sábado, 17 de janeiro de 2015


Se não fosse o 1.º de Dezembro


José Ribeiro e Castro

1. São, hoje à tarde (quinta-feira), discutidos no plenário da Assembleia da República, vários projectos de lei sobre a questão dos feriados. Também decidi apresentar um projecto, a título individual, que, graças ao consenso favorável dos grupos parlamentares, também poderá ser discutido hoje e votado amanhã. A imprensa, de uma forma geral, nomeadamente o Observador, já deu nota dos seus pontos mais salientes.

Porém, soube que, no debate em plenário, só terei direito a usar da palavra por 1 minuto para o discutir e defender. A apresentação dos outros disporá de 4 minutos cada um. As regras são assim – são para cumprir.

Isso alterou, porém, a ideia quanto ao discurso que tencionava fazer, focado na questão do 1.º de Dezembro, que é o feriado nacional que mais me tem ocupado. Não é essa a única questão do meu projecto; mas tinha pensado actualizar, perante o plenário da Assembleia, um texto que escrevi há quase três anos e que me ajudou a aprender ao correr da pena, à medida que o escrevia. Teria gostado de o partilhar directamente, de viva voz, com os meus colegas parlamentares.

Não o podendo fazer, por falta de tempo de palavra, antecipo-o aqui, junto com os leitores do Observador, admitindo que ao menos alguns deputados o possam ler. E sorrir. E ponderar.

2. Na reavaliação desta questão dos feriados que tanta tinta fez correr, centro-me na reposição do 1.º de Dezembro, o mais alto dos feriados nacionais, porque celebra o valor mais alto e essencial de Portugal: a independência e a liberdade nacionais.

Quando tudo isto começou, há três anos, cansei-me de ouvir pessoas – creio que minoritárias, mas influentes e poderosas – a sustentar que «o 1.º de Dezembro não tem importância de maior», que «não tem grande valor», que «não representa nada de fundamental», que «podemos bem pensar sem ele». E comecei a escrever um texto ligeiro, quase por brincadeira, apenas a imaginar o que seríamos e o que seríamos, se não fosse o 1.º de Dezembro. É isso que escrevi que vos quero dizer, neste tempo em que decidimos se vamos, ou não vamos, chumbar uma vez mais, pela terceira ou quarta vez consecutiva, o nosso 1.º de Dezembro.

3. Este texto não seria escrito se não tivesse havido 1.º de Dezembro. Ou seria escrito em Castelhano. Não seria dito aqui, porque não estaríamos aqui. Porventura este «aqui» nem existiria, mas qualquer outra instituição.

Não haveria Língua Portuguesa como a conhecemos hoje – teríamos sido sujeitos a longa aculturação espanhola, somando mais 370 anos de usurpação aos sessenta de domínio dos Filipes.

Não haveria a querela do Acordo Ortográfico – porque não haveria o Português, nem o problema da regulação do uso universal da nossa língua. Estaríamos hoje com os galegos, esbracejando pela cidadania linguística.

Não haveria Rui Reininho e a sua «Pronúncia do Norte», nem Pedro Abrunhosa e o seu «Momento» ou Jorge Palma e «Encosta-te a Mim», o «Ó gente da minha terra» de Mariza, o «Fado Tropical» de Chico Buarque.

Fernando Pessoa não seria o que é, nem a «Mensagem». Camões e «Os Lusíadas» seriam talvez desconhecidos, literatura esquecida ou clandestina.

Veríamos filmes dobrados – em Castelhano.

O Fado não seria Património Imaterial da Humanidade. Não existiria sequer o fado, antes outra coisa qualquer de sonoridade espanhola.

Já não teríamos declarado o sobreiro árvore nacional. Não seríamos o maior produtor mundial de cortiça – seria Espanha.

O nosso porco preto alentejano seria porco ibérico para toda a vida, sem apelo nem agravo.

Teríamos centrais nucleares na bacia do Tejo – e talvez também na do Douro –, não só do lado de lá, mas do lado de cá.

Não haveria lado de cá e lado de lá.

A política espanhola de transvases, afectando os nossos rios, estaria aí em pleno.

Não haveria D. João IV, nem D. João V e o seu Convento de Mafra, nem D. João VI e a originalidade fundadora da corte no Brasil.

Não haveria o próprio Brasil. Em lugar dessa criação do génio e do acaso português, teriam surgido outras coisas, fruto de colonizações retalhadas de holandeses, franceses, espanhóis e ex-portugueses falando espanhol. Não haveria o samba e a bossa nova.

Não haveria Angola, nem Moçambique. O espaço de Moçambique estaria repartido por países anglófonos; e no de Angola seria outro retalho qualquer de colonizações holandesa, alemã, francófona, talvez espanhola. São Tomé e Príncipe estaria na Guiné Equatorial, como Fernando Pó e Ano Bom. A Guiné-Bissau moraria na francofonia; Cabo Verde provavelmente também. Não haveria a morna, nem a coladeira, talvez o zouk de Guadalupe e Martinica. Timor seria holandês e, portanto, indonésio. Macau teria logo acabado, pouco depois de ser.

Não teria havido a guerra de África – não teria havido Ultramar ou colónias. Não existiria a CPLP. Nem haveria sequer o Fórum Ibero-Americano, antes qualquer coisa hispano-americana.

Não haveria o navio-escola «Sagres». O nosso mar português não seria.

Não teríamos o Eusébio. Não teríamos festejado o louco terceiro lugar do Mundial de Inglaterra 1966, mas alguns teriam celebrado a Espanha campeã do Mundo na África do Sul 2010. O Benfica e o Porto provavelmente nunca teriam sido campeões europeus. A Académica nunca teria ganho a Taça de Portugal – não haveria Taça de Portugal. Com sorte, Benfica, Porto, Sporting, outro, poderiam ter ganho a Copa Generalíssimo ou a Taça do Rei.

Não haveria Cardeal Patriarca de Lisboa, título do século XVIII. Não haveria um só cardeal português no Consistório de Roma. Não existiria a Conferência Episcopal – os nossos bispos estariam na conferência espanhola.

Teria havido o terramoto de 1755, mas não o Marquês de Pombal, nem a baixa pombalina. As invasões francesas teriam sido uma passeata com cicerone espanhol. Não haveria a questão de Olivença – seríamos todos nós Olivença.

Teríamos tido na mesma as lutas liberais, mas não entre D. Pedro e D. Miguel, antes envolvidos nas longas guerras do carlismo. Não teríamos tido nem Afonso Costa, nem Salazar, mas dois breves episódios republicanos, um fugaz no século XIX, outro nos anos '30 do século XX, seguido da guerra. Teríamos tido a Guerra Civil, seguida do Generalíssimo e da restauração monárquica com rei espanhol. Teríamos sofrido o terrorismo da ETA.

Não haveria Cavaco Silva, presidente; nem, antes, Jorge Sampaio, Mário Soares, ou Ramalho Eanes. Seria D. Juan Carlos; e, hoje, Filipe VI de Espanha – talvez Filipe V de Portugal, se permanecesse a formalidade dos reinos separados e da monarquia dual, o que é duvidoso.

Não teríamos Passos Coelho, nem Paulo Portas, antes Mariano Rajoy e Garcia-Margallo ou Soraya Sáenz de Santamaría.

Não teríamos Ministério dos Negócios Estrangeiros – seríamos somente um negócio de estrangeiros.

Não teríamos Assembleia da República, apenas as Cortes Generales.

Aqui chegados, eu compreendo perfeitamente que as Cortes de Madrid chumbassem o nosso feriado do 1.º de Dezembro, primeiro o Congresso dos Deputados, logo a seguir o Senado. Mas a Assembleia da República fazer isso? Não pode ser.





sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A islamização da Europa

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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015



As três lendas do caso dos feriados



José Ribeiro e Castro, Público, 14 de Janeiro de 2015

Custa compreender a persistente mistificação alimentada a respeito dos feriados banidos.

A primeira é a lenda fantástica da suspensão encantada. Contaram-me um provérbio antigo: «a palavra é criação do diabo para o homem esconder aquilo que pensa». Nunca li a existência do provérbio, mas já o tenho visto acontecer. Não podemos, porém, levá-lo a sério. Quando alguém diz ou escreve, diz ou escreve o que quer significar.

Há duas palavras bem distintas: uma é «suspensão»; outra é «eliminação». Se eu quero suspender, escrevo «suspensão»; se quero eliminar, escrevo «eliminação». Se se escreveu «eliminação», é porque se quis eliminar; porque, caso se quisesse suspender, ter-se-ia escrito «suspensão».

Custa compreender a persistente mistificação alimentada a respeito dos feriados banidos. Por exemplo, a frase «não houve eliminação de feriados, mas sim a suspensão de quatro dias feriados» resolve-se com três palavras apenas: não-é-verdade. Os quatro feriados foram eliminados. Ainda hoje, os feriados estão eliminados. Para os repor, no todo ou em parte, é preciso repô-los. Não há qualquer suspensão que viesse a esfumar-se assim, candidamente, sem nada ter de fazer. Vigora uma eliminação.


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Surpreende que a comunicação social embarque acriticamente na mistificação, contribuindo para a desinformação do público, quando os factos e os textos são claros.

A lei votada em Maio de 2012, na Assembleia da República, não pode ser mais clara no seu texto: «A eliminação dos feriados de Corpo de Deus, de 5 de Outubro, de 1 de Novembro e de 1 de Dezembro, resultante da alteração efectuada pela presente lei ao n.º 1 do artigo 234.º do Código do Trabalho...» E quem consultar, hoje, este artigo 234.º, que contém o catálogo legal dos feriados, verificará que aqueles quatro dias já lá não constam. Sumiram… Foram apagados.

A inicial proposta de lei do Governo, aprovada em Conselho de Ministros de Fevereiro de 2012, não escondia, aliás, o propósito, na Exposição de Motivos: «no domínio dos feriados, procede-se à redução do catálogo legal, mediante a eliminação de quatro feriados, correspondentes a dois feriados civis e a dois feriados religiosos». As palavras são claras. E ficaram em letra de lei. Não houve suspensão. Porquê? Porque quem tinha o poder de determinar não o quis; quis eliminar.


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O que aconteceu foi reacção cívica contra isso, nomeadamente a que tenho animado no Movimento 1.º de Dezembro. Assim se produziram mudanças.

A primeira teve a ver com uma trapalhada. Estando limitado pelo regime da Concordata, o Governo, de facto, teve de acordar com a Santa Sé o regime quanto aos feriados religiosos que fossem tocados. Fez um acordo, creio, a 7 de Maio de 2012. E, no dia seguinte, o acordo foi logo violado. O acordo nunca foi publicado – o que, neste contexto jurídico concreto, é extraordinário… – e, portanto, não se conhecem exactamente os seus termos. Apenas conhecemos o teor dos comunicados emitidos simultaneamente, no dia 8, pelo Governo (Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Economia) e pela Santa Sé (Nunciatura). É daí que vem a lenda da «suspensão», embora os textos dados a público dela não falem. O comunicado do Governo, por exemplo, diz o seguinte: «entendimento excepcional (…), nos termos do qual não se observarão, durante um período de cinco anos, os feriados» tal e tal. Porém, tendo o Governo acordado nisto no dia 7, a proposta de lei alterada em consequência na especialidade, no dia 8, e aprovada em votação final global, no dia 11, estipulou a eliminação pura e simples, sem rebuço, sem ressalva, sem reservas.

Daqui resultou um imbróglio sério, para que logo chamei a atenção e em que insisti. Ocorreram peripécias que me poupo de contar. E é no rescaldo disto que, quase um ano depois, em nova alteração ao Código do Trabalho publicada em Agosto de 2013, é feita uma primeira correcção, ficando a norma assim: «A eliminação dos feriados de Corpo de Deus, de 5 de Outubro, de 1 de Novembro e de 1 de Dezembro, resultante da alteração efectuada pela presente lei ao n.º 1 do artigo 234.º do Código do Trabalho (…) será obrigatoriamente objecto de reavaliação num período não superior a cinco anos».

Foi um acrescento metido a martelo, quase clandestinamente, com técnica jurídica original (uma lei preambular que altera outra lei preambular), enxertado em revisão do Código de Trabalho em matéria bem diversa (as indemnizações por despedimento) e que nem figurava na proposta inicial, nem no texto de substituição que subiu a debate no plenário. Entrou apenas à última da hora em votação na especialidade, nas sessões finais de Julho, antes das férias de Verão.

Porém, mesmo após esta correcção cirúrgica, nem aí pode ler-se «suspensão»: a lei continua a dispor «eliminação» e comina apenas uma vaga obrigação de «reavaliação», seja o que for.

Se houve erro na expressão da vontade política e, nomeadamente, na tradução do acordado com a Santa Sé, há que rever novamente a lei, por forma a fazê-la corresponder ao efectivo pensamento do legislador: se se quis suspensão, é suspensão que tem de ficar escrito. As palavras falam. E vinculam.


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Outra lenda é a de que acordos internacionais impedem, agora, de mexer no assunto. Suponho que a lenda se refira ao diálogo com a Santa Sé e ao tal acordo que tudo permitiria deslindar, mas que mora no segredo dos deuses – e de alguns homens também. É a suave lenda dos acordos misteriosos.

Todavia, nada nos impede de eliminar a eliminação de feriados – amanhã mesmo, se o quiséssemos. Ou de levantar a suspensão, se de suspensão se tratasse.

O Estado Português estava impedido de cancelar feriados contra a Concordata – mas foi o que fez. Daí o tal acordo secreto, que não se conhece. Face à situação criada, eu sustento que, diga esse acordo o que disser, a nossa lei ficou ilegal à luz do Direito Internacional, por violar um catálogo de feriados religiosos que consta da Concordata e que, nos termos da Constituição, entrou directamente em vigor – e está, portanto, em vigor. Esse processo jurídico seria, porém, tão complexo que o melhor é resolver as coisas politicamente. E com bom senso.

A posição jurídica do Estado Português diante da Santa Sé é, hoje, frágil. E tornar-se-á absolutamente insustentável ao expirar dos cinco anos de que falam os dois comunicados trocados a 8 de Maio de 2012.

Porém, se, hoje mesmo, o Estado Português quisesse de novo realinhar a lei com o catálogo expresso da Concordata, não haveria obviamente problema algum. Antes pelo contrário: estaria reconstituído o Direito.


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A última lenda tem a ver com a troika. Que se saiba, objectivamente, a troika não meteu aqui prego, nem estopa. Não há no Memorando de Entendimento de Maio de 2011 uma só referência à eliminação ou suspensão de feriados. Pior: o que foi legislado contraria o próprio Programa de Governo. Nas versões posteriores do Memorando, que várias foram, tão-pouco consta o assunto. Não recordo um só dos doze relatórios de avaliação que o referisse, erigindo-o como uma condicionalidade satisfeita. E não tenho ideia de alguma vez ter sido valorizado nas inúmeras reuniões da Comissão de Acompanhamento com a troika.

troika tem as costas largas. É a terrível lenda do dragão da troika.

Por isso, depois de o Governo – e bem – ter enfrentado a troika na questão do salário mínimo, menos compreendo que não se reponha já o feriado incomparável: o 1.º de Dezembro. Que não volte já o feriado que celebra o valor único da independência nacional de Portugal e, por isso, é o feriado dos feriados, o mais alto dos feriados nacionais. E que, a partir daí, se esclarecesse também com a Igreja a festividade religiosa que deveria ser já reposta (em minha opinião, o 1 de Novembro) e se abrisse um diálogo institucional sério para resolução concertada e duradoura desta matéria.







Como escapar por entre a chuva, sem se molhar!


TGV Negociou swaps que depois
comprou no Governo

O actual secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, foi em 2010 administrador do consórcio privado Elos e, revela hoje o Jornal de Notícias, celebrou contractos tóxicos (swaps) associados ao troço do TGV Poceirão-Caia. Mas anos depois, já no Governo, transferiu-os para a Parpública, com perdas acima dos 152 milhões de euros. E, refira-se, sobreviveu à tempestade provocada pelos swaps que fez cair três secretários de Estado.


O Jornal de Notícias (JN) revela hoje, citando dados recolhidos após a divulgação da análise da auditoria do Tribunal de Contas ao TGV, que Sérgio Monteiro, actual secretário de Estado dos Transportes, negociou e assinou um empréstimo, com contractos swap associados, para o troço Poceirão-Caia.

Fê-lo em 2010, quando era director da Caixa/Banco de Investimento e quando o Governo de José Sócrates adjudicou ao consórcio privado Elos a linha de TGV entre o Poceirão (Palmela) e a zona de Caia (próxima à fronteira com Espanha). Enquanto administrador do consórcio, em representação da accionista CGD, Sérgio Monteiro assinou um contracto com a banca para um crédito de 690 milhões de euros, no qual constam quatro contratos swap.

Acontece que em 2011, após ser nomeado secretário de Estado, o Governo PSD/CDS cancelou o projecto ferroviário de alta velocidade e deu início às negociações para a Parpública assumir a posição do consórcio Elos no contracto de financiamento que, recorde-se, inclui quatro swaps.

Esta transmissão, conta o JN, foi aprovada a 21 de Janeiro de 2013 pela ministra Maria Luís Albuquerque com uma perspectiva de perda de 180 milhões de euros. Meses depois rebentava a polémica associada aos contractos tóxicos que fez cair três secretários de Estado por ligações aos ditos swaps. Mas Sérgio Monteiro resistiu à tempestade.

Em declarações ao JN, o governante esclarece que «todas as intervenções que teve na assinatura de quaisquer contractos foram sempre precedidas pela aprovação das operações de financiamento e derivados nos órgãos próprios da CGD, dos quais não fazia parte».

Além disso, acrescenta numa resposta assinada por uma das assessoras do Ministério da Economia, «foi um processo negocial liderado pelo Ministério das Finanças», no qual se «orgulha» de ter tido um «papel activo» e «liderante» na decisão de cancelamento do TGV». Mas no que diz respeito aos 152,9 milhões de euros que os swaps representam actualmente, nem uma palavra.