sábado, 17 de abril de 2010

Miguel Sousa Tavares, a portaria e a portad'armas

João José Brandão Ferreira

Estabelecer a diferença entre uma “portaria” e uma “porta d’armas” poderá parecer a questão mais pueril, idiota ou desnecessária, que não prenderá trinta segundos de atenção a qualquer pacato cidadão, nem sequer aos mais curiosos.

Sem embargo, é sobre ela que juntaremos umas reflexões em noite de pachorrenta digestão.

Uma portaria é um substantivo comum, à vida de todos os dias. Basta dizer que a maioria dos prédios de habitação e das empresas onde trabalhamos têm uma. Portaria representa, pois, em forma variada, um artefacto movível semelhante ao que se convencionou chamar de “porta” e que permite o acesso a um qualquer espaço confinado. Normalmente é-lhe atribuído um número, curiosamente chamado, “número de polícia”. É uma designação do vulgo, por isso vulgar.

Por seu lado, o termo “Porta d’Armas”, fere-nos de imediato o ouvido; é forte e algo distinto. Provém da bruma dos tempos, é seguramente medievo, porventura da Antiguidade Clássica. Está associado a uma praça forte, um castelo, uma fortaleza. E, indubitavelmente, associada a “armas”. É um local guardado e por onde passam e estagiam Homens d’Armas.

Uma porta d’armas não precisa de número, todos a distinguem, todos a identificam.

Enfim, uma portaria é uma funcionalidade civil, uma porta d’armas é um símbolo militar.



Isto é importante? É.

Uma portaria supõe um “porteiro”; uma porta d’armas, impõe uma “sentinela”, que faz parte de uma “guarda”; uma portaria pressupõe um “pátio”, a porta d’armas implica uma “parada”; a porta d’armas tem um “hall de entrada”, uma portaria é apenas uma porta de serventia; entrar por uma portaria obriga, quanto muito, a um “bom dia” e a troca de identificação; uma porta d’armas impõe um cerimonial regulamentado; se passarmos uma portaria para ir trabalhar, pica-se o ponto; por detrás da porta d’armas cada um é responsável pelo tempo que permanece e responde ao seu superior imediato – num lado existe um horário de trabalho; no outro um horário “normal” de permanência, trabalha-se quando é preciso, descansa-se quando se pode… Atrás de uma porta d’armas existe uma cadeia de comando; quando se passa uma portaria, há uma direcção, ou apenas a nossa família.

Uma portaria transpõe-se de qualquer maneira; uma porta d’armas exige postura: militares quando fardados, obrigatoriamente de cabeça coberta; correspondem a saudações/honras e não passa pela cabeça de ninguém cruzar a “ponte levadiça” de cigarro na boca, a mascar pastilha elástica ou de alpercatas…

Uma porta d’armas carrega um passado e é herdeira de tradições e valores; que a ultrapassam e estão para além dela; uma portaria, quanto muito, interessa a alguns, é circunscrita a espaço e tempo e não se perpetua imaterialmente; uma porta d’armas, implica um comando; numa portaria não passará de uma chefia; uma porta d’armas funciona H24, 365 dias por ano, uma portaria, tem dias.

Em síntese, e para terminar, quando se transpõe uma Porta d’Armas é para se Ser, quando se passa uma portaria é para se Estar.

Não quer com isto dizer que uma portaria seja menos adequada à sua função do que uma porta d’armas, mas convenhamos que a dignidade e o grau de exigência não está ao mesmo nível. Não existe divisão ou antagonismo entre ambas, mas incorre-se numa distinção.

Onde é que Miguel Sousa Tavares (MST) cabe nesta história? Nisto:

No seu programa da SIC “Sinais de Fogo” do passado dia 12 de Abril, em que entrevistou a nóvel esperança partidária portuguesa, foi passado um curto documentário sobre a Escola Superior de Polícia, cujo objectivo era tentar perceber porque é que aquela escola teve no último concurso 45 candidatos para cada vaga, valor superior a todas as outras escolas de nível universitário do País (a Academia da Força Aérea tem cerca de 40 candidatos por vaga para pilotos, sendo o grau de exigência muito maior e havendo muitos que nem concorrem por saber não reunirem os requisitos). MST fez um elogio à PSP e à sua evolução, desde os tempos do antigamente em que ele pouco a apreciava. Falou bem, o homem, com uma excepção de monta, quando referiu que uma das razões do sucesso da polícia foi passar a ser mais “civil”, numa discreta, mas clara alusão depreciativa, ao tempo em que existiam muitos oficias do Exército a enquadrá-la. MST só é ignorante quando quer, pelo que teremos que considerar intencional a inclusão do “pormenor”. Esqueceu-se de dizer que os militares foram por várias vezes salvar a polícia de estados depauperados a que diferentes cataclismos político-sociais a reduziram e porque só há cerca de duas décadas foi criada uma escola para formar os seus quadros superiores. E, já agora, que foram os oficiais das FAs que transitaram definitivamente para a PSP, que tornaram possível a evolução que MST agora elogia e que têm também aguentado as vicissitudes que extensos erros no âmbito dos sindicatos, falta de autoridade, meios e edifício legislativo, têm causado no seio policial.

Mas se MST (e muitos como ele) quisesse ser minimamente honesto intelectualmente, bastava atentar nas diferenças entre quem presta serviço atrás de uma porta d’armas (os militares) e aqueles que se limitam a passar numa portaria (os polícias), para entender que a acção dos primeiros jamais prejudicaria o desempenho dos segundos.

Quem diria que a simples existência de uma Porta d’Armas, pudesse ter tanta importância?









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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Convite

Padre Pedro Quintela

Já lhe conhecia a voz dos seus tempos da TSF. Agora, sempre que oiço no carro a Antena2, com o desejo, sem mais, de ouvir música clássica, sai-me sempre ao caminho essa mesma voz, facilmente reconhecível pela contínua ambição de debitar opinião sobre tudo. E se lhe falta o génio dos mestres transborda-lhe na voz o sentido doutrinário/sanguinário própria dos reaccionários de esquerda: propaganda dos seus, obnubilamento dos outros (para quando musica de Arvo Part, Penderecki, Gorecki?, porquê o apagamento da biografia dos compositores das suas convicções religiosas, dos antigos a Stravinsky e Falla?), referências continuamente venenosas e ácidas no que se refere à Igreja Católica.

Hoje excedeu-se. Sobre um cónego do Porto, músico afamado neste país pequeno, tratou de dizer logo, com todas as letras, que é suspeito de pedofilia. E pronto, está lançado o anátema. Sem sequer o caso estar a ser julgado em tribunal, eis que o juiz da Antena2 lançou o seu veredicto.

Daí o meu convite. Não a que se eleve à altura das coisas do espírito, que só são belas, perduravelmente belas, se o são no espírito de verdade. Não apenas a que refira, ou convide os seus correligionários a referir, com igual gosto e languidez os nomes de toda a rapaziada envolvida no processo da Casa Pia, oficiais do estado e outros. Mas parece-me que seria saudável, no entanto, para sabermos com que linhas nos cosemos, que se referi-se às dificuldades de Eugénio de Andrade, nome maior da sensibilidade pederasta da nossa terra, ou de Lagoa Henriques – esse da estátua do Pessoa no Chiado - que se divertia com os seus modelos meninos, ou ainda uma palavrinha sobre o João César Monteiro e o seu documentário sobre a Sophia, e o modo obcecado como filma a criança sua filha (à venda na FNAC!) ou à literatura pedófila do Partido Radical Italiano, inspirador dos rapazes do Bloco.

Que cite, ainda, Daniel Cohn-Bendit, avatar da cultura libertária de 68, inimigo vencedor do perigoso católico Rocco Buttiglionne na primeira equipa de Barroso (lembram-se?), dinossauro do actual parlamento europeu, e os seus elogios das suas próprias praticas pedófilas. Ou então, se quiser ser mais cosmopolita, ele que nos fale dos passeios de Roland Barthes, esse do Estruturalismo e da Semiótica pela Africa sariana em turismo sexual avant la lettre, ou das aventuras de Paul Bowles na Tanger da sua depravação, mais a Beat Generation sua convidada para o calor marroquino. Que desenvolva os tópicos do Michel Foucault justificando a libertação de todas as censuras sexuais burguesas, e que nos fale ainda do Gide mentor de toda a cultura pedófila e, indo um pouquinho mais atrás, que nos refira o barão von Gloeden e as suas celebres fotografias dos garotos da Itália pobre e, de novo, do Norte Africa apaixonante para essa gente obcecada por meninos. Gostaria também de ouvir duas palavras sobre o Presidente pedófilo Teixeira Gomes, nos 150 anos do seu nascimento, esse que também escolheu para terminar os seus dias a Argélia. E que não se julgue que são coisas perdidas no tempo. O poeta candidato a Belém escolheu para anunciar a sua candidatura a cidade de Portimão, num misto de homenagem ao Presidente escritor e à ética republicana. E pronto, se quiser ser generoso agradeceria, ainda, que nos descobrisse um pouco do mundo das artes nos dias que correm, e basta ficar por Lisboa. Ele que nos fale da gente da música, do teatro, do cinema, e por aí fora, desses que são livres dos preconceitos cristãos.

E já agora, se quer falar dos padres pedófilos, que não se esqueça de referir que o estudo americano sobre estas misérias, o único até agora de natureza científica, aponta que 90% desses famigerados é homossexual. Sim, desse género de gente que não se deve discriminar, segundo as mais recentes conquistas da legislação portuguesa.
Poderá soar-lhe a ‘chinês’ mas, ainda assim, seria bom que ele dissesse que esses padres são gente muito longe do hábito de ir regular e fielmente ao confessionário, que não são devotos do terço, que desprezam a via sacra e a vida dos santos, que detestam e levantam a voz contra o Papa, contra o Papa do dia, e que embora um Papa suceda ao outro não sucede eles amarem o magistério e a sua doutrina. Que é gente, ainda, sem devoção à Virgem Maria e que sofrem muito por causa da proibição da ordenação das mulheres. Que tendem a considerar o celibato uma imposição antiquada e que são muito tolerantes no que se refere ao aborto. E que, se por vezes, essa gente perversa e perdida vive na Igreja, em versão reaccionária, também lhe são reconhecíveis os tiques: ritualismo extremo (=narcisismo pedante), falta de compromisso com os pobres e a missão, acusação contínua à hierarquia de ceder, eles cuja rigidez exterior revela um mundo pulsional febril. Finalmente, seria curioso que se pronunciasse sobre o facto de a pedofilia ser escandalosa ‘apenas’ no mundo cristão, na tradição cristã. Que se arrisque a fazer um prognostico sobre o que irá suceder daqui a cinquenta anos, nesta estrada estonteante que caminha de causa fracturante em causa fracturante…

E pronto, por aqui ficam estas ideias soltas, sugestões escritas apressadamente, ao correr da pena, com um lamurio final: pobre de Cristo, como sempre e uma vez mais humilhado e ofendido nas traições/perversões dos seus. Gente ‘velha’ esta, tão velha como o golpe nocturno do primeiro discípulo sacerdote perverso. Pobre do vigário de Cristo, cujo coração tem de ser do tamanho católico da misericórdia de Cristo, ou o Senhor não lhe pediria tanto! Pobres de Cristo, os humilhados e ofendidos que só o poder do mesmo Senhor poderá ressuscitar de tamanha ferida. Pobres, ainda, esses pobres de Cristo – os cristãos simplesmente cristãos - que levam sobre o seu coração a dor atroz de tudo isto mas que não puderam jamais ceder aos gritos da multidão, como habitualmente aviltada e acovardada.
 




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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Quatro erros do euro

João Cândido da Silva, Jornal de Negócios

Os fundadores do euro lembraram-se de criar alguns desincentivos ao mau comportamento nas políticas orçamentais, mas subestimaram a capacidade dos estados-membros para aparentarem saúde financeira e mascararem as doenças. A crise grega veio demonstrar que, quando os mecanismos de prevenção são frágeis e demasiado crédulos, tem que se actuar sob a pressão da emergência. O pacote de ajudas financeiras ontem aprovado pelos governos da União significa o enterro do voluntarismo sem rede de protecção que foi praticado na Europa.

Deitar as culpas do aumento das taxas de juro da dívida soberana de diversos países da UE para cima dos ombros dos especuladores é como enfiar a cabeça na areia e recusar olhar a realidade e tirar as devidas consequências. Se é verdade que há quem ganhe com a aposta num cenário de incumprimento das obrigações financeiras por parte da Grécia - mas não só -, o crescente endividamento do país teria de afastar das suas emissões de dívida, mais tarde ou mais cedo, os investidores mais conservadores e deixar o preço à mercê de quem aceita correr riscos elevados mas quer ser premiado por isso.

Há males que vêm por bem. A turbulência que tem marcado o comportamento dos mercados de dívida pública de países da Zona Euro estão forçar aquilo que quase duas décadas de preparação e lançamento da moeda única não foram suficientes. Para já, obrigaram os líderes da União a tomarem uma decisão quanto à necessidade de não deixar cair a Grécia, com a aprovação de um pacote de ajudas que, conjugado com os apoios financeiros do Fundo Monetário Internacional, será hoje colocado sob a prova-de-fogo dos mercados.

A Zona Euro devia dispor de mecanismos para acorrer a situações-limite como a que vive a Grécia? Devia. Mas não dispunha. A ponto de uma vídeo-conferência convocada sob pressão ter sido o expediente derradeiro para acertar as somas e a taxa de juro a que o Governo grego poderá solicitar ajuda para satisfazer as elevadas necessidades de financiamento que precisa de recolher para não ser a primeira pedra a cair num edifício que ameaça a derrocada.

A aflição que neste fim-de-semana preencheu o vazio decorreu de vários erros que foram cometidos na construção da união monetária. Primeiro erro? Acreditar que a acumulação de défices nas balanças corrente e de capital jamais voltaria a ser um problema. Confundiram-se as vantagens de substituição de um cabaz de moedas de solidez variável por uma moeda forte, e o afastamento do horizonte de crises cambiais como a que derrubou o sistema monetário europeu, com a inevitabilidade de ter que honrar compromissos, mesmo quando o dinheiro é barato e obtido sem dificuldades.

O segundo erro esteve em crer que, uma vez subtraída aos estados a soberania sobre a política monetária, os governos de nações tradicionalmente mais indisciplinadas teriam a noção das respectivas consequências. E perceberiam que a política orçamental era o derradeiro instrumento que lhes restava e que teria de ser usado com acrescida responsabilidade.

Terceiro erro: alimentou-se a convicção de que um mero sistema de penalizações seria suficiente para travar eventuais descalabros nas finanças públicas, a que se juntou a crença de que os governos não iriam tentar enganar as autoridades que validam os indicadores sobre a saúde orçamental dos estados-membros. Como se sabe, nada disto funcionou.

O quarto erro esteve à vista nas semanas mais recentes. As soluções para acorrer a crises como a que afecta a Grécia, e que não é seguro que não venham a colocar em xeque outras economias endividadas da Zona Euro, foram confiadas à capacidade de improviso. Em vez de discutirem a coordenação de políticas económicas, os líderes europeus entretiveram-se a debater uma Constituição que absorveu tempo e recursos durante uma década inteira, enquanto a economia perdia fôlego para os Estados Unidos e os mercados emergentes.

Quando do lançamento do euro, os seus defensores mais ortodoxos argumentaram que não havia outra alternativa a não ser a de apanhar o comboio. Não era verdade. Agora é que não há outra saída senão a de salvar a Zona Euro de uma queda no abismo que está mesmo à sua frente. O euro tem duas faces. Numa está o Banco Central Europeu, na outra jamais esteve alguém. Os problemas começaram aqui.


 

Conselho da República

Eduardo Dâmaso, Correio da Manhã

Pedro Passos Coelho está a fazer tudo certinho. Ganhou com força, não fez da unidade um apelo vão, procurou incluir os seus adversários, desafiou Cavaco Silva para se recandidatar, assumindo uma causa mobilizadora para o partido.

Ontem, porém, lembrou-se de uma proposta direccionada para a estrutura do poder da República que só cheira a bolor e naftalina. Criar um Conselho da República, mesmo que no âmbito do Parlamento e mesmo que com objectivos teoricamente sérios, não lembra ao diabo. Se há uma coisa de que o País não precisa é de mais cargos de poder, mais liturgia política e mais instâncias de decisão opacas. Se é para fazer nomeações é simples: cumpra-se a lei e escrutine-se sem preconceitos. Se a lei é má aperfeiçoe-se. Agora, avaliar perfis dos nomeados para empresas públicas e órgãos de regulação é criar uma instância de inaceitável desresponsabilização dos governos. É criar uma almofada absolutamente inútil que, aliás, rapidamente se transformaria também numa arma dissuasora de um escrutínio mais exigente por ser composto pelo habitual naipe de notáveis: ex-presidentes da República e ex-presidentes do Supremo. Para quem quer falar ao País e não ao ‘sistema’ começa mal o líder do PSD.


A vingança será terrível

António Ribeiro Ferreira, Correio da Manhã

Portugal vai dar 775 milhões à Grécia mal Atenas abrir a boca para reduzir o défice das suas contas públicas e conseguir dinheiro mais barato.

Serão 73 euros por cada súbdito que ainda tem o azar de viver nesta santa terra. É evidente que o País vai endividar-se ainda mais para pagar aos gregos e o défice de 8,3 % das contas do Estado previsto pelo Executivo do senhor engenheiro relativo já era. Com sorte, o buraco subirá para 8,8 %. Mas a vingança lusa promete ser terrível e os gregos bem podem pedir mais uns milhões de euros emprestados quando chegar a nossa hora. No estado a que isto chegou, dentro de pouco tempo chegará a vez de Lisboa estender a mão. E aí é que os gregos vão ver que a nossa tragédia é bem maior do que a deles. Bem-feita! O último a pedir é quem pede melhor.


terça-feira, 13 de abril de 2010

O faroeste

João Pereira Coutinho, Correio da Manhã, 11 de Abril de 2010

Viva o faroeste! Para quê perder tempo e dinheiro com julgamentos, condenações e lamentáveis masmorras? Uma sociedade de adultos é uma sociedade capaz de puxar o gatilho sem a intromissão do Estado. E o novo Código de Execução de Penas, aprovado pelo PS, é um incentivo ao tiroteio que faria as delícias de John Wayne.

A partir de amanhã, qualquer criminoso, independentemente da natureza do crime, poderá sair da cadeia com um quarto da pena cumprida. ‘Pena’, aqui, é eufemismo: se o criminoso violou ou matou, por exemplo, terá cinco anos para descansar da excitação antes do regresso triunfal às pradarias lusitanas. Momento em que as vítimas, ou os familiares das vítimas, estarão à espera dele, prontas para ajustar contas e desfrutar de igual período de férias.

O novo código é um convite ao crime pela tolerância do crime. E não se entende por que motivo o PS não vai mais longe, abolindo de uma vez por todas o sistema judicial e promovendo a construção de saloons (com portas bang-bang) e, pormenor fundamental, bebedouros para as montadas. A seu tempo.
 
 

O peso das penas

Paulo Rodrigues,
Presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia

Entrou em vigor o novo Código de Execução de Penas e fomos de novo confrontados com o peso das finanças na vida da segurança do País.
Compreendemos que o Estado tenha de se preocupar com a reintegração dos reclusos na sociedade, mas não pode fazê-lo desvalorizando o crime que cometeram, nomeadamente os mais graves, e a importância do cumprimento da pena que lhes foi aplicada. A título de exemplo, um indivíduo que cometa o crime de homicídio contra um agente de autoridade e lhe seja aplicada uma pena de 12 anos, após três pode cumprir os restantes nove em regime aberto no exterior, sem vigilância. Esta medida significa a desvalorização do acto cometido, restando-nos esperar que não se repita. É verdade que os reclusos têm direitos e devem ser respeitados, mas esta postura não pode pôr em causa o respeito pelos direitos dos cidadãos cumpridores das regras da nossa democracia. Um cidadão cumpridor é diferente de um não cumpridor e esta diferença tem de ser levada a sério, até pelo respeito à vítima. Este novo código não só aumenta os sentimentos de impunidade e insegurança, como fragiliza o equilíbrio que a justiça deve ter na sociedade. Independentemente de tudo, nós, polícias, temos uma certeza: o resultado sobrará sempre para nós.


A campanha contra o Papa

OUTRO DISPARATE DA IMPRENSA SOBRE PADRES PEDÓFILOS:
A CARTA DE 1985 DO CARDEAL RATZINGER


Massimo Introvigne

Durou vinte e quatro horas o novo disparate lançado pela Associated Press contra o Papa. Até os media mais hostis, acossados pelos especialistas em direito canoóico, fizeram marcha atrás. Mas, de acordo com o preceito segundo o qual vale a pena caluniar que sempre fica qualquer coisa, na cabeça dos utentes mais distraidos terão ficado apenas os títulos, segundo os quais, em 1985, o actual Pontífice «protegeu um padre pedófilo».

Para se compreender o significado da carta escrita pelo Cardeal Ratzinger a Mons. John Stephen Cummins (e não «Cummings»), Bispo de Oakland (California), a 6 de Novembro de 1985, é preciso ter algumas noções, ainda que básicas, de direito canónico. A perda do estado clerical pode ocorrer (a) como pena imposta pelo direito canónico por delitos especialmente graves; ou (b) quando solicitada pelo próprio sacerdote. Assim, um sacerdote acusado ou condenado por pedofilia pode perder o estado clerical (a) como pena pelo delito cometido ou (b) a seu pedido, pedido esse que o padre pedófilo pode ter interesse em fazer por razões diversas, por exemplo, para escapar à vigilância da Igreja (a vigilância do Estado é mais branda, como fica demonstrado em diversos casos), ou porque pretende casar-se. No primeiro caso, está-se a castigar o padre pedófilo. No segundo caso, está-se a fazer-lhe um favor.

Até 2001, a pena pelo delito de pedofilia – o castigo – era imposta pelas dioceses; em 2001, essa competência passou para a Congregação para a Doutrina da Fé. Em contrapartida, a análise dos pedidos de dispensa do estado clerical – o favor – já em 1985 era da competência da Congregação para a Doutrina da Fé.

Em 1985, Stephen Miller Kiesle, sacerdote acusado de abusos de menores, foi objecto de dois processos distintos. O primeiro dizia respeito à averiguação canónica susceptível de levar à demissão do estado clerical deste sacerdote como pena pelos absusos praticados, averiguação que era da estrita competência da Diocese de Oakland, e em que a Congregação para a Doutrina da Fé de modo nenhum intervinha.

O segundo processo dizia respeito à solicitação, feita pelo mesmo Padre Kiesle, de dispensa do estado clerical, solicitação que chegou à secretária da Congregação para a Doutrina da Fé, a qual – por uma praxe que adquiriu valor de regulamento – não concede a referida dispensa a um sacerdote que não tenha completado os quarenta anos. Na altura, o Padre Kiesle tinha trinta e oito anos e o Bispo Cummins solicitou à Congregação para a Doutrina da Fé que abrisse uma excepção porque, acolhendo a solicitação de Kiesle, Roma libertaria a diocese de Oakland do embaraço de prosseguir a averiguação penal pelos abusos (indagação essa que, em 1985 – antes das alterações processuais introduzidas em 2001 – era, recorde-se, da estrita competência da diocese, e na qual a Congregação dirigida pelo Cardeal Ratzinger não podia intervir).

Se a Congregação tivesse acolhido o pedido de Kiesle, não teria «castigado» o sacerdote; pelo contrário, ter-lhe-ia feito um favor. Na verdade, Kiesle pretendia abandonar o sacerdócio porque tinha a intenção de se casar.
É muito importante distinguir o acolhimento de um pedido de dispensa do estado clerical, que constitui um benefício concedido ao sacerdote e que é da competência da Congregação para a Doutrina da Fé, da demissão do estado clerical como punição, que era, até 2001, da competência das dioceses, e não de Roma.

Enquanto Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Cardeal Ratzinger responde exprimindo a sua compreensão pela delicada posição em que o bispo se encontra – ou seja, agora em termos menos curiais, diz-lhe que compreende que o bispo preferisse que fosse Roma a tirar as castanhas do lume –, mas salienta que, para bem da Igreja, se devem respeitar rigorosamente as praxes, e que a idade do solicitante não permite dar-lhe a dispensa do estado clerical. «Considerando o bem universal da Igreja» – o que não significa, evidentemente, «para evitar escândalos» (aliás, o caso dos abusos sexuais atribuídos a Kiesle já tinha sido amplamente comentado na Califórnia, e o escândalo já se tinha verificado), mas sim «para não criar um precedente que abriria a porta a muitas outras solicitações de dispensa de sacerdotes com menos de quarenta anos» –, o Cardeal Ratzinger explica ao bispo que será necessário ter a prudência de esperar, como sempre acontece em casos de pedidos de sacerdotes que ainda não fizeram quarenta anos.

Entretanto, a Diocese de Oakland poderá, naturalmente, dar andamento à outra averiguação penal, susceptível de conduzir à demissão de Kiesle do estado clerical, não a seu pedido, mas como pena pelos abusos cometidos. Em 1987, enquanto a Diocese de Oakland prossegue as suas averiguações sobre Kiesle – depois de o ter proibido de exercer a actividade ministerial –, o sacerdote faz quarenta anos. Nesta altura, e como é da praxe, a Congregação acolhe o seu pedido de redução ao estado clerical. Kiesle abandona o exercício do ministério sacerdotal e casa-se, continuando a ser conhecido pela polícia como personalidade perturbada e suspeito de abuso de menores.
Os actos cometidos por Kiesle depois de 1987 não são, evidentemente, da responsabilidade da Igreja, mas apenas dos tribunais civis e da polícia. Se praticou outros abusos, a culpa não é da Igreja – que Kiesle abandonou e que deixou de ter quaisquer razões para o vigiar –, mas das autoridades civis.
Como é que ter recusado um pedido que um padre suspeito de pedofilia – que tencionava casar-se – apresentava como pedido de um favor, no seu próprio interesse, equivale a «proteger um padre pedófilo» é coisa que terá de ser a Associated Press a explicar.



domingo, 11 de abril de 2010

Os protestos de Valença e a falta de senso

Quando escrevo faz três dias que ondeiam ao vento na cidade portuguesa de Valença, centenas (?!) de bandeiras espanholas.

Tal facto inédito e indecoroso, acontece em protesto por o governo português ter encerrado as urgências nocturnas, nos serviços de saúde daquela localidade e em agradecimento ao facto do autarca da galega cidade de Tuy, logo ter disponibilizado os seus serviços para atender os portugueses que necessitassem.

Cumpre explicar porque classificamos o que está a acontecer de “indecoroso”.

Independentemente da justiça dos protestos – e tem que se avaliar caso a caso a razoabilidade dos mesmos – e da legitimidade e legalidade do que se entende fazer – outros elementos a ter em conta, desfraldar bandeiras espanholas,nas circunstancias em que o fizeram (diria, em qualquer circunstância), é insensato, perigoso e uma bandalhice, que desacredita e desfeia quem o promoveu e quem aderiu.

Há mil e uma maneira de fazer protestos, e não consta que falte imaginação aos portugueses, agora hastear bandeiras adentro de uma fortaleza que há 900 anos defende o respectivo povoado dos ataques de quem durante todo esse tempo se tem mostrado inimigo ou antagonista, é um acto de quem perdeu o norte, está falho de referências e esqueceu valores. Fica mal. E os fins nem sempre justificam os meios. Acaso imaginam que acto semelhante pudesse ocorrer do lado de lá?

Que agradecimentos merece o alcaide galego além de um muito obrigado? Ele fez mais do que a sua obrigação? Não lhe sabe bem que lhe fiquem devedores e que os euros em vez de se gastarem do nosso lado, transitem para o lado dele? Haverá de facto alguma filantropia?

Caros compatriotas de Valença: andaram mal, e tão cedo não se limpam desta ignomínia!
A maneira mansa e abúlica com que os poderes públicos reagiram ao sucedido é sinal inequívoco de como vivemos numa paz podre e decrépita. A comunicação social acompanha a onda, quando não faz circo no que havia por ter sido tido, como coisa séria e reveladora de que o país está doente. Muito doente. Uma coisa destas, há 30 anos, não acontecia, pela simples razão, de que não passaria pela cabeça de ninguém, sequer, pôr a hipótese de que tal pudesse acontecer!...

Sem embargo, os poderes públicos e as políticas postas em execução são as principais causas do estado, a quase todos os títulos lastimável, a que chegámos. A ignorância histórica, estratégica, geopolítica, etc., demonstrada pela classe política é aterradora. A inoculação de referências erradas é avassaladora.
O resultado está à vista de todos e todos os dias.

As causas próximas destes protestos têm sido o sucessivo abandono do interior do país ao Deus dará. Concentrou-se a vida dos 90 000 Km2 que nos restam, numa faixa de 50 Km junto à costa que vai de Braga a Setúbal. Mais a sazonabilidade turística da faixa algarvia (os arquipélagos são outra questão). O interior está deserto pela migração, pela quebra demográfica, pelo estertor da agricultura, pela devastação dos incêndios e pela ausência de indústria. Até os quartéis do Exército fecharam quase todos…