sábado, 3 de novembro de 2012

Promotores do aborto indignados com
derrota dos «direitos das mulheres»
na Rio+20

 Timothy Herrmann e Stefano Gennarini
 
Admitindo que sofreram uma derrota dolorosa, líderes políticos juntaram-se aos promotores do aborto e do controle populacional para expressar indignação com a omissão do termo «direitos reprodutivos» do documento final produzido na conferência Rio+20 da ONU sobre desenvolvimento sustentável.

Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA, dirigiu-se aos líderes políticos no último dia da conferência referindo-se ao facto. «Embora eu esteja muito contente que o documento final deste ano apoie a saúde sexual e reprodutiva e o acesso universal ao planeamento familiar», declarou ela, «para alcançar as nossas metas no desenvolvimento sustentável temos também de garantir os direitos reprodutivos das mulheres».

Embora a saúde reprodutiva seja mencionada seis vezes e em três parágrafos diferentes, muitos lamentaram que na sua opinião sem uma menção de direitos reprodutivos, um termo que os defensores do aborto usam como sinónimo de aborto, não daria para considerar o documento como uma vitória para os direitos das mulheres ou para a sustentabilidade.

A organização de mulheres que representa mais de 200 grupos diferentes na ONU chegou ao ponto de afirmar que a ausência de direitos reprodutivos significava que «dois anos de negociações culminaram num resultado de Rio+20 que não fez progresso nenhum para os direitos das mulheres e para os direitos das gerações futuras no desenvolvimento sustentável».

Durante a conferência de duas semanas, a Federação Internacional de Planeamento Familiar e outras organizações patrocinaram eventos que ligam explicitamente os direitos reprodutivos e o controle populacional, principalmente nos países em desenvolvimento.

Gro Harlem Brundtland, ex-primeira-minista da Noruega, foi um dos criadores da noção do desenvolvimento sustentável há vinte e cinco anos e vem de forma despudorada a fazer a conexão, avisando que «a única maneira de responder ao crescente número de seres humanos e falta de recursos é por meio da concessão de mais direitos às mulheres».

Ela também disse: «A omissão de direitos reprodutivos é lamentável; é um retrocesso de acordos anteriores». E concluiu dizendo que «a declaração da Rio+20 não faz o suficiente para ajustar a humanidade num caminho sustentável».

Muitas delegações, com a Santa Sé, repercutiram o alarme sobre a ligação desses termos e com êxito excluíram-nos do documento final. Bruntland disse com frustração que «não podemos dar-nos ao luxo de permitir essa ultrajante omissão, impulsionada por tradições antiquadas, discriminação e pura ignorância», em referência directa à intervenção da Santa Sé.

Quem também criticou a exclusão dos termos foi Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e presidente do Conselho de Líderes Globais para a Saúde Reprodutiva do Instituto Aspen. Ela declarou: «Não pudemos integrar amplamente a questão do planeamento familiar nesta conferência no Rio de Janeiro. Isso é um engano. O crescimento populacional em países pobres tornou-se um problema global, com implicações de longo prazo para a saúde económica, ambiental e política do mundo inteiro».

A saúde materna é mencionada apenas indirectamente no documento, e só num parágrafo. Evidentemente a pressão para promover direitos reprodutivos na conferência não foi tanto sobre a saúde das mulheres quanto foi sobre colocar o aborto e o controle populacional no documento Rio+20 sob o pretexto de desenvolvimento sustentável.

Considerando que a Santa Sé chamou a atenção para essa agenda e várias nações puderam construir o consenso necessário para manter o termo polémico fora do documento, não é de pasmar que os defensores do aborto estejam irados e continuem a ridicularizar o Vaticano como se estivesse a travar uma guerra contra os direitos das mulheres. O lamento real deles é o desmascaramento da sua agenda para promover com pressão o aborto e o controle populacional e terem sido confrontados em flagrante.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

No 50.º aniversário da criação
das tropas «comando»


João José Brandão Ferreira TCor/Pilav (Ref.)


ENQUADRAMENTO POLITICO-ESTRATÉGICO

DAS CAMPANHAS ULTRAMARINAS 1954-1974

 
O MUNDO APÓS A II GUERRA MUNDIAL

 
No fim da guerra, Portugal era um país mais coeso e próspero do que no início da mesma e não perdera nada de seu. Apenas Timor tinha sido invadido e ocupado, primeiro por holandeses e australianos e, depois, por japoneses. Virtuosismo diplomático e firme determinação do governo português, de então, fê-lo retornar à nossa soberania plena, em 29 de Setembro de 1945, quando uma força militar portuguesa ali desembarcou, ida de Moçambique.

Terminada a guerra era preciso reorganizar o mundo. Nesse sentido foi assinada, em Julho de 1945, a “Carta” que criou a Organização das Nações Unidas, durante a Conferência de S. Francisco.

No fim da guerra emergiram duas superpotências: os EUA e a URSS.

Com a Europa em ruínas e os exércitos desmobilizados a Oeste, veio o mundo ocidental a ser confrontado com a ameaça ideológica e imperialista da URSS e dos seus satélites. De facto este país, que tinha feito uma aliança contra natura, primeiro com a Alemanha nazi e, depois, com as democracias ocidentais, manteve os seus exércitos, recusando-se a sair de todos os territórios que tinha ocupado na sua ofensiva sobre Berlim, ao mesmo tempo que manobrava para colocar regimes comunistas em todos os países de Leste.

A guerra civil na Grécia, entretanto deflagrada, foi desfavorável ao PC grego e os Aliados negociaram com os Soviéticos um acordo, ainda hoje algo obscuro, que levou a que todos abandonassem a Áustria em troca da sua neutralidade futura.

Deste modo foi criada a NATO, em 1949, para fazer face à nova ameaça militar, e deu-se início ao plano Marshall para ajudar a recompor a vida económica e social na Europa, que estava fora do jugo soviético.

Do outro lado desenvolveu-se o Pacto de Varsóvia, em 1955 e o COMECON.

A situação política militar entrou num impasse, com os diferentes exércitos alinhados frente a frente pois, entretanto, tinha surgido a arma atómica cujo efeito destruidor era de tal forma poderoso que, há partida, garantia a destruição mútua dos contentores. Entrou-se, deste modo, numa espécie de equilíbrio do terror.

Para obviar a este impasse desenvolveram-se diferentes estratégias indirectas de fazer a guerra, a mais importante das quais foi a capacidade de influenciar países terceiros.

Para tal tornava-se necessário obrigar à retirada política dos países europeus, ditos colonialistas, de todos os territórios que tutelavam fora da Europa. Tal desiderato foi facilitado por três grandes ordens de razões: primeiro porque as derrotas ocidentais no Oriente tinham quebrado o mito da invencibilidade do homem branco; depois porque quase todas as potências ocidentais fizeram promessas aos povos indígenas de autonomia progressiva, se estes os ajudassem contra as potências do Eixo; finalmente e mais importante, porque a saída dos europeus de África e da Ásia interessava, por razões diferentes mas confluentes no propósito, à URSS e aos EUA.

Na América Central e Sul o conflito entre as duas superpotências prolongou-se através da política da canhoneira e protecção a ditaduras que defendiam os interesses capitalistas dos EUA, e à criação de movimentos subversivos por parte da URSS. Cuba é, ainda hoje, o expoente vivo deste confronto.

Estas posições vieram a confluir no movimento anticolonialista e terceiro-mundista que teve o seu ponto alto na conferência de Bandung, em 1955, onde pontificaram três líderes mundiais da causa: Nasser, Tito e Sukarno.

Começaram, assim, a surgir um pouco por todo o lado movimentos emancipalistas, normalmente liderados por naturais dos diferentes territórios, formados na respectiva Metrópole. A esmagadora maioria deles era de inspiração marxista com pendor, stalinista, trotskista ou maoísta. A luta no terreno passou, também e progressivamente, para a ONU.

Portugal, que não tinha em rigor, nada a ver com tudo isto, foi apanhado na tormenta e sofreu-lhe as consequências.

Primeiro no subcontinente indiano, onde após a sua independência da Inglaterra, a União Indiana – sem qualquer razão da sua parte – começou a reivindicar a posse dos nossos territórios de Goa, Damão e Diu; depois, quando entrámos para a ONU, em 1955, e nos foi perguntado se, ao abrigo do artigo 73 da Carta, tínhamos a declarar algum território não autónomo sob a nossa administração.

A resposta negativa e pronta de Portugal desencadeou uma tempestade política e diplomática dentro daquela organização, que pretende ser a fonte principal do Direito Internacional, e que nunca mais parou até ao 25.4.1974.

O Ataque

“Parta V. Exª descansado que eu não deixarei ficar mal a bandeira portuguesa!”.
 
Aniceto do Rosário

(Para o governador do Estado da Índia, antes da ocupação dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, pela União Indiana, em 20 de Julho de 1954)

Como se sabe Portugal foi atacado, militarmente em quatro locais diferentes, se deixarmos de fora a ridícula e mesquinha ocupação pelo Daomé, da nossa fortaleza de S. João Baptista de Ajudá, em 1 de Agosto de 1961, porque - segundo eles - “constituía um perigo para a paz mundial”… Resta dizer que a Fortaleza estava ocupada por dois funcionários, a mulher e a filha de um deles e um serviçal, os quais se portaram com grande dignidade.

Estamos a falar do Estado da Índia e de Angola, Guiné e Moçambique.

Há aqui, todavia, que estabelecer uma diferença entre o que se passou no primeiro e nos outros três territórios; de facto a agressão a Goa, Damão e Diu configurou um conflito clássico enquanto os restantes três foram objecto de uma acção subversiva que degenerou em guerrilha.

Assim, no caso primeiro foi a União Indiana como estado soberano que se assumiu como agressor - com o apoio da URSS e da maioria dos países terceiro-mundistas (mas não da China); enquanto, nos restantes casos foram criados vários movimentos independentistas que tinham as suas principais bases de apoio nos territórios limítrofes aos nossos e uma vasta ajuda do bloco soviético ou por eles influenciados, China, países da OUA e, até, o apoio moral e financeiro de alguns países do bloco ocidental que se diziam aliados de Portugal.

O ataque da União Indiana a Portugal pode ser dividido em quatro fases: a primeira fase teve início em 1947 e durou até ao ataque ao enclave de Dadrá e Nagar-Aveli, em 1954. Foi a fase de persuasão e pressão política para negociar a entrega; a ocupação dos enclaves marcou o fim da via pacífica.

A segunda fase diz respeito à reacção indiana às tentativas de recuperação dos enclaves por parte de Portugal. A estas diligências Nova Deli respondeu com violações de fronteira, subversão interna, propaganda, guerra de nervos, agitação internacional, bloqueio, perseguições às comunidades goesas na União Indiana, etc.

A terceira fase foi a do debate internacional que se prolongou de 1955 a 1960 e que culminou com a sentença do Tribunal Internacional da Haia, favorável ao nosso País.

Pode dizer-se que Portugal conseguiu ultrapassar e vencer todas estas fases. Quando o governo indiano se deu conta que Lisboa não cedia e vendo frustradas todas as suas maquinações, urdidas durante 14 anos, resolveu deitar mão ao método que lhe restava: a invasão militar para a qual nem sequer tiveram a decência de nos declarar guerra. Tal aconteceu na noite de 17 para 18 de Dezembro de 1961, utilizando 45.000 homens (mais 25.000 de reserva), várias esquadrilhas de aviões de combate e a esquadra que incluía um porta-aviões.

As forças portuguesas com cerca de 3.500 homens, mal equipados, armados e municiados (e também mal estruturados), sem aviação e apenas com um navio de combate com 30 anos de serviço, renderam-se em menos de 24 horas, depois de algumas acções heróicas isoladas.

Angola

“O inimigo atira pela porta da capela paroquial. Salvem-nos. Morremos portugueses.” 

Apelo pela rádio dos heróicos defensores de Mucaba antes de serem salvos pela acção da Força Aérea, 30 de Abril de 1961

Angola possuía uma dimensão enorme com 1.264.314 Km2 (14,5 vezes a Metrópole), com 4837 km de fronteira terrestre e 1650 de orla marítima. Luanda estava a 7300 km de Lisboa e para se atingir Lourenço Marques era preciso percorrer mais 3000 km.

A maioria da fronteira terrestre era permeável à guerrilha que se movimentava livremente no Congo, no Zaire e na Zâmbia. Só as fronteiras da Rodésia e da República da África do Sul eram seguras para nós.

Angola era escassamente povoada, apenas com 4.800.000 habitantes (cerca de 4/Km2), dos quais 95,5% eram negros, 3,5% brancos e 1,1% de mestiços. Existiam 94 etnias diferentes, contando nove grupos étnico - linguísticos.

No fim do conflito o número de combatentes portugueses contabilizava cerca de 70.000 homens e o inimigo cerca de 11.000.

Eram dois os principais partidos clandestinos que actuavam em Angola; a União dos povos de Angola (UPA), mais tarde denominada Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) - que chegou a formar o GRAE, governo provisório da República de Angola no exílio; e o Movimento Popular de Libertação de Angola.

Outros movimentos menores vieram a desaparecer ou a integrar o MPLA ou a FNLA.

Finalmente surgiu, em 1966 e apenas no Leste de Angola, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que era dissidente da FNLA.

A FNLA foi fundada, em 1958, em Acra (Ghana), era chefiada por Holden Roberto, não era marxista e era apoiada pelo Zaire; o MPLA, fundado em 1960, era chefiado, desde 1962, por Agostinho Neto, de linha marxista soviética e apoiado pelo Congo Brazaville e, mais tarde (1965), pela Zâmbia; a UNITA, chefiada por Jonas Savimbi, foi criada no interior de Angola (Moxico), em 1966, apoiava-se no Congo Kinshasa e era de ideologia algo indefinida.

Todos os três movimentos lutaram entre si, pela via das armas e diplomaticamente, para conseguirem o reconhecimento internacional, nomeadamente no seio da OUA. Esta rivalidade foi sempre muito favorável a Portugal.

O ataque a Angola teve início com o genocídio efectuado pela UPA a partir de 15 de Março de 1961, e tinha sido antecedido pelos graves incidentes da Baixa do Cassange, em 11 de Janeiro de 1960, que foram duramente reprimidos pelas autoridades portuguesas; e pelo ataque à cadeia de S. Paulo, à Esquadra da PSP e à Casa de Reclusão em Luanda, em 4 de Fevereiro de 1961.

Guiné

“Não Senhor, tudo isto foi feito pelos portugueses; nós não fizemos nada, nós só estragámos”
 
Cor. Celestino de Carvalho

CEMFA da República da Guiné-Bissau – 1996

A Guiné com 36.125 km2 (sensivelmente o tamanho do Alentejo), dos quais apenas 28.000 km2 estavam acima do nível do mar (os restantes eram submersos diariamente pelas marés). A Guiné tinha 680 km de fronteira terrestre com a República do Senegal e da Guiné-Conakri, onde o PAIGC tinha os seus “santuários”. Era à data do início da subversão, um território pobre, com um clima insalubre, com cerca de 550.000 habitantes divididos por 17 etnias principais, das quais metade islamizados e metade animistas. Existiam cerca de 3.000 brancos e 5.000 mestiços. A maioria da administração pública era ocupada por cabo-verdianos com escolaridade elevada. A economia do território era incipiente e baseava-se no sector primário.

Bissau encontrava-se a 3.400 km de Lisboa e a 4.000 km de Luanda.

Os movimentos subversivos na Guiné datam de 1952, ano em que foi criado o Movimento para a Independência da Guiné, por Amílcar Cabral.

Este movimento transformou-se, em 1956, no PAIGC dirigido por Rafael Barbosa e o mesmo Amílcar Cabral. Outros movimentos surgiram, mas não singraram à excepção da FLING, a Frente de Luta para a Libertação da Guiné, dirigida por Mário Jonas Fernandes. A partir de 1964 só estes dois movimentos subsistiam, mas a FLING veio a perder importância face ao crescimento do PAIGC, fortemente apoiado por Sekou Touré, Presidente da Guiné - Conakri, por Cuba e pela URSS.

A 3 de Agosto de 1959, houve incidentes no cais do Pigiguiti, em Bissau, causados por greves de que resultaram alguns mortos. Este caso é considerado como o antecedente próximo do início da guerrilha. O PAIGC não cometeu os mesmos erros que a UPA em Angola. Preparou melhor os seus quadros; treinou e armou os seus homens e doutrinou melhor algumas populações antes de iniciar a luta armada. Esta, porém, já não apanhou as autoridades portuguesas desprevenidas.

No fim do conflito as tropas portuguesas somavam cerca de 32.000 homens e o PAIGC rondava os 5000 combatentes (mais uns 1500 milícias).

A insurreição armada teve lugar a 23 de Janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite a que se seguiram acções militares na zona do Xime e na península de Cacine. Daqui o PAIGC derivou para Nordeste para a região do Boé.

Em fins de 1963 já se encontravam na Guiné cerca de 16.000 homens idos da Metrópole, que desenvolveram, ainda nesse ano, a grande operação Tridente na Ilha de Como.

Moçambique

“Foram-se mais de três partes do Império de Além-Mar e Deus sabe que dolorosas surpresas nos reserva o futuro…”
 
Mouzinho de Albuquerque

(in carta ao Príncipe D. Luís Filipe de Bragança)

Moçambique era um território cerca de oito vezes maior que a Metrópole, com 784 961 km2, tinha uma fronteira terrestre de 4330 km e 2000 km de costa. Contava com 6 600 000 habitantes (8h/km2) sendo 97% negros (com 86 etnias e dez grupos étnico - linguísticos).

Dos países fronteiros só a Zâmbia e a Tanzânia eram hostis a Portugal, mas o Malawi não conseguia impedir o trânsito da guerrilha pelo seu território.

De Lisboa à Beira (onde estava localizado o principal aeroporto da Província) era necessário percorrer 10 300 km.

O número de combatentes, no fim da guerra contabilizava cerca de 57 000 homens, incluindo o recrutamento local, enquanto os guerrilheiros não passariam dos 7000 (mais uns 2000 milícias).

Deve realçar-se, ainda, que os órgãos principais de comando e da logística, de início, se situavam em Lourenço Marques, a 2000Km do terreno onde se desenvolvia a guerrilha e que o Niassa distava 800 km da costa, o que tinha efeitos diversos no desenrolar das operações. O mesmo se podendo dizer do facto da esmagadora maioria da população branca se encontrava estabelecida entre a capital e a Beira, ou seja nunca sentiu a guerra. Além do que estavam muito influenciados pelos regimes da RAS e da Rodésia. Esta situação era muito diferente da que se passava em Angola.

Tal como sucedeu com angolanos e guineenses, também alguns moçambicanos emigrados em territórios vizinhos, não resistiram à tentação de criar movimentos independentistas, logo que a ocasião lhes pareceu favorável.

O primeiro a surgir foi a Associação Nacional Africana do Moatize, em 1959, no distrito de Tete, outros se lhe seguiram, que seria ocioso enumerar.

Da evolução de todos surgiu a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) em 1962, cuja presidência foi ocupada por Eduardo Mondlane, funcionário da ONU, formado numa universidade americana e casado com uma cidadã branca (de origem sueca), daquele país. Este movimento passou a receber apoio quer do bloco comunista, quer de organizações americanas, quer ainda de países nórdicos, com a Suécia à cabeça. Mais tarde veio a receber auxílio da China, via Tanzânia. À semelhança de todos os outros movimentos independentistas que lutaram contra a presença política de Portugal em África, também a Frelimo sofreu de graves convulsões internas, que vieram a resultar entre muitos outros, no assassinato de Mondlane, em 3 de Fevereiro de 1969.

A sede da Frelimo situava-se em Dar-es-Salam, capital da Tanzânia e dispunha de delegações em vários países como a Argélia, o Egipto e a Zâmbia.

O outro partido que conseguiu desenvolver alguma actividade de guerrilha em Moçambique, foi a COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique), entre 1965 e 1967, no noroeste do distrito de Tete.

A partir de 1961, Moçambique passou a tomar medidas preventivas antecipando o início da subversão. Deste modo foi reforçado o dispositivo militar, a instrução das tropas, desenvolveu-se o serviço de informações e a acção psicológica e começou a organizar-se aldeamentos em autodefesa.

A subversão violenta ficou marcada pelo ataque da Frelimo ao posto do Chai (norte do distrito de Cabo Delgado), a 25 de Setembro de 1964.

*****
 
Quando as operações militares terminaram as forças portuguesas tinham sofrido um total de 8831 mortos, 8290 do Exército, 346 da FA e 195 da Armada. Feridos e mutilados contam-se 27 917.

Dos mortos, 357 pertenciam às tropas “Comando”, não devem ser esquecidos!

Não existem números, sequer aproximados, quanto a guerrilheiros mortos, feridos ou capturados, e penso que nunca irá haver.

A União Indiana nunca, até hoje, revelou as suas baixas durante a invasão de Goa, Damão e Diu, acção que vitimou 25 portugueses.

CONCLUSÃO

“A guerra é de facto uma coisa má. Mas existe algo ainda pior do que a guerra: é perdê-la”

Do autor

Portugal sofreu entre 1954 e 1974 o maior ataque à escala mundial – o que implicou uma estratégia global de resposta - como já não assistia desde a Guerra da Restauração (que agora querem apagar da memória colectiva ao proporem o fim do feriado no 1.º de Dezembro…).

Tal ataque, nada teve a ver com questões de Regime Político ou de situação político-social em Portugal.

A Nação portuguesa combateu vitoriosamente em três teatros de operações distintos; a milhares de km da sua base logística principal, que era a Metrópole, apenas com as suas forças, sem alianças militares, sem generais ou almirantes importados – o que já não acontecia desde Alcácer Quibir.

E isto sem alteração de ordem pública, disrupção das actividades económicas ou sociais, ao passo que se obtinha um crescimento económico na Metrópole como em nenhuma outra época e se fez mais no Ultramar do que nos quatro séculos anteriores.

Foi a melhor campanha que os portugueses fizeram desde os tempos do grande Afonso de Albuquerque e nós em vez de nos orgulharmos disso, apoucamo-nos!

Só não conseguimos fazer frente à força bruta da União Indiana, pela desproporção dos meios em presença e pelo pouco empenhamento dos nossos aliados. Tal configurou uma agressão militar execrável, que a Moral, o Direito e a convivência entre os povos condena.

Mas o direito da força não conferia a força do Direito, que nós alienámos em 1975, quando um governo português, numa acção que nada justificava, reconheceu “de jure”, aquela ocupação “manu militari”. De qualquer modo Portugal conseguiu resistir a todas as malfeitorias indianas durante cerca de 14 anos. Não foi coisa de somenos!

SINTESE FINAL

Foi pois para fazer face a este ataque que as FA Portuguesas, num esforço formidável e extraordinário, tiveram que se adaptar às diferentes condições da luta. É neste âmbito que surgem as forças especiais e, entre elas, os Comandos.

Recorda-se que as primeiras forças que se podem considerar “especiais”, foram os sapadores de assalto, na engenharia militar, ainda nos anos 40 (1941), com os ensinamentos obtidos na II Guerra Mundial.

Destes ensinamentos veio a resultar, também, a criação do Batalhão de Paraquedistas, que apenas a relutância do Exército relativamente a estas forças, fez com que eles fossem incorporados na Força Aérea.

Na iminência da ocorrência de distúrbios nas parcelas africanas e com o que se foi aprendendo nas guerras da Argélia, Malásia e Quénia, foram preparadas companhias de caçadores especiais, cujo conceito foi abandonado pouco tempo após a subversão ter ocorrido em Angola.

A própria Armada cedo reconheceu que para o seu empenhamento nas operações de contra – guerrilha, necessitava de uma força de intervenção em terra tendo, logo em 1961, ressuscitado os fuzileiros, de que fizeram os herdeiros do Terço da Armada que remontava ao século XVII (1621) e estivera adormecido durante cerca de dois séculos.

Ora o Exército, ramo sobre o qual repousava a responsabilidade do maior espectro de operações nas zonas afectadas pela guerrilha, era o único que não dispunha de verdadeiras forças especiais (que hoje em dia alguns autores não consideram “especiais”, mas de recrutamento especial…). Essa necessidade foi sentida, com alguma premência, em Angola, tendo a iniciativa e o apoio surgido entre oficiais em serviço nesse território.

Assim surgiu o primeiro centro de “Comandos”, em Zemba, em 1962, que ora comemoramos o 50.º aniversário. Em boa hora o fazemos e em boa hora eles foram criados.

Da sua relevância operacional e táctica já outros falaram, ou irão falar. Resta-me tentar chamar a atenção para a importância que as tropas especiais, no seu conjunto, tiveram no sentido em que ultrapassaram a mais – valia operacional e táctica para alcançarem uma dimensão estratégica.

Deste modo a existência de “forças especiais”:

  • Veio revolucionar muito do pensamento e modo de operar, das FA em geral e do corpo de oficiais, em particular; 
  • Permitiu um aumento significativo da capacidade de projecção de poder e de intervenção nos diferentes cenários possíveis; 
  • Colocou novas ameaças aos países limítrofes aos teatros de operações, que apoiavam a guerrilha; 
  • Aumentou o temor da guerrilha por via da ameaça que a actuação destas tropas passou a representar e a sua intranquilidade, pois podiam passar a ser atacados a qualquer hora, em qualquer local e em quaisquer condições meteorológicas; 
  • Serviu de factor moralizador ao restante das nossas tropas, pela mais – valia que estas unidades representavam; 
  • Aumentou a apetência dos naturais dos teatros de operações em se alistarem nas FA nacionais; 
  • Melhorava a imagem da Bandeira das Quinas e a coesão militar e social.

FECHO

Não posso, antes de terminar, de deixar a minha modesta homenagem às tropas “Comando”, para o que vou pedir emprestado as palavras que a “velhinha” Revista Militar, lhes consagrou, no seu número de Fev./Mar. de 1994, após uma muito contestada e algo infeliz tentativa de “racionalização” das FA (mais uma), em que se extinguiram o Corpo de Tropas Paraquedistas e o Regimento de Comandos. Dizia assim e esse dizer diz tudo:
 
“Ao Regimento de Comandos
 
Pelos altos e relevantes serviços à Pátria,
 
Apresentar Armas!”