Miguel Monjardino
O aviso chegou no início da semana e foi claro.
«Hoje posso dizer que entrámos ou estamos a caminho de entrar numa crise
económica de grandes proporções. No próximo ano vamos senti-la na sua máxima
força,» disse Alexei Kudrin numa conferência de imprensa em Moscovo.
Kudrin foi ministro das Finanças da Rússia entre
2000 e 2011 e conhece como ninguém a situação dos bancos, empresas e famílias
do seu país. As suas declarações são uma crítica clara às posições assumidas
por Vladimir Putin no seu discurso anual sobre a situação do país e a
tradicional conferência de imprensa de final de ano nas últimas semanas. Para
compreendermos melhor o que está a acontecer em Moscovo é preciso recuar um ano
e regressar a Kiev.
O assalto russo à Crimeia e ao leste da Ucrânia foi
uma reacção de Moscovo à perda do controlo sobre Kiev. O Kremlin agiu para
tentar preservar a sua influência numa região crucial do ponto de vista
geopolítico e iconográfico para a Rússia e forçar Kiev a participar na União
Euro-Asiática. Mas Putin também agiu preventivamente para impedir uma União
Europeia cada vez mais dominada por Berlim de se aproximar das fronteiras da
Rússia. 2014 é o ano em que o eixo Bruxelas-Berlim passou ser visto por muita
gente no Kremlin e na sociedade russa como um adversário. Há muita gente na
Europa que ainda não percebeu isto.
A queda do preço do petróleo, a descida da cotação
do rublo, as sanções impostas pelos EUA e pela UE e o endividamento externo das
empresas estão a criar sérias dificuldades na capital russa.
A queda da Crimeia foi rápida.
Mas no leste da Ucrânia as coisas foram muito diferentes. Os ucranianos
combateram e as milícias separatistas nunca conseguiram o apoio social da
população que por razões religiosas, históricas e políticas é pró-russa. Moscovo
foi forçada a intervir de uma forma muito mais clara. O actual impasse militar
foi conseguido à custa de um preço elevado.
Segundo algumas organizações não-governamentais
russas, Moscovo poderá ter sofrido 4 000 mortos em apenas alguns meses de combate.
Como o Kremlin nega qualquer intervenção, ninguém sabe qual é o número de
baixas russas. Mas é provável que seja elevado. Além disso, a queda do preço do
petróleo e do rublo, o controlo de Washington sobre o sistema financeiro
internacional, as sanções dos EUA e da União Europeia, o endividamento externo
das empresas russas, a fuga de capital e a queda da confiança estão a criar
sérias dificuldades na capital russa.
Kudrin defende que a melhor
solução é normalizar rapidamente as relações da Rússia com os países da União
Europeia e Washington. Em termos estratégicos isto significa duas coisas: o
futuro do país continua a passar pela integração no mundo euro-atlântico e
Putin cometeu um erro grave na Ucrânia.
O discurso e a conferência
de imprensa do Presidente russo sugerem exactamente o oposto. A integração com
a Europa foi um erro, é preciso mudar todo o modelo económico russo para o
tornar menos vulnerável a choques externos, virar o país mais para a Ásia e
investir muito dinheiro em unidades militares expedicionárias até 2020. Como
Putin tornou claro, a Rússia fará esta transição nos próximos anos. Temos de
pensar no que é que esta escolha significa a nível europeu e internacional.