As Forças Armadas deixaram de
ter qualquer responsabilidade directa na condução dos destinos do País após o
fim do Conselho da Revolução e da entrada em vigor da Lei 29/92[1];
O País ainda não está
devidamente reconciliado com o seu passado mais próximo;
O conjunto das forças
políticas entendeu que Portugal ia ser amigo de todos e todos iam ser nossos
amigos e portanto não haveria ameaças. Se, por remota hipótese, houver algum
conflito lá estaria a NATO para «resolver» a questão…
A incultura cívica (quando não
a subversão ou simplesmente a estupidez natural) faz com que não se entenda a
necessidade de Forças Armadas, a especificidade da condição militar e os
rituais, tradições e cerimonial daqueles abencerragens, algo arqueológicos, que
teimam em gastar do mesmo barbeiro e do mesmo alfaiate; (mais umas horas de
programa…)
Os partidos políticos, os
órgãos de comunicação social, comentadores, entidades e instituições várias têm
mostrado a sua irresponsabilidade ao tratarem as questões militares e bastantes
deles não se coíbem de lançar verdete e, até, ódio sobre uma instituição séria,
estruturante da Nação (embora não isenta de erros) e cuja história se confunde
com a de Portugal.
Ou seja, e em síntese, existe
uma convicção alargada – e idiota – de que as Forças Armadas são um gasto
supérfluo para o país e uma maçada!
Com isto
dito podemos passar ao corpo da coisa.
Assim:
As Forças Armadas, ao
contrário do resto do país, rapidamente se disciplinaram e reorganizaram,
reconvertendo-se para os novos cenários de actuação, armamentos, tácticas,
técnicas, etc. e, ao longo dos últimos 30 anos conseguiram um grau de
desempenho que iguala as mais avançadas forças militares do mundo e ultrapassa
a maioria das restantes;
E, neste espaço de tempo não
deixaram por cumprir qualquer missão de que tenham sido incumbidas e que
passaram por projectar forças para cerca de 30 teatros de operações diferentes (mais
de 30.000 homens, aviões, navios, viaturas e diverso equipamento), que já
efecturam quase todas as missões possíveis, incluindo o combate.
Não houve, no mesmo período de
tempo, qualquer entidade do Estado – e arrisco-me mesmo a dizer no sector
privado (salvo alguma devida proporção) – que se tenha reformado e
racionalizado no verdadeiro sentido do termo (e reduzido), mais e melhor do que
a Instituição Militar;
Mesmo assim, e sobretudo a
partir do consulado do ministro Fernando Nogueira, nunca nenhum governo se
satisfez com nada, passando a aplicar o «slogan» dos 3 «Rs» que, na prática,
apenas quis dizer reduzir, reduzir e reduzir! Trataram as Forças Armadas como
se estas fossem um bocado de plasticina (que se moldava a esmo) e
desrespeitaram constantemente todas as regras de ética e de metodologia
adequadas às mesmas;
Os responsáveis políticos
quase nunca assumiram claramente as responsabilidades fosse do que fosse, não
definiram prioridades, mantiveram todas as missões (e até acrescentaram outras)
sem sequer as priorizar, ao mesmo tempo que iam obrigando a cortar capacidades,
não raras vezes lançando os ramos uns contra os outros;
Nunca foram claros a alocar
recursos nem nunca actuaram lealmente relativamente ao cumprimento das Leis de
Programação Militar (nenhuma foi cumprida);
O próprio Ministério da Defesa
Nacional foi sempre uma mentira pois nunca existiu – na medida em que nunca
nenhum ministro, ou governo, olhou para a defesa nacional como tal –
limitando-se a ser um ministério para as Forças Armadas, o mesmo se passando
com o ministro cuja única característica que se vislumbrou até hoje – além de
ir às reuniões internacionais do que deveria ser o seu âmbito – foi o de,
eufemisticamente, pôr a tropa na ordem e esmifrá-la…
Por tudo isto não espanta que
a sua quase exclusiva actividade até agora, tenha sido a de asfixiar
financeiramente e em termos administrativos e de pessoal o que foi restando da Instituição
Militar.
Haver preocupação em comparar
a percentagem do PIB dos países europeus ou outros, gasta na defesa, com o que
se passa connosco é um exercício deletério de pertinência duvidosa. De facto
cada país tem uma geopolítica própria e diferente dos demais e aquilo que cada
um gasta na defesa deve ter a ver com as suas opções, necessidades e
capacidades, não em copiar exemplos alheios.
Por outro lado comparar
percentagens é enganador já que 1% do PIB holandês, por ex., pode permitir
comprar 1000 aviões de um certo tipo, e 1% do nosso PIB só dar para 50…
Finalmente é necessário estar
atento para ver se as contas não estão viciadas pois, e também como ex., o
Governo português é useiro e vezeiro em incluir os gastos da GNR nas contas da
defesa…
Quanto à questão da «austeridade
ser para todos» há que dizer claramente que, em primeiro lugar, as Forças
Armadas não têm qualquer responsabilidade na crise, não andaram a desbaratar
dinheiro, não usufruíram de prebendas, não andaram metidos em corrupções
medonhas, nem se endividaram para além do que podiam pagar (vão pedir contas a
quem tem culpas no cartório, primeiro…);
E quanto a apertar o cinto já
o andam a fazer vai para 20 anos enquanto o resto do País folgava como cigarra,
com os responsáveis políticos em destaque! Por isso não venham dizer que a
austeridade tem que ser para todos (insinuando nas entrelinhas), pois as Forças
Armadas estão fartinhas de dar para este peditório (e nunca se eximiram a
fazê-lo, nem nunca pediram excepções à lei) – quando mais alguém as igualar que
atire a primeira pedra!
*****
Segundo
capítulo do «Corpo».
Por outro lado os ataques à
condição militar e ao «Ethos» da Instituição Militar têm-se sucedido no tempo e
são devastadores. Trata-se de uma agressão constante, que vai acumulando uma
revolta surda e que transformará, brevemente, a tropa num fardo inútil. A
desconsideração é vasta.
O silêncio sobre as barbaridades
feitas tem sido ensurdecedor.
Ilustremos:
A Instituição Militar perdeu
qualquer capacidade de interferir na escolha das chefias militares;
O vencimento deixou de estar
sintonizado com as outras profissões de referência do Estado, havendo uma
desproporção negativa muito acentuada;
As chefias militares têm vindo
a perder a autoridade de poderem decidir sobre quase tudo;
Os militares têm sido
enxotados (é o termo) de todas as funções fora da estrutura das Forças Armadas,
como se tivessem lepra;
A Instituição Militar não
possui qualquer representação política;
As chefias militares raramente
são chamadas ao Parlamento ou à Presidência da República;
A justiça Militar (com foro
próprio) foi destruída;
O Serviço Militar deixou de
ser universal e obrigatório (um erro de lesa Pátria…);
Institui-se o «duplo
voluntariado» no pessoal contratado – uma aberração;
Permitiu-se as mulheres na
tropa – uma demagogia dispensável e escusada; permitiu-se, de seguida, o acesso
a especialidades relacionadas directamente com o combate – uma demagogia
perigosa e anti natural;
A Disciplina Militar está
despedaçada e ferida, depois da aprovação do novo Regulamento de Disciplina
Militar;
O Ministério da Defesa
Nacional está invadido de «boys e girls» dos partidos;
Assistiu-se à «invasão» do
ensino militar pelo ensino civil;
Tenta-se, constantemente, transformar
os militares em funcionários públicos de manga-de-alpaca; e insiste-se na
submissão em vez da subordinação;
O estatuto da reserva tem sido
destruído paulatinamente;
A reforma da saúde militar é
um «molho de brócolos»;
Insistem em misturar os
estabelecimentos de ensino militar – como se pudessem fazer omeletes com ovos
cozidos;
As Forças Armadas foram
diminuídas e algo achincalhadas em termos de protocolo de Estado;
As Forças Armadas estiveram
cerca de 30 anos afastadas de poder participar no Dia de Portugal, a 10 de
Junho;
Não há defesa política e
institucional das Forças Armadas a não ser em palavras de circunstância;
O poder político faz leis para
as Forças Armadas e os militares, que depois não cumpre: uma altura houve, em
que havia cerca de 40 diplomas em incumprimento!
Por último «emparedaram» a
carreira militar retirando aos militares a única coisa que lhes restava, com a
redução constante dos quadros; mudança aleatória, no tempo e no modo, das
regras existentes e congelamento inaudito das promoções.
O Decreto-Lei 373/73 – que deu
origem ao 25 de Abril – em comparação com este último parágrafo, é apenas um
conto de fadas…
Em súmula, o desrespeito e
desconsideração institucional tem sido enorme: generais e almirantes
achincalhados na praça pública; ministros pornograficamente ignorantes e
impreparados para a função (houve um que só aguentou duas semanas); outro que
nunca chegava a horas a lado nenhum (e até chegou a escolher um secretário de Estado
da Defesa num clube de oficiais!); outro, ainda, que resolve ir a uma cerimónia
militar que já se efectuara e depois mandou repetir; a lista podia continuar.
Talvez o único ministério que
durante anos e anos tinha as contas em dia era o da Defesa, as FAs sempre
pagaram a horas, pois não descansaram enquanto não acabaram com isto. Quiseram
rebaixar-nos ao nível deles!
O Ministério da Defesa
Nacional devia, sem dúvida, mudar de nome, devia chamar-se aquilo em que na
verdade se tornou: a comissão liquidatária das Forças Armadas.
Em Conclusão:
Gentinha arrivista e ignorante
que tem passado pelos paços do poder tem-se comportado como sociopatas e
militaricidas. São perigosos.
Transformaram os militares em
cidadãos de terceira categoria e as Forças Armadas num apêndice do Estado, mal
tolerado.
Por isso já se compreende
muito mal, que quem é chamado (ou tem oportunidade) a pronunciar-se sobre o
estado das coisas castrenses, se refugie no maldito do politicamente correcto e
não fale, naturalmente, na realidade das coisas; saiba ao menos explicar quais
são as missões e razão de ser das Forças Armadas e não se encolha – quase em
retirada estratégica – a dizer que ainda há coisas que podem ser
racionalizadas. Além de não ser verdade, dão tiros nos pés e passam um atestado
de incompetência aos chefes anteriores…
E também já chega de haver
quem ande a agitar espantalhos de indisciplina ou insubordinação e depois
concluir que agora como é tudo democrático, toda a gente vai portar-se bem…
A democracia não é para aqui
chamada (e até me parece ser mais fácil que ocorram problemas em democracia do
que em ditadura…) e não tem nada a ver com o que se passa.
O que se passar tem a ver com
decência…
O que tiver que ocorrer ocorre
em função de três coisas: haver um conjunto suficientemente alargado de
disparates; ambiente, maturado, em que se possa reagir aos mesmos e um «ignidor».
É uma espécie de triângulo do fogo…
As coisas são como são e
acontecem quando têm de acontecer.
Foi sempre assim e sempre
assim será.
Por isso juízo.
O conjunto da Instituição Militar tem suportado
estoicamente todo este rol de agressões inomináveis tendo como único escape o
abandono do serviço activo.
Os militares têm carregado a
cruz da servidão militar, agarrados ao espirito de serviço e do dever, no mais
da vez de boa mente, quiçá com alguma esperança. Com sentido de estado e a
encaixar danos, faz décadas (eu, confesso, que há muito – mesmo muito - que me
desiludi e lhes perdi o respeito).
A paga que têm tido é a que
está à vista e confluíram nestas miseráveis medidas que andam no ar.
Convém, ao menos, que os
militares morram como as árvores, de pé. E ser disciplinado não tem o mesmo
significado de ser castrado.
Resolver os problemas do País
não passa pela destruição da Instituição Militar[2].
Nem o governo está mandatado para o fazer. Muito menos a «Troika», ou quem ela
representa.
Seria crime de traição à
Pátria.
[1] Lei da
Defesa Nacional e das Forças Armadas.
[2] Mas acabar com a Instituição Militar é acabar
com o país…
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