quinta-feira, 5 de maio de 2011

In memorium
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General Bettencourt Rodrigues

João José Brandão Ferreira

“A Guiné é defensável e deve ser defendida?
se sim, vamos escolher o melhor general
disponível para a governar, vamos conti-
nuar a fazer o esforço de lá manter os ho-
mens necessários e de procurar dotá-los
do material possível. Se não, prepararemos
a retirada progressiva das tropas, para não
prolongar um sacrifício inútil, designando
um oficial – general, possivelmente um
brigadeiro, para liquidar a nossa presença.”
             Marcello Caetano, a Costa Gomes
                               Depoimento, p. 180



Os três grandes generais das guerras liberais foram Saldanha, Terceira e Sá da Bandeira. Os três exerceram também funções governativas. Dos três, e no conjunto das características humanas, Bernardo de Sá Nogueira era, incontestavelmente, o mais completo, o melhor. Chegou a Marquês, enquanto os outros dois subiram a Duque. Nem Sebastião José chegou a tanto. A História tem destas coisas…

No passado dia 28 de Abril, deixou o número dos vivos o General José Manuel Bettencourt da Conceição Rodrigues. Foi o melhor general de todo o século XX português. A afirmação só me compromete a mim e não pretende ser desmerecedora para qualquer outra figura.

Bettencourt Rodrigues nasceu no Funchal, em 1918 – era também conhecido pelo “Zé da Ilha”, uma daquelas designações que enchem o mundo da camaradagem militar – ia completar 93 anos, em 5 de Junho. BR gostava de viver e teve uma vida cheia, mas não se lhe conhecem vilanias.

A sua carreira militar foi brilhante e culminou com a nomeação, em Setembro de 73, para Governador e Comandante-Chefe da então Província da Guiné, onde o 25 de Abril de 74, o foi encontrar. Declarando não desejar aderir ao golpe de estado em curso, foi preso e transferido para Cabo Verde, com outros oficiais.

Já na Metrópole e nada havendo de que o acusar foi, apesar disso, saneado pela mão do próprio General Spínola. Passou à reserva em 14 de Maio desse ano. Enfim, comportamentos que contam para o passivo da “revolução”.

Desde então Bettencourt Rodrigues remeteu-se ao anonimato, não intervindo em nada, não se queixando de nada e recusando qualquer eventual cargo público. Apenas aceitou ser Presidente da Direcção da sua muito querida Revista Militar, cargo que ocupou durante 10 anos e do qual saiu por vontade própria, pois entendia que as pessoas não deviam ficar demasiado tempo à frente das instituições. Uma das muitas atitudes de lucidez e humildade que lhe conheci.

Bettencourt Rodrigues entrou para a então Escola do Exército, em 1936. Cursou Infantaria – a “Rainha das Batalhas” – sendo o 1.º classificado do seu curso; entrou para o então Corpo de Estado-Maior, em 1951, com a classificação de “distinto”; frequentou o”Command and General Staff College”, Fort Leavenworth, EUA, em 1953; foi adido de Defesa em Londres; comandou o Regimento de Artilharia 1; foi Chefe de Estado-Maior do QG, em Angola, no início da guerra subversiva – onde esteve na origem da formação das primeiras tropas “Comando” – mais tarde comandou a frente leste, em Angola (70-73), onde as tropas sob a sua liderança esmagaram as forças inimigas e praticamente acabaram com a guerrilha, ao mesmo tempo que se promovia uma notável acção psico-social. E ainda teve tempo para, no intervalo da sua intensa actividade militar, ter feito parte do último governo do Prof. Salazar, como Ministro do Exército, transitando para o primeiro governo do Prof. M. Caetano, entre 1968-1970, na sequência do curso de Altos Comandos, onde obteve a classificação de “muito apto”.

Finalmente – não cabe neste escrito fazer a radiografia de toda a sua folha de serviços – quando a situação se tornou delicada no teatro de operações da Guiné, o governo foi procurar o melhor general disponível para tão ingente tarefa e escolheu-o, a ele. Não escolheu um “oficial general de baixa patente” para liquidar a situação…

A situação era, de facto, delicada mas menos por acção do inimigo. É certo que a última grande ofensiva do PAIGC, congeminada em Conakri por instrutores cubanos e soviéticos, e iniciada dois meses depois do assassinato de Amílcar Cabral (20-1-1973), sem dúvida levado a cabo por elementos da ala mais dura e marxista do movimento que aquele liderava, tinha deixado marcas nas FAs portuguesas. Mas foram estas que ganharam a batalha, não o PAIGC…

Mais grave teria sido o ambiente de desmoralização e até de revolta que tocou alguns oficiais do QG, em Bissau, originadas nas desavenças entre o Comandante-Chefe, Spínola e o Chefe do Governo, Caetano.

Foi esta a situação (muito resumida) que o novo governador, Bettencourt Rodrigues encontrou quando chegou a Bissau. Não se pode ter certezas quanto ao evoluir de acontecimentos históricos que são subitamente interrompidos, mas estamos em crer que BR iria sair vitorioso dos desafios com que se confrontava.

E tal convicção radica-se na afirmação supra de o considerar o melhor general português do século XX. Porque o afirmamos?

Bettencourt Rodrigues obteve sucesso em todas as missões de que foi incumbido e reunia em si, um conjunto de características raríssimas de se juntarem na mesma pessoa.

Ao chegar ao topo da carreira, Bettencourt Rodrigues possuía, em simultâneo, a competência operacional e de comando de tropas, tanto em tempo de paz como em campanha, e uma elevada aptidão para trabalhos de planeamento e estado-maior. Bettencourt Rodrigues conhecia o género humano, sabia escolher os homens e não era afectado pela lisonja. E para um homem que tinha ocupado os maiores cargos, não se lhe vislumbrava uma ponta de afectação ou de vaidade.

Tinha uma enorme capacidade de trabalho e a sua integridade e carácter eram à prova de bala. Era um português inteiro e, num país de tricas e azedumes constantes, gozava do raro privilégio ao respeito geral. De facto nunca ouvi “dizer mal” do general em qualquer ambiente. Bettencourt Rodrigues nunca prejudicou o seu país, ilustrou-o, e nunca manchou a Honra da Instituição Militar.

Ora tudo isto configura uma personagem notável que, infelizmente, as novas gerações de oficiais e sargentos já não conhecem.

A sua memória está apenas registada numa das salas de aulas do actual Instituto de Ensino Superior Militar, em Pedrouços, onde foi ilustre professor.

À semelhança de Sá da Bandeira que não foi a Duque, Bettencourt Rodrigues, não foi a Marechal. A História tem destas coisas…

Morreu um grande general português – que o seria também nos exércitos mais afamados – a Infantaria perdeu um dos mais dilectos descendentes do seu Patrono, o grande Nuno; o Exército viu desaparecer um dos seus comandantes mais ilustres e a Nação ficou pobre de um dos seus melhores filhos.

Eu perdi um exemplo e um amigo.

Guardarei, porém, um orgulho: o de poder dizer que o conheci.

Foi das melhores coisas que me aconteceram na vida.

Vai fazer-me muita falta.



domingo, 1 de maio de 2011

Portugal e a Finlândia

João J. Brandão Ferreira










“Se Portugal assume hoje lugar de destaque
no calendário diplomático das nações, não
o deve só à sua posição geográfica e mariti-
ma, pois ela sempre existiu através dos vá-
rios acontecimentos internacionais, mas
sem resultados plausíveis. A razão é outra,
não menos digna de ser citada: o exemplo
honesto do viver português; a clareza da
sua administração; a seriedade dos seus
princípios de franca e leal colaboração e
cooperação pela paz e pelo progresso da
civilização”.

                                Winston Churchill – 1948

Tem suscitado algum mal-estar a atitude do “partido dos verdadeiros finlandeses” em não quererem aceitar a ajuda de resgate da UE a Portugal, no âmbito da actual crise financeira que é, antes de mais, um problema político e um problema moral. E podem emprestar-nos um trilião de euros que o problema financeiro não desaparecerá, enquanto estes dois últimos aspectos não forem debelados.

Este mal-estar fez surgir um texto muito bem escrito, da autoria do embaixador Seixas da Costa e de outro do correspondente da TSF, Hélder Fernandes (embora com um lamentável erro e equivoco, neste último).

Os textos criticam, de uma forma elegante, mas dura, a atitude finlandesa, que é neste momento apenas de uma parte dos seus cidadãos mas que, por arranjos partidários, pode vir a assumir-se como uma posição governamental.

Não se pode dizer que os textos não sejam pertinentes e não apelem ao sentimento de justiça e da decência nas Relações Internacionais, chamando ainda a atenção para a solidariedade entre os povos e os altos e baixos que todas as nações têm ao longo da sua História.

Contudo, na situação presente, não cremos que este seja o mote em que se deva pôr o acento tónico. A tónica deve ser colocada em emendar a mão dos nossos erros e apurarmos responsabilidades, não na reacção alheia. Sem isto não ganharemos o respeito de ninguém.

Que diabo, nós não estamos credores de solidariedade por causa de uma catástrofe natural; uma agressão militar injusta ou uma epidemia de cólera! Nós estamos de mão estendida para que outros venham cá tapar o buraco financeiro que nós abrimos por termos gasto o que não tínhamos e aplicado mal o que gerimos…E, ainda por cima, não se trata de nenhuma ajuda desinteressada, já que nos vão cobrar juros exorbitantes e obrigar-nos a uma ditadura de tutela! À atenção dos democratas…

Nós temos de saber organizar-nos e produzir e não ficar à espera dos excedentes que outros criam; nós devemos querer estar numa posição de poder emprestar e que outros nos queiram emprestar, porque sabem que as nossas finanças são saudáveis, a moeda forte e honramos os nossos compromissos a horas e até ao último cêntimo - como acontecia num passado ainda recente.

Nós devemos querer estar numa posição de decidir o que fazemos, independentemente das pressões, como é exemplo a venda de volfrâmio durante a Segunda Guerra Mundial; e até saber colocar-nos numa situação de poder ceder apoio e solidariedade sem ter que cobrar por isso, como foi o caso da utilização da base das Lajes pela USAF, até à renegociação de 1971 (salvo erro), pois a soberania não se aluga e a divida era, assim, moral e não podia ser quantificada.

Finalmente, nós deveríamos tentar estar num plano, de tal modo superior, que até pudéssemos restituir ajudas que não tinham que ser ressarcidas, para enviar bofetadas de luva branca a quem nos ofende, como foi o caso da devolução da ajuda no âmbito do Plano Marshall, aos EUA, em 1962.

Mas só se pode conseguir tudo isto tendo estadistas à frente dos destinos do País e a Nação estiver imbuída de altos ideais e bons exemplos e hoje não temos nem uns nem outros.

Os povos podem não ter o governo que merecem, mas não estão isentos de responsabilidades e sofrem-lhes as agruras ou as bonomias. E não é uma qualquer autarquia, um clube de bairro ou um vendedor de jornais que representa o país: São o PR e o Governo.

A má governação contumaz e a demagogia política (doença infantil da Democracia), colocaram-nos numa situação em que atraímos a comiseração e o desprezo de muitos mas, também, os exploradores da desgraça alheia e os abutres que aguardam o cadáver adiado. O desentendimento crónico entre a classe político – partidária e as birras pessoais dão de nós todos uma imagem confrangedora.

Bom será, portanto, pôr ordem em casa em vez de nos indignarmos com críticas que nos assentam como uma luva. Ficam bem estes arrobos de dignidade e até de bravata, que as duas cartas revelam, mas não resolvem a nossa divida nem iludem a nossa vergonha.

Ter Dignidade é, sobretudo, não a perder.