Alexandre Martins, Público
O Presidente dos EUA anunciou uma solução na quinta-feira, mas 39
membros da Câmara dos Representantes aprovaram uma proposta que a Casa Branca
já prometeu vetar.
Os erros na aplicação da reforma do sistema de saúde nos EUA provocaram
uma cisão no Partido Democrata. Um dia depois de Barack Obama ter feito uma
concessão, ao anunciar que todos os beneficiários vão poder manter os seus
seguros antigos durante um ano, 39 membros da Câmara dos Representantes
ajudaram a aprovar uma proposta do Partido Republicano que vai longe de mais no
entender da Casa Branca.
Barack Obama prometera que todos os segurados iriam poder manter os seus planos de saúde |
É cedo para saber se Barack Obama subestimou as consequências de uma
mentira ou se estava disposto a enfrentar o afundamento do que ainda lhe
restava de popularidade, mas por estes dias não se fala de outra coisa nos EUA:
a reforma do sistema de saúde, conhecida como Obamacare, pode nem sequer ter
tempo suficiente para provar que é um remédio adequado.
Depois de ter prometido várias vezes ao longo dos últimos três anos que
ninguém iria ser obrigado a mudar os seus seguros de saúde com a entrada em
vigor da nova lei, milhares de cidadãos que contrataram planos a título
individual têm recebido notas de cancelamento. Afinal, nem todos podiam manter
os planos que já tinham, mas por uma razão que a Administração Obama – e talvez
também o senso comum – considera meritória: os planos mais antigos não cobriam
os mínimos impostos pela nova lei, entre os quais a inclusão dos filhos como
beneficiários e a proibição de se negar seguros a pessoas com problemas pré-existentes.
Um mês depois da abertura das inscrições para o novo mercado de seguros,
o processo tem-se revelado uma verdadeira catástrofe política para a Casa
Branca. Os problemas técnicos no acesso ao site HealthCare.gov – onde se pode
conhecer, comparar e contratar planos considerados mais justos, segundo a
Administração Obama – só vieram piorar o cenário.
Mais do que os alegados méritos da reforma no sistema de saúde – que só
poderão ser avaliados a longo prazo –, está em causa a honestidade do próprio
Presidente e a competência dos serviços federais para garantirem uma transição
sem problemas. Nesta sexta-feira, o The Washington Post escreveu que a empresa
contratada para desenvolver o site HealthCare.gov, a CGI Federal, emprega mais
de 100 altos funcionários de uma outra empresa que foi responsável por pelo
menos 20 falhanços em projectos de tecnologias de informação desenvolvidos para
o Governo federal.
O problema é que o resultado do somatório das questões políticas e
técnicas está a deixar de pé atrás milhões de jovens norte-americanos,
saudáveis, cuja opção pelos novos planos de saúde é essencial para manter os
preços dos novos seguros nos valores actuais.
Depois de muita pressão de todos os lados – das pessoas que viram os
seus seguros antigos cancelados; do Partido Republicano porque os erros da Casa
Branca caíram como mel na sua feroz oposição ao Obamacare; e do Partido
Democrata, porque há eleições intercalares dentro de 12 meses e é preciso dar
explicações aos eleitores –, o Presidente Barack Obama anunciou na quinta-feira
que as seguradoras vão poder renovar os planos anteriores durante o próximo
ano. Era uma saída quase em desespero porque o mal já estava feito, como
reflecte o título da revista The Atlantic: «Obama diz que se quiserem manter os
vossos planos, podem mantê-los. Desta vez é a sério».
Como seria de esperar, a proposta da Casa Branca não foi suficiente para
aplacar o ataque cerrado dos republicanos. Mais surpreendente – e sintomático –
é que também não serviu para travar a rebelião no Partido Democrata.
Afinal, a conferência de imprensa de Obama, durante a qual o Presidente
pediu desculpa sete vezes, foi também uma tentativa para impedir que os
democratas da Câmara dos Representantes ajudassem a aprovar uma proposta mais
radical do Partido Republicano, posta a votação na sexta-feira.
Resultado: pelo menos 39 membros do Partido Democrata não foram
sensíveis aos méritos da solução apresentada por Barack Obama e juntaram-se aos
republicanos. Segundo esta proposta, as seguradoras poderão não só renovar os
seguros antigo como também propor os mesmos planos a novos potenciais clientes
durante o próximo ano.
A proposta está condenada à nascença – o Senado está muito mais dividido
do que a Câmara dos Representantes e o Presidente já anunciou que irá vetá-la
se chegar à Casa Branca –, mas a irritação de muitos democratas é evidente e
foi verbalizada por Nick J. Rahall II, eleito pelo estado da Virginia
Ocidental, no The New York Times: «Estou revoltado. Acho que deviam rolar
cabeças. Os responsáveis por isto ou quem já sabia que isto ia acontecer já
devia ter perdido o emprego».