sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Drogas: Grito de revolta


 Rui Rangel, Carlos Fugas e Manuel Pinto Coelho
Juiz desembargador e psicólogos alertam para a banalização do uso de drogas como consequência de uma gritante falta de visão política
Em Portugal é legal a substância — sais de banho — que Rudy Eugene, de 31 anos, apelidado de ‘canibal de Miami’, consumiu antes de ser apanhado a comer a face de um sem-abrigo norte-americano e ser abatido a tiro.
Esta substância psicadélica é uma entre muitas outras causadoras nos nossos jovens de estados de coma, crises de pânico e ansiedade, problemas cardíacos e surtos psicóticos, que se encontram inocentemente nas mais de 30 smartshops — lojas de venda encapotada de drogas legais — espalhadas pelo nosso país desde 2007, com a conivência irresponsável dos responsáveis pelas políticas da droga em Portugal.
O uso de drogas é hoje visto em Portugal como um estilo de vida, um direito humano.
Embora tenha falhado na sua missão de ajudar os heroino-dependentes a abster-se do seu opiáceo, a manutenção dos mesmos em programas de substituição tem sido celebrada como um sucesso.
Como consequência de uma gritante falta de visão política, o uso de drogas banalizou-se no nosso país e o uso de haxixe, de ecstasy, de cocaína e das drogas das smartshops entre outras é cada vez mais considerado como uma banal actividade recreativa.
Varrido da agenda política, os nossos governantes consideram estranhamente a toxicodependência apenas o 14.º problema na tabela de preocupações dos portugueses!
Prevenção, que deveria querer dizer informar aconselhando as pessoas a evitar o seu uso devido aos seus efeitos danosos, deixou de existir.
No nosso país, as autoridades ditas ‘de saúde’ têm preferido enfatizar os perigos da comida em excesso, do tabaco e do jogo…
A dependência às drogas passou, a partir da lei da descriminalização em 2001, a ser oficialmente considerada uma doença crónica do cérebro, tendo sido a ideia do tratamento orientado para a abstinência substituído pelo conceito de ‘redução de danos’.
Equiparada à diabetes, é enfatizado que assim como estes doentes precisam de insulina, os heroino-dependentes precisam de heroína. Deste modo, a solução escolhida tem sido distribuir, à custa do erário público, metadona e buprenorfina, mantendo-os cativos ao Serviço Nacional de Saúde.
Neste clima, não é de estranhar que os estabelecimentos que oferecem tratamentos livres de drogas (orientados para a abstinência) estejam a sentir as maiores dificuldades para serem reconhecidos e financiados pelas autoridades de saúde, correndo muitos deles o risco de encerramento por estrangulamento financeiro, com a consequência lógica do redireccionamento dos seus utentes para os programas de substituição (engrossando as estatísticas oficiais de utentes em ‘tratamento’)…
O consumo de drogas tornou-se assim um estilo de vida até à morte e uma vida livre de drogas um objectivo a longo termo nunca atingido pela maioria dos toxicodependentes, perversamente monitorizados pelo seu sistema de saúde para o resto das suas vidas.
Estando as drogas, todas elas, cada vez mais disponíveis, o seu preço cada vez mais baixo, a percepção do risco da parte dos seus utilizadores bem como a sua aceitação pelo grande público cada vez maior, então é natural, como consequência, que o seu uso tenha disparado.
O movimento Ter Esperança é Fazer Diferente pretende fazer soar o alarme na sociedade portuguesa, soltar um grito de revolta e consciencializar as pessoas que não é uma inevitabilidade o uso de drogas e que uma vez escolhido o mau caminho a interrupção do seu consumo é possível.

O recado aos nossos jovens só pode ser um: Drogas? Não. Mantenham-se firmes. Nem agora nem nunca! Comprar drogas é estar a ajudar as mafias, o terrorismo e a sua violência.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Porque estou em desacordo

Daniel Gouveia


Tem-se tentado impor o chamado Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 2007, por decreto nada democrático já que a maioria dos portugueses não concorda, ratificado por um presidente da República que declarou publicamente não saber quantos cantos têm Os Lusíadas.

Repudio tal pseudo-acordo, por razões abaixo ilustradas com exemplos coligidos de vários protestos e outros da minha lavra, baseadas em princípios linguísticos agora espezinhados com incompreensível ligeireza e pacóvia subserviência a critérios demográficos e pretensamente comerciais.

Critérios demográficos como estes só provam que a democracia não é tão boa como parece. Assim como uma maioria não esclarecida pode conduzir, pelo voto, a uma decisão que os esclarecidos vêem logo ser errada, não são 150 milhões de falantes brasileiros que invalidam ser a língua portuguesa cultivada, no seu estado mais puro, por apenas 10 milhões. Ninguém é dono de uma língua, organismo vivo e mutável, mas governe-se cada um com a sua variante e não obriguemos os fundadores a enterrar a sua.

Os critérios mercantilistas caem pela base, se a ideia era vender no Brasil livros escritos em português de Portugal e vice-versa. Por muito «acordada» que esteja a língua, lá diz-se «pegar um ônibus» e cá «apanhar um autocarro».

Reconhecendo que acordos ortográficos sempre os houve, no sentido de melhorar a assimilação da língua por quem a aprende e pratica, a diferença é só esta: os anteriores foram elaborados por quem a respeitava e este não foi. A Etimologia – ciência que identifica a família a que as palavras pertencem, permitindo deduzir significados das que não conhecemos – mantém-se válida em toda a parte, menos entre os «acordistas» que dela fizeram tábua-rasa, produzindo o efeito contrário: falseando, pela grafia, a família a que as palavras pertencem, torna-se ambíguo o seu significado.

O pseudo-acordo prescreve que, se um falante pronunciar o «c» ou o «p» mudos, escreve-os; se não pronunciar, não escreve. Mas é omisso quanto à influência que essas consoantes mudas exercem sobre a vogal antecedente. Vejamos a palavra espectador. Como os portugueses pronunciam o «c», cá continuaria a escrever-se espectador. Mas como não o pronunciamos em espectáculo, onde a função do «c» era a de abrir o«e», passaríamos a escrever espetáculo (consequentemente, a ler com «e»fechado). Nalguma imprensa portuguesa apressada já se vê escrito espetador (em desrespeito pelo pseudo-acordo), confundindo-se assim aquele que vê com aquele que espeta. Ou seja: uma palavra que tinha o mesmo étimo (raiz de origem linguística) agora tem dois: o latino «spectare» e o gótico «spittu» donde vem o verbo português «espetar». Por outras palavras: deixou de haver regras claras e seguras.

Quando virmos escrito «Primeiro ato», como saberemos se estamos perante o primeiro acto de uma peça teatral, ou a afirmação de alguém que, antes do mais, ata qualquer coisa?

E como convencer um aluno de que os naturais do «Egito» não são «egícios»?

O prefixo «de-» significa, segundo os dicionários, «movimento descendente, de negação, separação ou cessação»:degradar significa descer em qualidade; decapitar, cortar a cabeça; decepar, cortar um membro do corpo. Logo, detetar (com «e» fechado, em vez de detectar, que tinha o «c» exactamente para abrir o «e») significará cortar as tetas à fêmea de um mamífero. Do mesmo modo, teto deixa de ser a cobertura da casa para a significar o masculino de teta.

Multiplicando exemplos, ainda que não exaustivamente, ator passa a radicar-se no verbo atar e coletivo radicará em colete, peça de vestuário, e não na noção de conjunto traduzida por colectivo(com «e» aberto, e para isso estava lá o «c»).

Na mesma linha, a conceção de uma coisa refere-se a ela ser concedida e haver um erro ortográfico, ou à sua concepção? Será que ouvindo afetar se supõe que algo provoca aftas? E correto terá a ver com coreto, dito por quem carregue nos «rr», ou com correcto, com o «e» bem aberto? E, ouvindo «adotar verbas», referir-se-á o falante à dotação das ditas (verbas a dotar), ou à adopção delas?

Se, num hotel, ouvirmos alguém ler uma missiva de um responsável dizendo «Queira perdoar, mas a culpa é da receção»(se esse alguém respeitar as regras da leitura, pronunciará os «e» fechados), ficamos sem saber se a falta se deve ao pessoal da recepção, ou à recessão económica que a todos aflige.

A queda dos acentos nas formas verbais provoca equívocos terríveis. Como distinguir, na escrita, o sentido de frases como: «Filho, para para pensar»? Trata-se de um pai gago, ou está a dizer ao filho para parar antes de pensar? Ou estoutra, que até pode provocar um desastre: «João, para o carro!» É uma ordem para o João se dirigir ao carro, ou para travá-lo?

E como se distinguirá, na escrita, o sentido de «Pensamos e pensamos que isto está mal»? É uma insistência em pensarmos que algo está mal? Ou pensávamos no passado e continuamos agora a pensar que algo está mal? Ou, ao contrário, pensamos agora e já assim pensávamos?

A frase «Confirmamos mas não confirmamos o que dissemos» fará, porventura, as delícias de muitos políticos, mas pessoas normais passam por loucas se assim forem lidas. O caso poderia complicar-se ainda mais em «acusamos mas não acusamos o réu», ou «desculpamos mas não desculpamos a ofensa».

Um dos objectivos apregoados pelo pseudo-acordo é aproximar a escrita da linguagem falada. Para quando, então, uma próxima revisão do pseudo-acordo, segundo a qual nós escreveremos raptare os brasileiros «rapitar», ou talvez «ràpitá»? Ou, voltando à palavra espetador, os brasileiros escreverão «icepetadô»?

Em suma, como já vi escrito jocosamente, «não me pelo pelo pelo de quem para para» regressar ao bom português.