais social-democrata e lhe exigem «novidades». Pedem-lhe, em suma, o poder de volta o mais rápido possível e a qualquer preço. Estou em crer que Passos não se deixará empurrar pela esquerda do partido para uma derrota anunciada. Sinal disso foi a promoção de Maria Luís. Tenho grande apreço pela ex-ministra. Apreço e simpatia: gosto de pessoas inteligentes, convictas, intrépidas, e dispenso expansões públicas de emoções e sentimentos. Embora não tenha a certeza de que fosse preciso um sinal tão forte, a roçar a provocação, o sinal confirma que Passos Coelho não faz a menor tenção de se reinventar.

E ainda bem. Porque se algo é preciso reinventar – e ele é o homem certo para isso – é a própria social-democracia. Porquê? Porque, historicamente, esta já venceu: o que começou a erguer sobre os escombros da Segunda Guerra enraizou-se, vingou, desenvolveu-se e generalizou-se. É hoje, no Ocidente europeu, um património civilizacional tanto da esquerda como da direita. O que falta para sair do impasse actual e arrombar portas que lhe permitam continuar a viver? Falta remover os obstáculos, fruto de ideologias e doutrinas obsoletas, que entravam o progresso do capitalismo.

Sim, do capitalismo. Porquê? Porque o capitalismo, assente na propriedade privada e na concorrência, é historicamente o regime que mais riqueza e prosperidade gerou até hoje, e que retirou centenas de milhões de pessoas da miséria extrema. E é também, em toda a História, o regime económico que mais liberdade, individual e colectiva, concede às sociedades. Num mundo globalizado e que já não dorme, a estatização da economia (e portanto da sociedade), as planificações económicas e os proteccionismos de outrora não são possíveis, nem desejáveis. A social-democracia de cariz keynesiano está esgotada. E a sua urgente reinvenção terá de provir, e só pode provir de um casamento harmonioso com o liberalismo económico. Não é uma contradição e ainda menos um paradoxo. Quem tem medo da palavra «liberal»?

Muito boa gente. Paulo Rangel, por exemplo, num artigo sobre «Mobilidade Social» (Público, 5.4.16), esmera-se a explicar o distinguo fundamental: «O PSD tem um ímpeto liberalizador – que não é o mesmo que um ímpeto liberal.» Deus nos livre! «Numa economia altamente estatizada [como a nossa, supõe-se], liberalizar não é naturalmente ser liberal.» Confesso que a subtileza da nuance me escapa. Muitos social-democratas estão erradamente convencidos de que a social-democracia de cariz keynesiano resolve os problemas da desigualdade e do Estado Social com mais doses de social-democracia keynesiana – ainda mais Estado, ainda mais impostos. Do meu ponto de vista, resolvem-se liberalizando-a, porque esses problemas radicam essencialmente na insuficiência de riqueza. Votei em Passos Coelho porque o achava talhado para padrinho de um casamento a meu ver feliz e necessário. Espero que ele não se reinvente. À sua volta, quase só vejo anões.





sexta-feira, 15 de abril de 2016


Carta aberta ao senhor MDN


Garcia Leandro, Diário de Notícias, 12 de Abril de 2016

Senhor ministro,

Gostaria de escrever uma carta aberta a elogiá-lo e tive esperanças no início das suas funções com o cuidado que teve nas suas declarações, bem como com o conhecimento que demonstrou de algumas situações macro. Infelizmente o processo que terminou com a saída do general chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) foi de uma total infelicidade.

Durante este período fui contactado por todas as cadeias de TV para fazer comentários sobre o tema e a todas recusei para evitar ser injusto ou por não conhecer tudo, mas agora a situação é diferente.

Vamos por partes:

  • o artigo do Observador é bom e as declarações do subdiretor do Colégio Militar (CM) não envolvem qualquer ilícito, embora tenha entrado em detalhes desnecessários;
  • a partir daqui, e sem qualquer razão, surgem acusações de declarações e procedimentos inconstitucionais que não aconteceram e deturpa-se a realidade. Eu explico porquê:
  • quando se citam as Forças Armadas e os militares como base de comparação comete-se um erro de grande ignorância; os alunos do CM não são militares, cadetes ou soldados, são apenas estudantes (crianças e adolescentes) integrados numa instituição com dupla ligação (ao Ministério da Educação em tudo quanto diz respeito à componente académica e ao Estado-Maior do Exército/Ministério da Defesa Nacional nas suas outras componentes, institucionais, desportivas e militares);
  • Estes alunos não são adultos e obviamente que estão ainda em formação física, intelectual, comportamental e de carácter; aquilo que a Constituição declara sobre comportamento sexual de qualquer cidadão não se pode aplicar de modo cego para estas idades. Daí que o CM tenha procedimentos de acompanhamento que são de elogiar e principalmente apreciados ao longo dos anos pelos pais; estes procedimentos protegem cada caso individual e o funcionamento institucional.

Durante estes dias falei com vários pais e todos apoiam o procedimento do CM, tendo a respectiva associação feito uma declaração de que ali não existe qualquer discriminação; por aqui estamos clarificados.


Acontece que V. Ex.ª se assustou, sem qualquer razão, com as declarações do BE, tratou do assunto nos OCS órgãos de comunicação social e pressionou o general CEME para tomar decisões em área da sua exclusiva responsabilidade; claro que qualquer general sério e que mereça tal designação, sendo ainda o n.º 1 do seu ramo, teria tomado a mesma decisão que o general Carlos Jerónimo, que saiu engrandecido de toda esta triste novela.

Termino, propondo que tire as devidas lições, pois se voltar a repetir este procedimento com outros CEM chefes de Estado-Maior, é provável que saia o ministro em vez do CEM em causa.

Lamento ter tido a necessidade de escrever este texto, mas havia a necessidade de colocar tudo no seu devido lugar.


Tenente-general (R)





quinta-feira, 14 de abril de 2016


Petição




Caros Amigos,

Acabei de ler e assinar a petição: «Preservação do Património Ferroviário de Portugal» no endereço http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT80672

Pessoalmente concordo com esta petição e cumpro com o dever de a fazer chegar ao maior número de pessoas, que certamente saberão avaliar da sua pertinência e actualidade.

Agradeço que subscrevam a petição e que ajudem na sua divulgação através de um email para os vossos contactos.

Obrigado.

Maria Helena Costa


Esta mensagem foi-lhe enviada por Maria Helena Costa (helenarua@gmail.com), através do serviço http://peticaopublica.com em relação à Petição http://peticaopublica.com/?pi=PT80672





Gratuito?

Não acredite porque alguém vai pagar a factura


Paulo Ferreira, Observador, 8 de Abril de 2016

O «espírito SCUT» está vivo e, aqui e ali, reaparece travestido de várias formas. Ele reencarnou nos manuais escolares «gratuitos» e nos mega-descontos da CP, por exemplo.

Lembram-se das SCUT? Eram as auto-estradas «sem custo para o utilizador». Não tinham portagens, não se pagava nada para lá circular. Mas como não há milagres, embora muitos governantes gostem de fazer passes de mágica, a factura era paga por alguém. Neste caso, pelo contribuinte. Funcionava assim, através das famosas parcerias público-privadas: o Governo lançava o concurso, os privados construíam e suportavam esse investimento e depois ficavam com a concessão da estrada a troca de umas centenas ou milhares de milhões de euros anuais durante esse período de concessão que durava cerca de 30 anos. Passassem por ali dois mil ou apenas dois carros por hora os privados tinham a sua confortável rentabilidade assegurada. Sem risco, porque o Estado cobria a falta de procura. E ainda pagava a manutenção.

Foi assim que enchemos o país de «AA qualquer coisa», depois da fantástica descoberta do modelo no governo de António Guterres.

Eram, portanto, sem custos para o utilizador mas com muitos custos para o contribuinte. Tantos que quando as contas do Estado se tornaram insuportáveis de sustentar não houve outro remédio senão instalar pórticos de portagem, passando os automobilistas a pagar o que até então era um encargo de todos os contribuintes, tivessem carro ou não, circulassem por ali ou não.

Não aprendemos grande coisa com isso. O «espírito SCUT» está vivo e, aqui e ali, reaparece travestido de várias formas.

Dizem-nos que os manuais escolares vão passar a ser gratuitos para todos os alunos do 1.º ano já no arranque do próximo ano lectivo.

Que os livros sejam suportados pela Acção Social Escolar para todos os que, comprovadamente, não os podem comprar é inquestionável. Ninguém pode deixar de ter as condições mínimas de estudo por questões económicas e se o Estado Social serve para alguma coisa esta está no topo das prioridades. Isso já acontece, colocando manuais escolares à disposição dos beneficiários.

Também é inquestionável que uma das prioridades é acabar com a renda que as editoras recebem à custa das famílias, obrigando-as a comprar manuais e livros de actividades novos em cada ano lectivo, num negócio que conta com a cumplicidade de quem decide e aprova os manuais para cada ano – sobre isto é obrigatório ler este texto de António Araújo.

Mas não é isso que vai ser feito. Os manuais passam a ser «gratuitos» para quem os utiliza mas são pagos pelo Estado, portanto por todos os contribuintes, às editoras, que mantêm o seu negócio. Como a medida vai ser universal, as famílias mais abastadas serão tão beneficiadas como as mais carenciadas. É o mesmo truque de magia das SCUT. Neste caso a factura não é paga na livraria mas sim na repartição de finanças.

Outro exemplo. Há semanas, no meio da «guerra» comercial das ligações aéreas Lisboa-Porto – sobretudo depois dos preços de saldo que a Ryanair e a Easyjet começaram a cobrar nessa rota – a CP decidiu entrar na liça. Anunciou descontos de 65% nos bilhetes comprados com uma semana de antecedência que, no caso da classe turística do Alfa, passam de 30,30 euros para 11 euros. É óptimo que a CP tenha uma forte dinâmica comercial, que melhore os seus serviços e tente cativar passageiros. Mas há aqui um pequeno detalhe: a CP é uma empresa pública, historicamente deficiária e com uma dívida monstruosa. Adivinhem, portanto, quem paga as perdas de receita que não sejam compensadas com corte equivalente de custos: se respondeu «o contribuinte», acertou.

Em 2014 (as contas do ano passado ainda não estão disponíveis) a CP teve prejuízos de 161 milhões de euros, fechou com uma dívida acumulada de 4,5 mil milhões de euros e manteve-se tecnicamente falida, com capitais próprios negativos de 3,6 mil milhões de euros — isto quer dizer, grosso modo, que se a empresa tivesse sido fechada nessa altura a factura que sobrava para os contribuintes era essa, de 3,6 mil milhões de euros.

Ou seja, os descontos de que os passageiros beneficiam na CP não serão pagos por mais ninguém senão os contribuintes.

Eu, que não hesito em preferir o comboio sempre que vou ao Porto — é tão rápido e mais barato do que o automóvel, é cómodo, permite que se vá a trabalhar durante a viagem com a rede wifi disponível e deixa-nos nos centros das cidades — agradeço a amabilidade e o desconto, que aproveitarei com prazer. Duvido é que o meu vizinho da frente, que nunca precisa de viajar no Alfa, sinta o mesmo prazer por pagar uma parte substancial do meu bilhete de comboio quando desconta o IRS e paga o IVA no supermercado para suportar as promoções de uma empresa pública cronicamente deficitária.

Nestas coisas, há um princípio de que nunca devemos abdicar: nunca acreditar quando um governante ou um decisor do Estado diz que alguma coisa vai ser gratuita ou mais barata. O que ele está a querer dizer é que a factura vai ser camuflada e paga por outros. Os contribuintes, obviamente.