sexta-feira, 20 de março de 2015


Saudades do tempo

em que éramos livres e não sabíamos


Helena Matos, Observador, 15 de Março de 2015

Também a mim me apetece dizer que tenho saudades do tempo em que acreditámos que combater aquilo com que não concordávamos era apenas isso: combater aquilo com que não concordávamos.

Tenho saudades do tempo em que chamar filho da puta a um filho da puta era mesmo só dizer o que pensávamos daquele filho da puta e ofendê-lo na medida do verbalmente possível sem cairmos numa polémica sobre os nossos preconceitos acerca do comportamento sexual que esperamos das nossas mães e das mães dos outros e das outras (manda agora o bom senso dizer tudo em dobro ou quiçá em dobra e dobro). Desse tempo em que o simples pronunciar da palavra mãe não nos levava a ser interpelados sobre as «representações eivadas de uma concepção patriarcal» que subsistem nos recônditos do nosso pensamento, recônditos esses em que existem papéis de pai e papéis de mãe diferenciados, que é o mesmo que dizer estereotipados.

Hoje, independentemente do filho da puta continuar a comportar-se como um filho da puta, há que ponderar que as putas são trabalhadoras sexuais, que ao referirmos a mãe de alguém, seja ela trabalhadora sexual ou não, temos de considerar se estamos a falar da mãe biológica ou não biológica ou da mãe companheira da outra mãe e que, para evitar mais quezílias, o melhor será desistir de falar de filhos ou de filhas pois automaticamente incluímos o ser objecto da nossa ira num género (uma sociedade que trocou o sexo pelo género não está de facto boa da moleirinha!) ao qual não sabemos se ele quer pertencer. No fim o nosso filho da puta passará a «pessoa com relação de parentalidade com trabalhadora sexual» mas nós ficamos com a alma livre de escarmento. Para quem tiver dúvidas na matéria aconselho a consulta do Guia para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração Pública, dado à estampa em 2009, e que entre muitas assombrosas coisas manda que se diga «a gerência» em vez de «o gerente» ou «a direcção» em vez de «o director». (No caso, os directores e os gerentes na hora de lhes chamarmos «grandes pessoas com relação de parentalidade com trabalhadoras sexuais» agradecem porque se o director ou a directora têm nome, a direcção é composta ao certo não se sabe por quem e muito menos se percebe quem nela decide o quê.)

Se alguém tem ilusões sobre a possibilidade de escapar entre os pingos da chuva a toda esta doideira é melhor que as perca: no V Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não Discriminação (em vigor até 2017) o Governo comprometeu-se a encomendar um estudo para avaliar até que ponto a «linguagem inclusiva» está a ser utilizada na administração pública. (Realmente é melhor que se entretenham na administração pública porque se chegarem à industria dos moldes ainda acabam a proibir as peças macho e fêmea). Naturalmente o estudo dirá que muita coisa ainda está eivada da terminologia anterior à linguagem inclusiva. E um novo guia de linguagem inclusiva e novos estudos sobre a aplicação da linguagem inclusiva se seguirão. Até ao dia, claro, em que os promotores da linguagem inclusiva descobrirem que esta não faz qualquer sentido e passem a defender o seu contrário com idêntico fervor, idênticas avenças e correlativa proliferação de gabinetes de estudos destas rentáveis temáticas. graças às quais em muitas universidades se tem substituído o saber pelo proselitismo.

Na verdade nestas matérias já nada me espanta desde que, meados do ano passado, descobri que os programas e secções de jardinagem muito populares em países como a Inglaterra e a França andavam a ser criticados pela sua terminologia racista e discriminatória – é o problema da mosca negra, das espécies invasoras, as pragas de plantas exóticas… A obsessão com o racismo tem levado a paradoxos tais que no futuro terão de fazer glossários para que se perceba o vocabulário que criámos nesta matéria: assim, depois da igualdade entre as raças passou-se para as etnias, mais as comunidades e agora andamos nos afro isto e aquilo versus os europeus. Resultado: um negro que viva em Portugal há várias gerações ou que nunca tenha posto os pés em África é designado como africano, ao passo que um branco, mesmo que tenha nascido em África e descenda de uma família radicada naquele continente há mais de um século nunca deixa de ser europeu. (Essa foi aliás a lógica que não só levou a que se chamassem retornados aos portugueses que fugiram de África de 1974 a 1976 mas também a que, contra todas as evidências, políticos e jornalistas tenham apresentado essa fuga como um comportamento exclusivo dos brancos).

Boa parte deste nosso linguarejar não faz qualquer sentido. Por exemplo, manda a novilíngua em alguns países ditos mais evoluídos nas questões da multiculturalidade que não se diga Estado Islâmico mas sim Daesh para não ofender os muçulmanos, alteração que faz tanto sentido quanto designar os cruzados por octognos ou paralelipípedos rectângulos na hora de criticar as cruzadas, alegando que usar o termo cruzados pode ofender os cristãos que têm na cruz o seu símbolo sagrado.

Podia fazer quase uma edição completa do Observador com exemplos dos absurdos a que o politicamente correcto nos conduziu. Na linguagem e não só. Todos os dias há uma polémica. Vivemos em frenesi. Anteontem o problema era a publicação por uma editora da revista Vogue de uma foto onde se via uma mulher com ar de pedinte (agora deve dizer-se sem-abrigo mas preparem-se porque daqui a uns meses esta designação agora tão certinha pode tornar-se maldita!) a ler aquela revista de moda acompanhada da legenda: «Paris está cheia de surpresas… há leitores da Vogue até nos sítios mais insuspeitos». Também tivemos o problema das gaffes de Jeremy Clarkson, um muito apreciado apresentador da BBC a quem um murro dado num produtor acabou com uma longa carreira a dizer banalidades que se tornaram blasfémias. O problema como é óbvio não foi o murro mas sim ele obstinar-se em fazer considerandos politicamente incorrectos sobre sexo, culturas, países… De caminho, o Daily Telegraph até fez um levantamento dos 14 filmes mais politicamente incorrectos e, na prática, do James Bond ao Dumbo, tudo é um repositório de racismo e outros ismos.

Não nos bastando a constante supervisão do presente, o próprio passado é revisto. E assim, de Camões a D. Pedro I sem esquecer Inês de Castro ou a padeira de Aljubarrota os protagonistas passam a ser apresentados como bons ou maus (o maniqueísmo está vivo e recomenda-se) em função dos conceitos que o progressismo manda adoptar no presente. Logo D. Afonso Henriques passa a machista e Dona Teresa a feminista. Os próprios clássicos podem ter de ser reescritos. Das Aventuras de Huckleberry Finn aos filmes sobre a vida de Jesus, em que se analisa o papel dos negros e das mulheres nada escapa a esta perspectiva correctora do passado, do presente e do futuro.

Como exclamam alguns venezuelanos emigrados em Espanha quando recordam o seu país antes da revolução bolivariana «Esse era o tempo em que nós éramos felizes e não sabíamos». Também a mim me apetece dizer que tenho saudades do tempo em que acreditámos – pelo menos eu acreditei – que combater aquilo com que não concordávamos era apenas isso: combater aquilo com que não concordávamos e não criarmos as metástases do Comité de Saúde Pública, de Rousseau. Esse era o tempo em que éramos livres e não sabíamos. E eu tenho saudades dele.





quarta-feira, 18 de março de 2015


O desporto da indignação


Paulo Tunhas, Observador, 12 de Março de 2015

Tivesse Passos pisado inadvertidamente os pés do porteiro de São Bento e logo viria Alegre, com aquela mistura de poesia, moral e política que tanto se prejudicam umas às outras, exigir a sua demissão

A seguir ao futebol, o desporto da indignação é certamente o desporto mais noticiado em Portugal. A diferença é que, ao contrário do outro, não é uma paixão que entretenha todos os estratos da sociedade. Os seus verdadeiros admiradores e praticantes encontram-se nos membros da classe política e nas suas várias e diversificadas adjacências, que vão até aos fóruns de discussão da TSF ou das televisões. Uma boa parte da população é-lhe indiferente ou apenas finge interessar-se por ele de tempos a tempos, e isso mais por questão de conversa social do que por outra coisa.

Nos últimos dias o objecto desportivo principal foi Passos Coelho, por causa da história do pagamento em atraso dos impostos e das contribuições para a Segurança Social. Não se contam os artigos de jornal e as opiniões televisivas da sociedade dos amigos da indignação. E, dada a procura, o Expresso até decidiu espertamente publicar um documento forjado indicando uma quantia superior à dívida efectiva que Passos Coelho, como se sabe, entretanto já pagou. Convém contagiar. As paixões são assim, e a indignação é uma paixão.

Por acaso, simpatizo com Passos Coelho, que não conheço pessoalmente. Não foi sempre assim, mas nos últimos anos, com as inevitáveis trapalhadas pelo meio, ele mostrou uma coragem e uma persistência assinaláveis, que revelam força de carácter, e uma urbanidade no trato com os adversários políticos e com a comunicação social que são um alívio quando pensamos em certos exemplos recentes. Essas características são incompatíveis com a personagem que os amigos da indignação, nesta sua nova excitação, andam a querer construir. Admito que os atrasos foram, de um ponto de vista político, mais do que um crime: foram um erro. E que as explicações dadas ao facto padeceram de uma mistura de verosimilhança e de prolixidade confusa. Em geral, basta uma única prova, ou uma única explicação. Quando são precisas muitas, é porque nenhuma delas fala por si. Mas daí a este alarido, o passo é descomunal e indevido. Primeiro, porque as explicações são, como disse, verosímeis. Basta cada um de nós meter a mão na sua consciência para ver. E, em segundo e mais importante lugar, o exagero na importância concedida a esta história, se virmos a coisa com o mínimo de distância, o que o desporto da indignação obviamente não permite, não roça o absurdo: entra largamente dentro dele.

Há em tudo isto, é claro, um aspecto político. A esquerda, como é costume, babou-se de raiva. Os fracos resultados do PS nas sondagens podem explicar alguma coisa. Dados os hábitos comuns, isso nem sequer é grave. E não tenho muitas dúvidas que o PSD, se estivesse na oposição e o primeiro-ministro fosse António Costa (que, parece, tem uma história que se avizinha da de Passos), agiria de forma parecida. O que é interessante é a singular mistura de política e moral nos argumentos dos indignados.

Parece que, como escreveu Manuel Carvalho no Público do dia 8, o caso revela uma «mancha» moral em Passos Coelho. Não discuto a autoridade de Manuel Carvalho, ou de quem quer que seja, para falar em nome da moral. Constato apenas que, quando se começa a falar em nome dela, arriscamo-nos, na maior parte das vezes, a entrar no domínio da subjectividade. E, além disso, executamos um gesto que excede largamente em violência qualquer argumentação política. A coisa piora ainda se, embora pretextando que não, a inculpação moral é politicamente motivada. Era a altura de surgir uma nova versão do «Aviso por causa da moral» de Fernando Pessoa. Aparecem por aí tantos grandes escritores todos os dias que um deles bem que podia meter as mão à obra.

De qualquer maneira, segundo a opinião corrente, há uma «mancha» indelével na alma de Passos. Era uma coisa que acontecia aos heróis da tragédia grega. Por uma escolha com o seu quê de involuntário, punham-se a matar os filhos, ou o pai, e coisas assim (crimes irrisórios se comparados com o de Passos), e quando compreendiam o que tinham feito era tarde demais. De acordo com uma interpretação muito conhecida, isso costumava provocar sentimentos de medo e piedade nos espectadores. Medo por se porem na pele dos personagens e pensarem que o mesmo lhes poderia acontecer a eles (ninguém diga que está bem) e piedade pelo sofrimento alheio.

Passos tem menos sorte. A sua presente desventura não provoca nos desportistas da indignação nem medo nem piedade. Não provoca medo porque nem só por um instante pensam que lhes poderia ter acontecido o mesmo que a ele (pagar com atraso impostos e contribuições para a Segurança Social) e não suscita piedade porque o sofrimento alheio é até apreciado. Numa tragédia portuguesa, ao herói trágico não lhe bastaria o sofrimento ao reconhecer o seu erro: teria de aguentar com os insultos dos espectadores. Seria, é claro, uma péssima tragédia, porque destituída de objectividade e feita para suscitar a subjectividade moralista contaminada de farronca e detestação, contrários aproximativos do medo e da piedade.

Mas o lugar de Passos não é, neste caso, numa tragédia. Não há nenhuma «mancha» moral indelével provocada pelo que fez, contrariamente ao que dizem os indignados. Tivesse feito ele outra coisa, como pisar inadvertidamente os pés do porteiro de São Bento, e logo apareceria na mesma Manuel Alegre, com aquela mistura de poesia, moral e política que tanto se prejudicam umas às outras, exigir a sua demissão. Há casos em que não são as coisas que chamam a indignação, é a indignação que chama as coisas.

O que Passos tem que fazer, se me é permitida uma opinião na matéria, é corrigir politicamente o seu erro com umas poucas palavras acertadas e assertivas, sem mais explicações, dando o assunto por encerrado e deixando os outros a falarem sozinhos. E também lembrar-se que os desportistas da indignação, além de histriónicos, são em bem menor número do que parece. Há muita, muita gente que não confunde as coisas e que crê que, em grosso, o que ele faz no Governo é feito com uma genuína convicção no carácter bem-fundado das suas escolhas. E que, de resto, pensa que não poderia optar caminhos muito diferentes daqueles que escolheu. Uma convicção partilhada por muito boa gente do PS, pelo menos numa das várias versões que este costuma oferecer ao público em geral.





segunda-feira, 16 de março de 2015


Ser homem ou mulher está inscrito no DNA


Luis Jensen com a sua esposa Pilar Escudero

Luis Jensen, médico membro do Instituto das Famílias de Schoenstatt e do Centro de Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Chile, revelou que a homossexualidade «jamais vai permitir o desenvolvimento pleno da satisfação da complementariedade».

No dia 10 de Dezembro deste ano, apresentou-se no Chile um projecto de lei do «Matrimónio Igualitário», que quer modificar a Lei do Matrimónio actual para permitir as uniões homossexuais.

O projecto de lei foi pensado e redigido pelo Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh), o mesmo que criou o conto «Nicolau tem dois pais».

Em declarações feitas ao Grupo ACI, Jensen referiu que «se eu acredito que na natureza tudo tem o mesmo valor, então a pessoa desaparece, porque a pessoa é o mais extraordinário, é distinta, é outra entidade diferente do resto das coisas naturais».

«O ser homem e mulher, que são as duas formas de ser pessoa, tem uma razão de ser, um porquê, um para quê, está inscrito no DNA. Se ignorar isso, está ignorando uma coisa que não é electiva, mas constitutiva», afirmou.

Luis Jensen explicou que «a pessoa que realmente necessita move-se para procurar o outro e enriquece-se com o outro. E nessa relação, descobre que o outro também tem necessidades. E para fazê-lo feliz, que é a essência do amor, dá o máximo de si próprio como dom, como presente ao outro. Essa é a dinâmica do amor, a dinâmica do dom, da gratuidade».

Entretanto, advertiu o perito, as relações que se estabelecem hoje «não têm como base a complementariedade».

Jensen sustenta que «estas relações (homossexuais) ficam na reciprocidade: em que eu te dou e tu me dás, que é na verdade um intercâmbio comercial, funcional, estrutural, mas não da natureza da pessoa. Onde está a gratuidade? Já não é a dinâmica do amor mas a dinâmica da organização, do intercâmbio, da comercialização».

Para o médico, a polaridade homem-mulher tem a sua causa na «unidade do homem e da mulher porque são capazes de complementar-se em todos os campos».

«Isso jamais vai acontecer na homossexualidade, por muita imitação que façam, por muita intenção, boa vontade ou amor pessoal que tenham, não acontece. Por isso mesmo, acredito que hoje querem tirar o conceito da complementariedade do vocabulário e ficar com o da reciprocidade».

Para Jensen, actualmente procura-se «reduzir o tema do essencial do ser humano a róis: Há um rol feminino e um rol masculino, um rol paternal e um rol maternal, e já não se responde ao que é a natureza masculina e feminina».

«Tomou-se o mundo social como referência e não o mundo pessoal», criticou, denunciando que agora «os modelos constroem-se na base como se organizou socialmente o homem e não na base do que é o homem».





domingo, 15 de março de 2015


Os Americanos e a Base das Lajes


João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador

A operação das forças militares americanas na Base Aérea das Lajes há muito que merecia um livro.

Muito resumidamente foi assim:

A apetência dos EUA pelos Açores (e Cabo Verde) recua à Guerra Hispano-Americana, de 1898, que marca o início do imperialismo «yankee» fora do continente Americano, o que nunca mais parou até hoje.

Prolongou-se na I Guerra Mundial, com a ameaça submarina alemã e a visita do futuro presidente Roosevelt (na altura subsecretário de Estado da Marinha), em 1918, e firmou-se na II Guerra Mundial, por causa da ameaça naval alemã – podia ter sido aero-naval caso a Alemanha tivesse intentado e conseguido ocupar aquele arquipélago e também o da Madeira.


Ler mais em:

http://responderachamada.blogspot.pt/2015/02/os-americanos-e-base-das-lajes.html