sábado, 3 de maio de 2014
Virtudes e defeitos de Abril (2)
João Miguel Tavares, Público
Sim, Abril cumpriu-se. Agora, só falta dar um passo em frente.
A dificuldade que o país tem em heroicizar os seus heróis e trabalhar a memória dos grandes acontecimentos, como se fôssemos um buraco de meio milénio que inexiste desde o tempo dos Descobrimentos, tem como consequência a desvalorização de feitos tão prodigiosos quanto aquele que São José Almeida recuperou num excelente trabalho na revista do PÚBLICO: a integração dos retornados após o processo de descolonização, em números que ninguém parece conseguir realmente calcular (andarão entre o meio milhão e um milhão de pessoas), um movimento populacional sem paralelo na Europa do pós-guerra, tendo em conta a dimensão de Portugal.
São José Almeida chamou-lhe «Uma história de sucesso por contar», e receio bem que não seja a única: quando se escutam os discursos sobre os 40 anos do 25 de Abril e aquilo que Portugal é hoje, em 2014, parece que estamos a falar de um Estado falhado e condenado à mais vil miséria. Vivemos tão obcecados com aquilo que nos falta que nos tornamos incapazes de contemplar aquilo que conseguimos. E se nos falta muito, a verdade é que conseguimos muito mais, seja a impressionante integração dos retornados, seja o cumprir do famoso projecto político-musical de Sérgio Godinho: «A paz, o pão, habitação, saúde, educação/ Só há liberdade a sério quando houver/ Liberdade de mudar e decidir.»
Ora, apesar da febre apocalíptica que, tal como a febre dos fenos, parece tomar conta de tanta gente respeitável cada vez que Abril se aproxima, os desejos da canção de Sérgio Godinho cumpriram-se, um por um: 40 anos depois da revolução dos Cravos existe paz, existe pão, existe habitação, existe saúde, existe educação e, sobretudo, existe «liberdade de mudar e decidir». Nós podemos discutir se o pão, a habitação, a saúde e a educação chegam, se são os melhores, se estão bem distribuídos, se são sustentáveis, e sobre tudo isso todos teremos imensas queixas. Podíamos, e deveríamos, ser um país mais justo e menos desigual. Mas os extremos daqueles versos – a paz, a liberdade, a rotatividade –, nos quais qualquer regime democrático necessariamente assenta, estão assegurados, e bem assegurados.
Ou não estão? Eu diria que sim, mas a quantidade de pessoas que, afinal, acha que não, desde que Passos Coelho, Portas e a troika tomaram conta do país, não pára de me impressionar. E é curioso ver que quem mais defende «o verdadeiro espírito de Abril» mais parece desrespeitá-lo. Eu percebo o argumento: há quem ache que o actual governo está a «destruir as conquistas de Abril» e a «desmantelar o Estado social». Na verdade, o governo não está a desmantelar coisíssima nenhuma, e esse é até o seu pior defeito. Mas não entremos agora nessa discussão. O que importa é isto: mesmo que estivesse a desmantelar qualquer coisinha, tinha legitimidade democrática para isso.
O actual governo foi eleito com 47% dos votos em 2011 e nas mais recentes sondagens anda em redor dos 35%, o que significa que mantém três quartos do seu eleitorado após o maior programa de austeridade pós-1974. Ora, a tal «liberdade de mudar e decidir» significa precisamente ter de gramar com quem não gostamos. Porque essa é a liberdade fundamental, e é prévia a qualquer programa político. Sim, Abril cumpriu-se. Agora, só falta dar um passo em frente e ajudar alguns dos nossos democratas a sair da sua fase infantil, para que possam enfim reconhecer total legitimidade democrática àqueles com quem não concordam.
sexta-feira, 2 de maio de 2014
Três juízas acusadas de forçarem
insolvência de famílias
Filipa Sousa, Diário de Noticias
Denúncia. Conselho Superior recebe queixa contra
três magistradas dos tribunais de Almeirim, Sabugal e Barreiro por decidirem de
forma «enviesada» contra algumas famílias com dívidas, beneficiando os
administradores de insolvência.
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) recebeu
uma queixa contra três juízas por, alegadamente, «empurrarem insistentemente
famílias para a insolvência, deixando no ar suspeitas de interesses comuns com
os administradores de insolvência que ganham dinheiro com a liquidação de bens
nestes processos». A denúncia, a que o DN teve acesso, chegou ao órgão que
fiscaliza a magistratura enviada pelo gabinete SOS Famílias Endividadas, da
Confederação Nacional das Associações de Famílias (CNAF).
Em causa três processos judiciais distintos – nas
comarcas do Sabugal, Almeirim e Barreiro – em que três famílias endividadas
pediram ao tribunal que homologasse um plano de pagamentos das suas dívidas
previamente decidido com os próprios credores de forma a evitar a insolvência
judicial. Mas esses pedidos têm vindo a ser recorrentemente rejeitados pelas
respectivas magistradas, apesar de os requisitos legais estarem preenchidos.
Assim, as juízas optaram por decretar a insolvência, indo contra as decisões da
segunda instância (ver casos em baixo) e escolhendo antes um processo mais
demorado, «com prejuízos inimagináveis para as pessoas e famílias em causa»,
explica a denúncia.
A maioria das pessoas que recorre a este gabinete
são casais entre 30 e 60 anos, tendo existido, em 2013, 2439 casos de pessoas
singulares declaradas insolventes – que sofreram cortes nos ordenados e que,
por isso, deixaram de conseguir pagar os seus créditos mensais. «As senhoras
juízas determinam a seguir a insolvência, numa atitude enviesada que deixa
vislumbrar a pessoalização do processo, não se prevendo de todo que venha a ser
observada a lei», pode ler-se na queixa.
Explica ainda a denúncia «que desde o início teimam
[as juízas] flagrantemente em decretar a insolvência e nomear o administrador
de insolvência que entenderam e sem se pronunciarem sequer, quanto à proposta
de nomeação de outro pelos devedores». Contactada pelo DN, fonte oficial do CSM
esclareceu que «não pode, nem deve, ter qualquer intervenção no uso dos poderes
jurisdicionais confiados aos magistrados».
Segundo Hélder Mendes, da CNAF, a magistratura não está sensibilizada para esta forma de reestruturação de dívidas em que as famílias e os credores (bancos e agências de crédito na maioria dos casos) decidem como será feito o pagamento das dívidas de forma mensal, e que depois é homologado por um juiz. Evitando «o estigma social e o processo judicial dispendioso».
Por isso, o gabinete da CNAF recorreu ao Centro de
Estudos Judiciários (onde é dada a formação para candidatos a juízes) de forma
a que estes sejam sensibilizados para esta solução judicial prevista no Código
de Insolvência e Recuperação de Empresas. De acordo com a CNAF «o director do
CEJ garantiu que serão feitas acções de formação a partir de Setembro», quando
se dará início ao próximo curso.
Em relação às acusações, o DN tentou obter uma
reacção das três magistradas. A titular do processo da comarca de Almeirim,
Marisa Malagueira, optou por não prestar declarações, escudando-se no dever de
reserva, acrescentando que «a decisão em causa é suscetível de sindicância
pelos meios próprios, através de recurso para os tribunais superiores, os quais
têm competência para aferir do seu mérito».
Já Ana Marina Reduto (Barreiro) esclareceu que «se
afigura ser evidente que sobre as mesmas não tecerei qualquer comentário
publicamente». A terceira magistrada, Patrícia Sousa (Sabugal, na Guarda), não
quis prestar declarações até à hora do fecho desta edição.
COMO FUNCIONA O PROCESSO DE INSOLVÊNCIA?
– Nos processos de insolvência de pessoas
singulares é nomeado um administrador de insolvência, são reclamados créditos,
constituída uma assembleia de credores e, depois, ou é possível organizar um
plano de pagamento aos credores e estes aceitam esse plano, ou então os bens
pessoais do insolvente terão de ser vendidos e o produto da venda será
utilizado para pagamento aos credores.
Como é que uma família chega a uma situação
económica difícil ao ponto de ser declarada insolvente?
– Uma família pode demonstrar não ser capaz de
cumprir as obrigações/créditos ou estar numa situação de iminentemente deixar
de as conseguir cumprir.
Quais são as consequências de pedir a insolvência
pela via judicial?
– O insolvente fica privado dos seus bens, tem o
dever de se apresentar em tribunal e de colaborar com os órgãos da insolvência.
Tem ainda o dever de entregar imediatamente os documentos relevantes para o
processo e o dever de respeitar a residência fixada na sentença.
Os bens do insolvente são arrestados?
– São apreendidos à ordem do administrador de
insolvência, sendo afectados todos os bens susceptíveis de penhora. São
impenhoráveis, as coisas ou direitos inalienáveis. O administrador aufere uma
percentagem por cada processo a seu cargo.
OS TRÊS CASOS
Administrador exige chaves de casa
1.º Juízo Cívil do Tribunal do Barreiro
Apesar de a família em causa estar a pagar as
dívidas, conforme o plano de pagamentos decidido com os credores, a magistrada
do Barreiro manteve a decisão de decretar a insolvência, mesmo após um recurso
pedido pelos devedores. Paralelamente, a juíza «faz prosseguir e muito
diligentemente a insolvência tendo designado a assembleia de credores para
menos de 30 dias, ao mesmo tempo que o administrador de insolvência exigia as
chaves da casa de morada de família, que o devedor vem pagando religiosamente»,
pode ler-se na denúncia feita ao CSM.
«Chumbo» do plano de pagamentos
Secção única do Tribunal Judicial de Almeirim
Segundo a denúncia feita ao Conselho Superior, a
magistrada recusou-se a aceitar o plano de pagamentos de dívidas decidido entre
a família e os credores, empurrando assim o agregado familiar para a
insolvência. Mesmo depois de um recurso na Relação, dando razão ao despacho de
indeferimento pedido pela defesa da família, «a senhora juíza prontamente
decidiu, sem mais, proferir de novo a sentença de insolvência, deixando no ar
suspeitas de interesses comuns com os dos administradores de insolvência que
ganham dinheiro com a liquidação dos bens».
Apreensão imediata de bens
Juíza da secção única do Tribunal do Sabugal, na
Guarda
quinta-feira, 1 de maio de 2014
Virtudes e defeitos de Abril (1)
João Miguel Tavares, Público
Se há coisa em que os norte-americanos são realmente bons é a criar heróis e memoriais. Toda a sua mitologia está assente na figura do homem normal que em momentos extraordinários se consegue superar a si próprio, seja ele Abraham Lincoln, Rocky Balboa ou Chesley Sullenberger, o comandante do avião que em Janeiro de 2009 conseguiu amarar nas águas geladas do rio Hudson, salvando todas as pessoas a bordo.
Por muito filme de Hollywood que a gente veja, nós não temos essa cultura em Portugal, nem, segundo parece, esse tipo de herói. Já desde os tempos da padeira de Aljubarrota que o herói português é invariavelmente do tipo relutante, mais dado à astúcia do que à coragem desabrida. É como nas velhas anedotas do português, do inglês e do francês – o português sai-se sempre melhor, mas nunca por fazer uso de qualquer espécie de heroísmo espampanante; sai-se melhor porque é o chico-esperto, o manhoso, o campeão dos improvisadores.
Recentemente, o PÚBLICO divulgou um longo excerto do texto que Adelino Gomes escreveu para o óptimo livro Os Rapazes dos Tanques, centrado na figura do cabo apontador José Alves Costa, que na manhã de 25 de Abril de 1974 se recusou a disparar sobre a coluna de Salgueiro Maia, mesmo após o brigadeiro Junqueira dos Reis lhe ordenar directamente «dá fogo já a direito». O que é extraordinário na descrição de Adelino Gomes não é a recusa em si – já antes o alferes Fernando Sottomayor havia feito o mesmo, recebendo ordem de detenção –, mas sim a forma tão portuguesa como Alves Costa resolveu o imbróglio que tinha à sua frente.
Em primeiro lugar, explicou ao brigadeiro que não percebia lá muito de tanques. «Fui improvisado para aqui. Sei pouco trabalhar com isto. Vou ver se consigo, mas eu não sei», desculpou-se. E quando o brigadeiro o ameaçou «ou dá fogo ou meto-lhe um tiro na cabeça!», Alves Costa decidiu-se por um desenrascanço 100% nacional: enfiou-se dentro da torre e trancou a porta. «Eu, fechando-me dentro do carro, ninguém abre, porque aquilo é blindado, entende?» E assim se fez Abril.
Nós somos o povo para quem Herman Melville criou, sem saber, o seu Bartleby, o desconcertante escrivão que fazia da passividade uma filosofia existencial. A tudo o que lhe era pedido Bartleby respondia: «Preferiria não o fazer.» Também José Alves Costa preferiria não atirar sobre os revoltosos de Santarém. E não atirou. No entanto, nunca afrontou de forma directa o seu superior: «A gente sabia o regime que tinha. Se calhava as coisas não correrem bem, a minha vida podia ir para o maneta», explicou a Adelino Gomes.
É certo que o espírito luso-bartlebyano, na mão de burocratas, é de modo a conduzir qualquer alma ao desespero – como pode comprovar quem já passou dias numa repartição pública. No ramerrão diário, «preferiria não o fazer» é um inferno paralítico, que nos faz sonhar com as virtudes da disciplina teutónica. Mas na Alemanha dificilmente haveria um 25 de Abril com cravos enfiados nos canos das espingardas, porque um qualquer Alves Costa da Baviera nunca mandaria o seu brigadeiro dar uma curva enquanto fingia cumprir ordens. Para citar José Gil, a não-inscrição chega ao próprio heroísmo – o cabo apontador que impediu que a revolução se tornasse num banho de sangue viveu 40 anos no anonimato de uma aldeia da Póvoa de Varzim. Afinal, ele não fez nada. O que é tão absurdo quanto comoventemente português.
quarta-feira, 30 de abril de 2014
Petição contra a lei das barrigas de aluguer
Por
favor leia e assine esta petição contra mais um ataque aos valores éticos e morais que os nossos deputados se preparam
para votar:
Está marcado para Maio o debate e votação sobre as
Barrigas de Aluguer.
Os partidos presentes na Assembleia da República tem insistido num conjunto
vasto de experiências sociais que
em nada a dignificam.
Não se pode andar a brincar com a vida dos portugueses,
nem a consumir recursos humanos e económicos tão escassos.
Será que os senhores deputados em que votou não tem
assuntos sérios para se preocuparem? Estarão eles porventura convencidos que
isto é um assunto importante para a superação das dificuldades e construção de
um futuro para Portugal?
A ciência cada vez mais afirma que a formação do vínculo
mãe-bebé é essencial para o desenvolvimento da criança a nível metabólico,
epigenético e psicológico. Este vínculo é bem físico e fácil de compreender: o cordão umbilical! Graças ao cordão umbilical, durante 9 meses o bebé vive
sendo nutrido a partir deste.
Será justo criarmos um novo tipo de negócio em que a mercadoria são pessoas?
A única forma de aprovar uma lei destas seria considerar
que a gravidez não tem efeito no futuro da criança e tomar como definitivo a
ideia de que o útero é uma simples incubadora.
A mãe da «barriga de aluguer» será sujeita a riscos
físicos e psicológicos através
desta mercantilização do seu corpo bem como, a sua família. Caso a mãe
da barriga de aluguer já tenha os seus próprios filhos, como conseguirá
integrar na concepção dos seus filhos a ideia de que o bebé que está na sua
barriga não foi concebido através do pai, nem será seu irmão ou irmã?
A lei não pode organizar a concepção de uma criança a
qualquer preço, tal como outras leis não deveriam consentir de forma absurda
retirar a vida às crianças a qualquer preço. E é sempre a criança que paga esse
preço. O desejo de ter uma criança não é sinónimo de ter direito a ter uma
criança.
«As portas que Abril abriu»
Robd.
«As portas que Abril abriu»
Estiveram quase a fechar;
O vento as flores quiz secar
E o joio nunca floriu.
Mas o Novembro surgiu
Para a Luz poder entrar...
terça-feira, 29 de abril de 2014
Petição
«Não ao
encerramento do serviço de Cirurgia Cardio-Torácica
e Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Cruz»
No endereço http://peticaopublica. com/pview.aspx?pi=PT73249
Pessoalmente concordo com esta petição e cumpro com o
dever de a fazer chegar ao maior número de pessoas, que certamente saberão
avaliar da sua pertinência e actualidade.
Agradeço que subscrevam a petição e que ajudem na sua
divulgação através de um email para os vossos contactos.
Obrigado.
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segunda-feira, 28 de abril de 2014
domingo, 27 de abril de 2014
De boca cheia de Abril
José Caniné
De boca cheia de Abril
Andam sempre os mesmos mil,
Erguendo alto a sua voz!
Mas aos mais jovens eu lembro
Que se não fosse o Novembro,
Ai do Abril e ai de nós!
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