sábado, 25 de fevereiro de 2012

Enquadramento Geopolítico e Geoestratégico
das Campanhas Ultramarinas IV (1954-1974)


João José Brandão Ferreira









Guiné

«Não Senhor, tudo isto foi feito pelos portugueses; nós não fizemos nada, nós só estragámos»
Cor. Celestino de Carvalho
CEMFA da República da Guiné-Bissau – 1996

A Guiné com 36.125 km2 (sensivelmente o tamanho do Alentejo), dos quais apenas 28.000 km2 estavam acima do nível do mar (os restantes eram submersos diariamente pelas marés). A Guiné tinha 680 km de fronteira terrestre com a República do Senegal e da Guiné-Conakri, onde o PAIGC tinha os seus “santuários”. Era à data do início da subversão, um território pobre, com um clima insalubre, com cerca de 550 000 habitantes divididos por 17 etnias, das quais metade islamizados e metade animistas. Existiam cerca de 3000 brancos e 5000 mestiços. A maioria da administração pública era ocupada por cabo-verdianos com escolaridade elevada. A economia do território era incipiente e baseava-se no sector primário.

Bissau encontrava-se a 3400 km de Lisboa e a 4000 km de Luanda.

Os movimentos subversivos na Guiné datam de 1952, ano em que foi criado o Movimento para a Independência da Guiné, por Amílcar Cabral.

Este movimento transformou-se, em 1956, no PAIGC dirigido por Rafael Barbosa e o mesmo Amílcar Cabral. Outros movimentos surgiram, mas não singraram à excepção da FLING, a Frente de Luta para a Libertação da Guiné, dirigida por Mário Jonas Fernandes. A partir de 1964 só estes dois movimentos subsistiam, mas a FLING veio a perder importância face ao crescimento do PAIGC, fortemente apoiado por Sekou Touré, Presidente da Guiné-Conakri, por Cuba e pela URSS.

A 3 de Agosto de 1959, houve incidentes no cais do Pigiguiti, em Bissau, causados por greves de que resultaram alguns mortos. Este caso é considerado como o antecedente próximo do início da guerrilha. O PAIGC não cometeu os mesmos erros que a UPA em Angola. Preparou melhor os seus quadros; treinou e armou os seus homens e doutrinou melhor algumas populações antes de iniciar a luta armada. Esta, porém, já não apanhou as autoridades portuguesas desprevenidas.

No fim do conflito as tropas portuguesas somavam cerca de 32.000 homens e o PAIGC rondava os 5000 combatentes (mais uns 1500 milícias).

A insurreição armada teve lugar a 23 de Janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite a que se seguiram acções militares na zona do Xime e na península de Cacine. Daqui o PAIGC derivou para Nordeste para a região do Boé.

Em fins de 1963 já se encontravam na Guiné cerca de 16.000 homens idos da Metrópole, que desenvolveram, ainda nesse ano, a grande operação Tridente na Ilha de Como.

Existem dois grandes períodos distintos da guerra na Guiné: aquele em que o governador e comandante-chefe era o Brigadeiro Arnaldo Schultz (entre 1964 e 1968) e outra, que percorre o período em que tais cargos foram ocupados pelo general António de Spínola (entre 1968 e 1973). No primeiro período as acções de contra subversão foram feitas sobretudo em termos de guerra clássica o que não levou a grandes resultados.

O general Spínola rodeou-se de um estado-maior maioritariamente escolhido por si e, depois de estudar a situação do território, elaborou um conceito de acção baseado em várias frentes: militar, mas agora em termos de acção de contra guerrilha; e sobretudo no âmbito político, psicológico e socio-económico, tentando conquistar as populações para o lado português, subtraindo-as à guerrilha. Esta última acção teve grande sucesso.

Passou a constituir aldeamentos em auto-defesa, a distribuir armas às milícias e a constituir unidades militares em que, à excepção dos quadros, todos os combatentes eram guineenses.

Quando achou a situação madura, estabeleceu contactos com chefes da guerrilha para estes desertarem da luta, o que esteve quase a acontecer, vindo porém a terminar num massacre dos nossos negociadores.

O general Spínola abandonou algumas áreas do território o que é discutível em termos tácticos e quis alargar o âmbito das conversações agora com a ajuda do governo do Senegal. Esta intenção foi impedida pelo governo de Lisboa o que levou a um desaguisado grave com o Professor Marcello Caetano o que deve ser considerado a origem remota do 25 de Abril.

Por outro lado o PAIGC, depois do assassinato do seu líder Amílcar Cabral (efectuado pela ala mais extremista do movimento e não pela PIDE), veio a intentar um aumento da acção militar de modo a forçar uma derrota portuguesa.

Esta ofensiva deu-se a partir de Março de 1973, com a introdução dos mísseis anti-aéreos «SAM-7 Strella», o que acabou com a supremacia aérea, mas não com a superioridade aérea portuguesa; a que se seguiu um ataque em simultâneo às guarnições de Guidage na fronteira norte, e Guilege, na fronteira sul. Esta ofensiva militar culminou com uma ofensiva política, com a declaração unilateral de independência, em 24 de Setembro desse ano.

Deve acrescentar-se que esta ofensiva militar foi muito dura mas, no final, foi ganha pelas tropas portuguesas.

O general Spínola não quis ficar mais tempo na Guiné e foi substituído pelo general Bettencourt Rodrigues, talvez o melhor general de todo o sendo XX português. O que era prova de que o governo de Lisboa não achava que a Guiné estava perdida e a queria defender.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Enquadramento Geopolítico e Geoestratégico das Campanhas Ultramarinas III (1954-1974)


João José Brandão Ferreira


Angola
«O inimigo atira pela porta da capela paroquial. Salvem-nos. Morremos portugueses.»
Apelo pela rádio dos heróicos defensores de Mucaba antes de serem salvos pela acção da Força Aérea, 30 de Abril de 1961

Angola possuía uma dimensão enorme com 1 264 314 Km2 (14,5 vezes a Metrópole), com 4837 km de fronteira terrestre e 1650 de orla marítima. Luanda estava a 7300 km de

Lisboa e para se atingir Lourenço Marques era preciso percorrer mais 3000 km.

A maioria da fronteira terrestre era permeável à guerrilha que se movimentava livremente no Congo, no Zaire e na Zâmbia. Só as fronteiras da Rodésia e da República da

África do Sul eram seguras para nós.

Angola era escassamente povoada, apenas com 4.800.000 habitantes (cerca de 4/Km2), dos quais 95,5% eram negros, 3,5% brancos e 1,1% de mestiços. Existiam 94 etnias diferentes, distribuídas por nove grupos etnico-linguísticos.

No fim do conflito o número de combatentes portugueses contabilizava cerca de 70.000 homens e o inimigo cerca de 11.000.

Eram dois os principais partidos clandestinos que actuavam em Angola; a União dos povos de Angola (UPA), mais tarde denominada Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) – que chegou a formar o GRAE, governo provisório da República de Angola no exílio; e o Movimento Popular de Libertação de Angola.

Outros movimentos menores vieram a desaparecer ou a integrar o MPLA ou a FNLA.

Finalmente surgiu, em 1966 e apenas no Leste de Angola, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que era dissidente da FNLA.

A FNLA foi fundada, em 1958, em Acra (Gana), era chefiada por Holden Roberto, não era marxista e era apoiada pelo Zaire; o MPLA, fundado em 1960, era chefiado, desde 1962, por Agostinho Neto, de linha marxista soviética e apoiado pelo Congo-Brazaville e, mais tarde (1965), pela Zâmbia; a UNITA, chefiada por Jonas Savimbi, foi criada no interior de Angola (Moxico), em 1966, apoiava-se no Congo Kinshasa e era de ideologia algo indefinida.

Todos os três movimentos lutaram entre si, pela via das armas e diplomaticamente, para conseguirem o reconhecimento internacional, nomeadamente no seio da OUA. Esta rivalidade foi sempre muito favorável a Portugal.

O ataque a Angola teve início com o genocídio efectuado pela UPA a partir de 15 de Março de 1961, e tinha sido antecedido pelos graves incidentes da Baixa do Cassange, em 11 de Janeiro de 1960, que foram duramente reprimidos pelas autoridades portuguesas; e pelo ataque à cadeia de S. Paulo, à Esquadra da PSP e à Casa de Reclusão em Luanda, em 4 de Fevereiro de 1961.

Tal ataque tinha a intenção de causar o pânico e a originar a fuga da população branca, mas teve uma resposta da nossa gente à altura das suas melhores tradições, com a população a aguentar firme, ajudada com os magros reforços militares logo enviados. Tal resposta teve a sua definição política e épica, na célebre frase de Oliveira Salazar: «Para Angola rapidamente e em força», que só foi possível proferir – é bom que se recorde – após ter sido frustrada a tentativa de golpe de estado palaciano encabeçado pelo ministro da defesa Botelho Moniz.

Deste modo, em menos de seis meses foi reocupado toda a área do norte de Angola afectada pela subversão e que representava cerca de duas vezes o tamanho de Portugal continental. Tal acção, é justo recordar, deve-se à acção do notável militar que foi o General Silva Freire, morto em trágico acidente aéreo, após cinco meses de ter tomado posse como Comandante-Chefe.

A seguir a esta recuperação a luta contra a FNLA apertou-se, confinando-a a pequenas bolsas na área dos Dembos, nunca permitindo o alastramento da subversão para sul, situação que estava estabilizada em 1965.

Num supremo esforço a FNLA tentou, nesse ano, uma ofensiva em três locais diferentes, com efectivos de 3 batalhões, mas foi desbaratada.

O MPLA tentou a sua sorte em Cabinda, a partir de 1962, mas nunca se fixou no interior do território por nunca ter tido a adesão da população. Porém, a partir de 1965 tanto o MPLA como a FNLA deixaram de actuar na fronteira de Cabinda.

O MPLA mudou-se, então, para a fronteira leste, montando as suas bases do outro lado da fronteira ameaçando directamente os distritos da Lunda, Moxico e Cuando Cubango. Em Maio de 1966 iniciou a guerrilha e causou séria ameaça no Moxico até 1970. A estratégia do MPLA consistia em fazer convergir as suas forças do Norte e do Leste, no Bié, posição central no território.

A UNITA tinha-se antecipado ao MPLA na subversão das populações do leste de Angola e tentou um ataque frontal a Teixeira de Sousa no Natal de 1966, onde sofreu uma forte derrota. A UNITA instalou-se então a Sudeste do Luso e não contava com mais de 500 guerrilheiros vivendo, sobretudo, do saque. Savimbi viria a fazer um acordo de paz tácito, com as autoridades portugueses que só foi quebrado após o general Bettencourt Rodrigues ter abandonado o comando da frente leste.

A partir de 1967, as autoridades portuguesas mudaram a sua estratégia de contra subversão.

Deu-se prioridade à conquista das populações e ao desenvolvimento socio-económico; centralizou-se e definiu-se melhor as competências dos diferentes órgãos, a fim de se conseguir uma melhor coordenação das actividades civis e militares (o que foi alargado aos outros teatros de operações).

Em 1970, com a nomeação do general Costa Gomes para Comandante-chefe, este transferiu a prioridade das acções militares do Norte para o Leste, colocando nesta zona 13 batalhões e criou a Zona Militar Leste com uma área de 600 000 km2 e adaptou todo o dispositivo. Esta zona passou a ser comandada desde 31 de Março de 1971 pela grande figura do general Bettencourt Rodrigues. A sua acção, em menos de três anos derrotou completamente o MPLA e neutralizou a UNITA e estabeleceu a paz e cooperação com todas as populações gentílicas - a chamada «batalha das almas».
            

Olivença e a «Guerra das Laranjas»


Com a devida vénia, dou divulgação ao testemunho do Dr. José Ribeiro e Castro, ex-presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia da República, no seu blogue «Avenida da Liberdade»:


A questão de Olivença é uma delicada pendência dormente nas relações luso-espanholas. É, não – era! Um alcaide «voluntarioso» do lado espanhol resolveu chutar o tema para as primeiras páginas dos jornais. E inevitavelmente para a primeira linha da política. Agora, procura dobrar a língua, mas o mal está feito e o seu gesto tem tudo menos de inocente.

Nos últimos anos, o ambiente melhorava: com apoio das autoridades regionais extremenhas, a autarquia de Olivença abrira-se à revelação das raízes portuguesas, recuperando e reafirmando traços identitários na toponímia histórica das ruas e em festivais anuais de matriz portuguesa. Simultaneamente, com algum pragmatismo, dos dois lados da fronteira, descobriam-se formas imaginosas de tornear dificuldades políticas, a fim de responder às necessidades das populações - por exemplo, no dossier de  reabilitação de uma  ponte de acesso à vila. Este desanuviamento revelava grande sentido prático e era um processo inteligente, que procurava andar para diante sem ferir o alto melindre político da questão. As autoridades locais e regionais espanholas pareciam interessadas em avivar a especial identidade de Olivença, até para a singularizar na região como pólo específico de procura turística, e circunscrevendo o processo a traços de identidade cultural, sem entrar obviamente pelo delicadíssimo - e potencialmente explosivo - plano político.

Estávamos nós postos neste sossego, quando o «enérgico» alcalde Bernardino Píriz aterra em Olivenza e resolve reabrir a Guerra de las Naranjas. Desde há semanas que éramos altertados para a provocação que congeminou. Até que o PS e autarcas locais do lado português - a meu ver, bem - resolveram agarrar no assunto. Além do disparate político monumental, a iniciativa do novo alcaide oliventino interrompe esforços positivos que os autarcas alentejanos vizinhos conhecem bem e estavam a acompanhar e apoiar.

«Festejar» a Guerra das Laranjas em Olivença é uma coisa de flagrante mau gosto. Seria um pouco como a Rainha Isabel II ir celebrar a Gibraltar o Jubileu de Diamante no próximo mês de Junho.

José Ribeiro e Castro

Fim do euro, recomendações práticas


Pedro Braz Teixeira
 










A saída do euro pode ocorrer de forma muito caótica, podendo levar ao colapso temporário do sistema de pagamentos e de distribuição.

O risco de saída de Portugal do euro tem associados múltiplos riscos, dos quais gostaria de salientar três: o risco do colapso temporário do sistema de pagamentos, o risco do colapso temporário do sistema de distribuição de produtos e o risco de perda – definitiva – de valor de inúmeros activos (depósitos à ordem e a prazo, obrigações, ações e imobiliário, entre outros).

Considero que todos os portugueses devem «subscrever» seguros contra estes riscos, tal como fazem um seguro contra o incêndio da sua própria casa. Quando se compra este seguro, o que nos move não é a expectativa de que a nossa casa sofra um incêndio nos meses seguintes, um acontecimento com uma probabilidade muito baixa, mas sim a perda gigantesca que sofreríamos se a nossa habitação ardesse.

Quais são as consequências imediatas de Portugal sair do euro? A nova moeda portuguesa (o luso?) sofreria uma desvalorização face ao euro de, pelo menos, 20%. Todos os depósitos bancários seriam imediatamente transformados em lusos, perdendo, pelo menos, 20% em valor. Todos os depósitos ficariam imediatamente indisponíveis durante algum tempo (dias? semanas?) e não haveria notas e moedas de lusos, porque o nosso governo e o Banco de Portugal não consideram necessário estarmos preparados para essa eventualidade.

O mais provável é que a saída do euro fosse anunciada numa sexta-feira à tarde, havendo apenas o fim-de-semana para tratar da mudança de moeda. Logo, na sexta-feira os bancos retirariam todas as notas de euros das máquinas de Multibanco e quem não tivesse euros em casa ou na carteira ficaria sem qualquer meio de pagamento.

Durante algumas semanas (ou mais tempo) teríamos um colapso do sistema de pagamentos e, provavelmente, também um corte nos fornecimentos. As mercearias e os supermercados ficariam incapazes de se reabastecer, devido às dificuldades associadas à troca de moeda.

Estes «seguros» de que falo, contra este cenário catastrófico, não podem ser comprados em nenhuma companhia de seguros, mas podem ser construídos por todos os portugueses, estando ao alcance de todos, adaptados à sua realidade pessoal.

O que recomendo é algo muito simples que – todos – podem fazer. Ter em casa dinheiro vivo num montante da ordem de um mês de rendimento e a despensa cheia para um mês. Esta ideia de um mês de prevenção é indicativa e pode ser adaptada à realidade de cada família.

Não recomendo que façam isso de forma abrupta, mas lentamente e também em função das notícias que forem saindo. De cada vez que levantarem dinheiro, levantem um pouco mais que de costume e guardem a diferença. De cada vez que fizerem compras tragam mais alguns produtos para a despensa de reserva. Aconselho que procurem produtos com fim de validade em 2013 ou posterior, mas, nos casos em que isso não seja possível, vão gastando os produtos de reserva e trocando-os por outros com validade mais tardia. Desta forma, sem qualquer ruptura, vão construindo calmamente os vossos seguros contra o fim do euro.

Quanto custará este seguro? Pouquíssimo. Em relação ao dinheiro de reserva, o custo é deixarem de receber os juros de depósito à ordem, que ou são nulos ou são baixíssimos. Em relação aos produtos na despensa de reserva, é dinheiro empatado, que também deixa de render juros insignificantes.

Quais são os benefícios deste seguro? Se o euro acabar em 2012, como prevejo, o dinheiro em casa não se desvaloriza, mas o dinheiro no banco perderá, no mínimo, 20% do seu valor. Além disso terá o benefício de poder fazer pagamentos no período de transição, que se prevê extremamente caótico. A despensa também pode prevenir contra qualquer provável ruptura de fornecimentos, garantindo a alimentação essencial no período terrível de transição entre moedas. Parece-me que o benefício de não passar fome é significativo.

E se, por um inverosímil acaso, a crise do euro se resolver em 2012 e chegarmos a 2013 com o euro mais seguro do que nunca? Nesse caso – altamente improvável – a resposta não podia ser mais simples: basta depositar no banco o dinheiro que tem em casa e ir gastando os produtos na despensa à medida das suas necessidades.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Enquadramento Geopolítico e Geoestratégico
das Campanhas Ultramarinas II (1954-1974)


João José Brandão Ferreira









O Ataque

«Parta V. Ex.ª descansado que eu não deixarei ficar mal a bandeira portuguesa!».
 Aniceto do Rosário
(Para o governador do Estado da Índia, antes da ocupação dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, pela União Indiana, em 20 de Julho de 1954)

Como se sabe Portugal foi atacado, militarmente em quatro locais diferentes, se deixarmos de fora a ridícula e mesquinha ocupação pelo Daomé, da nossa fortaleza de S. João Baptista de Ajudá, em 1 de Agosto de 1961, porque - segundo eles - «constituía um perigo para a paz mundial» … Resta dizer que a Fortaleza estava ocupada por dois funcionários, a mulher e a filha de um deles e um serviçal, os quais se portaram com grande dignidade.

Estamos a falar do Estado da Índia e de Angola, Guiné e Moçambique.

Há aqui, todavia, que estabelecer uma diferença entre o que se passou no primeiro e nos outros três territórios; de facto a agressão a Goa, Damão e Diu configurou um conflito clássico enquanto os restantes três foram objecto de uma acção subversiva que degenerou em guerrilha.

Assim, no caso primeiro foi a União Indiana como estado soberano que se assumiu como agressor – com o apoio da URSS e da maioria dos países terceiro-mundistas (mas não da China); enquanto que, nos restantes casos foram criados vários movimentos independentistas que tinham as suas principais bases de apoio nos territórios limítrofes aos nossos e uma vasta ajuda do bloco soviético ou por eles influenciados, China, países da OUA e, até, o apoio moral e financeiro de alguns países do bloco ocidental que se diziam aliados de Portugal.

O ataque da União Indiana a Portugal pode ser dividido em quatro fases: a primeira fase teve início em 1947 e durou até ao ataque ao enclave de Dadrá e Nagar-Aveli, em 1954. Foi a fase de persuasão e pressão política para negociar a entrega; a ocupação dos enclaves marcou o fim da via pacífica.

A segunda fase diz respeito à reacção indiana às tentativas de recuperação dos enclaves por parte de Portugal. A estas diligências Nova Deli respondeu com violações de fronteira, subversão interna, propaganda, guerra de nervos, agitação internacional, bloqueio, perseguições às comunidades goesas na União Indiana, etc.

A terceira fase foi a do debate internacional que se prolongou de 1955 a 1960 e que culminou com a sentença do Tribunal Internacional da Haia, favorável ao nosso País.

Pode dizer-se que Portugal conseguiu ultrapassar e vencer todas estas fases. Quando o governo indiano se deu conta que Lisboa não cedia e vendo frustradas todas as suas maquinações, urdidas durante 14 anos, resolveu deitar mão ao método que lhe restava: a invasão militar para a qual nem sequer tiveram a decência de nos declarar guerra. Tal aconteceu na noite de 17 para 18 de Dezembro de 1961, utilizando 45 000 homens (mais 25 000 de reserva), várias esquadrilhas de aviões de combate e a esquadra que incluía um porta-aviões.

As forças portuguesas com cerca de 3 500 homens, mal equipados, armados e municiados (e também mal estruturados), sem aviação e apenas com um navio de combate com 30 anos de serviço, renderam-se em menos de 24 horas, depois de algumas acções heróicas isoladas.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O Governo deve ouvir o Cardeal: mãe há só uma


Manuel Tavares, Director do JN









O novo cardeal português foi ao fundo da questão europeia: a relação da mãe com a família e o trabalho. Para alguns será muito fácil colocar as etiquetas de conservador ou mesmo de reaccionário a D. Manuel Monteiro de Castro por, na entrevista que concedeu ao JN, ter dito sem papas na língua o seguinte:

«O trabalho da mulher a tempo completo creio que não é útil ao País. Trabalhar em casa, sim, mas que tenham de trabalhar pela manhã até à noite creio que para um país é negativo. A melhor formadora é a mãe, e se a mãe não tem tempo para respirar, como vai ter tempo para formar?».

E, no entanto, vejamos...

Ainda não há no mundo sítio com melhores condições de vida que o nosso velho continente: o modelo social europeu permanece imbatível. Mas está claramente ameaçado. E se um optimista como eu pode sempre acreditar que haveremos de superar a ameaça resultante da crise financeira, outra tanta dose de fé não chegará para eliminar a ameaça demográfica.

Ou seja: mesmo que a Europa resolva os seus problemas de competição no quadro do comércio mundial e o faça salvaguardando os salários pela redistribuição da riqueza, vai ser preciso que, para além das religiões, das ideologias e das práticas sociais, o cidadão renuncie ao conforto da responsabilidade mínima. A sua própria por natureza e a da eventual alma gémea com quem decida partilhar a aventura da vida comunitária.

Com a taxa de natalidade em queda vertiginosa em Portugal e na Europa não podemos esperar que o nosso modelo social sobreviva. Perceber que esta é a questão essencial, muito mais importante que as circunstâncias da crise, é o passo indispensável para termos uma atitude diferente em relação ao núcleo da nossa organização social: a família.

Salvar este nosso modelo de vida, com todas as heterodoxias que ele permite, significará sempre revalorizar a natalidade. E a primeira consequência desta revalorização será a de dar condições para que os pais que assim o pretendam possam ter mais filhos.

Este ponto é tão mais sério e tão mais decisivo para as gerações que as sérias dívidas soberanas, e seria imperdoável que falhássemos. Porque só depende de nós e do que possamos pensar para além do puro prazer de ter um único filho. Ou nenhum.

Acontece que do plano da cidadania para o da prática social, por mais cardeais que nos alertem, terão de ser os políticos a garantir-nos a sobrevivência do nosso modelo social europeu.

No que me toca, atrevo-me a dar-lhes um conselho: antes de pensarem em novas leis laborais, perguntem às mães que não podem fugir a despejar os filhos de seis meses em infantários.

PS reabre polémica de Olivença por causa
da Guerra das Laranjas


Luciano Alvarez, Publico


O alcaide de Olivença resolveu festejar a anexação do território há 211 anos. O PS não gostou e tenta impedir a festa. A polémica está aberta entre autarquias dos dois países.

Em 1801 Espanha anexou Olivença ao seu território, retirando aquelas terras a Portugal. Por esses anos a polémica foi muita. Embora a questão nunca tenha sido resolvida, a contenda esfumou-se com o passar do tempo. Agora, o PS volta a trazer a polémica à tona da água.

A culpa, dizem seis deputados socialistas, alguns deles ilustres, é do novo alcaide de Olivença (presidente da autarquia local), Bernardino Píris (Partido Popular), que resolveu comemorar a Guerra das Laranjas de 1801, facto que recorda a batalha que levou à anexação nunca reconhecida internacionalmente, nem resolvida entre Portugal e Espanha.

Por isso, os deputados socialistas Maria de Belém Roseira, Alberto Martins, Basílio Horta, Paulo Pisco, Laurentino Dias e Gabriela Canavilhas pediram ao Governo português que impeça o que chamam de mega produção.

A questão de Olivença é delicada «e tem-se revestido de cuidados especiais, de forma a evitar ferir susceptibilidades históricas e nacionais», diz a nota que os deputados do PS enviaram a Paulo Portas, Ministro dos Negócios Estrangeiros, para que a festa não seja realizada.

«Acontece, no entanto, que após as últimas eleições autárquicas em Espanha, realizadas em Maio de 2011, o Ayuntamento de Olivença passou a ser dirigido pelo Partido Popular, tendo o novo executivo decidido realizar em Junho próximo uma megaprodução que consiste na reconstituição da Guerra das Laranjas, facto histórico que ocorreu em 1801, e que assinala a anexação de Olivença por parte de Espanha», salienta a nota.

Este facto, acrescentou o deputado Paulo Pisco, «chega a parecer esquizofrénico», porque o que o alcaide está a fazer «é celebrar a derrota dos oliventinos» que foram anexados pelos espanhóis.

Para Pisco trata-se de «sensibilizar por meios diplomáticos» para que a festa não se realize, de forma a não «ferir susceptibilidades» nos dois lados da fronteira. Assim, perguntam a Paulo Portas se «tem conhecimento» destes planos e se considera ou não esta celebração «inadequada, dado que Portugal não reconhece a soberania de Espanha sobre Olivença». Perguntam ainda se pondera «intervir, pelo menos diplomaticamente, para que tal reconstituição não se produza».

«Potencial ofensivo»

«Trata-se de celebrar ao longo de 18 dias a derrota da população oliventina, sacrificando questões de identidade histórica a objectivos de natureza turística. Nunca uma evocação deste facto histórico tinha sido feita, precisamente para evitar ferir susceptibilidades. O assunto tem sido muito polémico e tem suscitado muitas críticas de vários sectores dos dois lados da fronteira, precisamente pelo potencial ofensivo e de hostilidade que comporta relativamente a uma situação clara à luz do Direito Internacional, mas ‘de facto’ que ainda não está resolvida», diz ainda o longo texto socialista.

Recordam mesmo um artigo de opinião escrito pelo antigo alcaide de Olivença no jornal Hoy em que este afirma: «A comemoração teatral da Guerra das Laranjas é uma ofensa gratuita que, tendo elevados custos sem trazer nada, cria um problema onde não existia».

Paulo Pisco recusa a ideia de que o PS esteja a reabrir uma polémica do tipo «Olivença é nossa»: «Não tem a ver com isso. Apenas pedimos que se respeite a sensibilidade histórica de um assunto que não está resolvido.»

«Feira luso-espanhola»

A polémica que agora chega a Portugal já dura há quase três meses na região espanhola, especialmente nas páginas do jornal local espanhol Hoy.

Enquadramento Geopolítico e Geoestratégico
das Campanhas Ultramarinas (1954-1974)


João José Brandão Ferreira









Introdução

 «Não deixeis que ninguém toque no território nacional. Conservar intactos na posse da Nação os territórios de além-mar é o vosso principal dever. Não ceder, vender ou trocar ou por qualquer forma alienar a menor parcela de território, tem de ser sempre o vosso mandamento fundamental. Se alguém passar ao vosso lado e vos segredar palavras de desânimo, procurando convencer-vos de que não podemos manter tão grande império, expulsai-o do convívio da Nação.»
Norton de Matos
Exortação aos Novos de Portugal, 1953)
     
Em 1974 (até ao 25 de Abril), as FFAA portuguesas dispunham de cerca de 220 000 homens espalhados por quatro continentes e outros tantos oceanos, que combatiam em três teatros de operações distintos: Angola, Moçambique e Guiné. O grosso das forças militares pertencia ao Exército que integrava cerca de 190 000 homens; a Marinha cerca de 13 000 (190 navios com 90 000 t) e a FA cerca de 17 000 homens (e 700 aeronaves). Cerca de 50% destes efectivos pertenciam ao recrutamento local e não incluíam as milícias.

A situação militar em Angola estava resolvida; em Moçambique havia alguma actividade de guerrilha, sobretudo nos distritos de Cabo Delgado e Tete; e na Guiné tinham surgido algumas dificuldades em consequência da exiguidade e clima do território, do reforço em armamento recebido pelo PAIGC e, sobretudo, porque as nossas tropas tinham perdido a supremacia aérea, desde Março de 1973.

Em mais nenhum território português houve qualquer problema, tendo apenas sido necessário ultrapassar certa agitação registada em Macau, em 1966, devido à Revolução Cultural em curso na República Popular da China.

Em todo o lado havia forças militares, policiais e serviços de informação, em vigilância permanente, incluindo na então Metrópole, onde já se tinha verificado uma ou outra perturbação da ordem pública e até actos de sabotagem com origem no PCP e organizações de extrema-esquerda.

Os territórios portugueses que formavam o Estado Português da Índia, estavam ocupados militarmente, pela União Indiana, o que constituía uma ocupação de facto mas não de jure, já que o Conselho de Segurança da ONU não validara tal acto (o que foi vetado pela então URSS), e o Tribunal da Haia tinha dado razão a Portugal na questão de Dadrá e Nagar-Aveli. Por outro lado o governo português nunca reconheceu qualquer direito à UI sobre Goa, Damão e Diu e continuava a eleger deputados à Assembleia Nacional, por aqueles territórios.

Vamos ver sucintamente como chegámos até esta situação.

O Mundo pós II Guerra Mundial

«Em todas as partes do mundo por onde andei, ao ver uma ponte perguntei quem a tinha feito, respondiam, os portugueses; ao ver uma estrada fazia a mesma pergunta e respondiam: os portugueses. Ao ver uma igreja ou uma fortaleza, sempre a mesma resposta, portugueses, portugueses, portugueses. Desejava pois que da acção francesa em Marrocos daqui a séculos seja possível dizer o mesmo.»
Marechal Lyautey

No fim da guerra, Portugal era um país mais coeso e próspero do que no início da mesma. E não perdera nada de seu. Apenas Timor tinha sido invadido e ocupado, primeiro por holandeses e australianos e, depois, por japoneses. Virtuosismo diplomático e firme determinação do governo português, de então, fê-lo retornar à nossa soberania plena, em Setembro de 1945.

No fim da guerra emergiram duas superpotências: os EUA e a URSS.

Com a Europa em ruínas e os exércitos desmobilizados a Oeste, veio o mundo ocidental a ser confrontado com a ameaça ideológica e imperialista da URSS e dos seus satélites. Deste modo foi criada a NATO, em 1949, para fazer face à nova ameaça militar, e deu-se início ao plano Marshall para ajudar a recompor a vida económica e social na Europa, que estava fora do jugo soviético.

Do outro lado desenvolveu-se o Pacto de Varsóvia, em 1955 e o COMECON.

A situação política militar entrou num impasse, com os diferentes exércitos alinhados frente a frente pois, entretanto, tinha surgido a arma atómica cujo efeito destruidor era de tal forma poderoso que, há partida, garantia a destruição mútua dos contentores. Entrou-se, deste modo, numa espécie de equilíbrio do terror.

Para obviar a este impasse desenvolveram-se diferentes estratégias indirectas de fazer a guerra, a mais importante das quais foi a capacidade de influenciar países terceiros.

Para tal tornava-se necessário obrigar à retirada política dos países europeus, ditos colonialistas, de todos os territórios que tutelavam fora da Europa. Tal desiderato foi facilitado por três grandes ordens de razões: primeiro porque as derrotas ocidentais no Oriente tinham quebrado o mito da invencibilidade do homem branco; depois porque quase todas as potências ocidentais fizeram promessas aos povos indígenas de autonomia progressiva, se estes os ajudassem contra as potências do Eixo; finalmente e mais importante, porque a saída dos europeus de África e da Ásia, interessava por razões diferentes mas confluentes no propósito, à URSS e aos EUA.

Na América Central e Sul o conflito entre as duas superpotências prolongou-se através da política da canhoneira e protecção a ditaduras que defendiam os interesses capitalistas dos EUA, e à criação de movimentos subversivos por parte da URSS. Cuba é, ainda hoje, o expoente vivo deste confronto.

Estas posições vieram a confluir no movimento anti – colonialista e terceiro-mundista que teve o seu ponto alto na conferência de Bandung, em 1955, onde pontificaram três líderes mundiais da causa: Nasser, Tito e Sukarno.

Começaram, assim, a surgir um pouco por todo o lado movimentos emancipalistas, normalmente liderados por naturais dos diferentes territórios, formados na respectiva Metrópole. A esmagadora maioria deles era de inspiração marxista com pendor, stalinista, trotskista ou maoísta. A luta no terreno passou, também e progressivamente, para a ONU.
Portugal, que não tinha em rigor, nada a ver com tudo isto, foi apanhado na tormenta e sofreu-lhe as consequências.

Primeiro no subcontinente indiano, onde após a sua independência da Inglaterra, a União Indiana – sem qualquer razão da sua parte – começou a reivindicar a posse dos nossos territórios de Goa, Damão e Diu; depois, quando entrámos para a ONU, em 1955, e nos foi perguntado se, ao abrigo do artigo 73 da Carta, tínhamos a declarar algum território não autónomo sob a nossa administração.

A resposta negativa e pronta de Portugal desencadeou uma tempestade política e diplomática dentro daquela organização, que pretende ser a fonte principal do Direito Internacional, e que nunca mais parou até ao 25/4/1974.