quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Portugal na Face Oculta

António Marques Bessa



Um observador de Marte das realidades portugueses já deveria ter verificado que não há um caso Face Oculta. Todo o País deslizou pouco a pouco e depois muito depressa para o que ficou conhecido como Face Oculta, mas que é verdadeiramente um caso de polícia puro e duro. Mas para uma polícia a sério.

No bloco de gelo à deriva, não a tal jangada de pedra, só se tem falado da parte emersa. Ou seja, do caso Casa Pia, do caso Carolina Salgado, do caso voos da Cia, do caso Freeport, do caso da licenciatura de Sócrates, do caso Bragaparques, do caso Banco Privado de Negócios, para os quais a Justiça deveria ser ligeira, cega, e dura. No entanto, é demorada, quase a deslizar sobre pasta elástica, numa inextricável rede de direitos incompreensível nas suas tolerâncias e ôcos. Nos Estados Unidos, um poder de poderes, importantes indiciados em crimes financeiros como foi o caso de Madoff, o ricalhaço viu-se condenado rapidamente a cem anos de prisão, os seus bens e de sua mulher foram confiscados e postos em leilão. Chama-se a isso tratar dos assuntos e não os deixar envoltos em fumo gazoso, para dez anos depois vir dizer, de mansinho, que o assunto prescreveu, que não há provas ou que as provas não provam nada. Maddof deveria ter feito a burla em Portugal e estaria de férias nas Caraíbas a gozar da sua riqueza roubada à semelhança do que faz em Londres o suspeito chefe benfiquista Vale Azevedo.

Toda a gente sabe que não há ordenados em Portugal que possam permitir a qualquer um comprar um Mustang, casas de sonho, um iate de Luxo, quintas extensas. Se os grandes ricos se estão a multiplicar como parecem apontar os índices da indústria de luxo, não é certamente por Portugal estar a enriquecer. Como o País empobrece assustadoramente, é na crise que prospera a fauna devorista que não tem uma ética de meios. Trata de se enriquecer de qualquer maneira, sejam os instrumentos desse abusivo enriquecimento bons ou maus, atirando assim para o cesto do lixo aquele famoso desígnio muito publicitado que os serviços públicos andam a divulgar: «as boas práticas». As boas práticas cobrem as más práticas. E como os exemplos vêm de cima, que se espera que o povo miúdo faça?

Traficar e enganar, mentir e prosperar.

O País indubitavelmente está na face oculta da lua: desde empresários a sindicatos, desde o uso de dinheiros comunitários a utilização de dinheiros camarários, do futebol aos subsídios para as coisas que não se fazem, do subsídio de desemprego ao ululante subsídio de inserção social. E nisto o sucateiro dá-nos um exemplo em tempo real do que se passa. Tudo está comprometido e uma operação mãos limpas seria impossível de pensar só para colocar as despesas dos ministérios numa ordem racional.

A lei que nos rege é propositadamente preparada para dar estes resultados e ela não é a responsável pela anarquia que se segue. Os responsáveis são os hábeis legisladores que quiseram dar todas as oportunidades e mais uma aos ladrões, aos grandes gatunos, aos barões da sucata, em que o país se tornou porque todos ficam bem na fotografia do polvo institucional. Eles têm nomes e fazem o favor de vir defender a lei que já viram não proteger os direitos dos portugueses comuns, mas que serve para assaltar sem risco esses mesmos portugueses comuns, de preferência fracos e inermes, velhos e desarmados. Decidiram que é bom ter um rebanho e também já estudaram as datas da tosquia.

O SISTEMA DA MENTIRA


O pior fenómeno na sociedade portuguesa é a mentira. Todos mentem convincentemente e depois esquecem-se do que disseram. É um mal que afecta o crescimento económico, os desfalques, os rendimentos das grandes figuras de pau santo, as declarações de conluios nas Universidades, a administração nos hospitais, a dívida do Estado, o desemprego, a liberdade na comunicação social, o controle dos indivíduos na sua esfera privada, a produção efectiva do país, e, de uma forma geral, tudo o que diz respeito aos super-ricos e à sua deslocalização. Na realidade, de que valeria ser super-rico, se depois se tinha de tratar nos hospitais do povo, mandar os filhos para a escola do povo, comer com o povo, falar com o povo e pagar impostos como o povo. Os passarões não são galinhas de aviário. Perguntaram a Sócrates um dia em que ele repousava junto de um quinta no mar Egeu, rodeado dos seus escravos:

--- Diz-me. Ó Sócrates, que fazem os peixes grandes no mar?
Sócrates mediu o seu estudante distraidamente e deu-lhe a resposta que parecia certeira como um tiro de arco:

--- O mesmo que fazem os homens na terra. Os maiores comem os mais pequenos.
Poderemos ficar espantados e até um pouco tontos com a brutalidade do filósofo grego, mas ele só enunciava o resultado de uma observação repetida a que ele se tinha entregue desde que se entregara à alta reflexão política e filosófica.

Nada mudou de então para cá. Mudaram os aspectos de como as coisas se realizam, mas não mudaram as categorias de Aristóteles nem a aplicabilidade das observações socráticas anotadas por Platão, nos anos de ouro daquela sociedade influente.

Penso que é preferível uma verdade pungente a mil mentiras dulcificantes, calmantes, amortecedoras, vaticinantes de futuros melhores. Os realistas das organizações mundiais já declararam que os portugueses até 2017 vão conhecer uma descida do seu nível de vida. Nada de estranhar: não é o que andava a proclamar Medina Carreira como profeta há anos? O desemprego e o encerramento de fábricas não se multiplica?

Até quando vão os senhores do poder, engravatados, bem comidos, bem viajados, à nossa custa, com brutos carros, um exército de motoristas e secretárias, aguentar o País e os credores com mentiras? Há um limite para a mentira razoável, mas já não há mentiras que sustenham um país a fazer de conta.

Sentir-nos-íamos muito bem se pudéssemos concordar com tudo o que diz, no seu optimismo saxónico, Álvaro Santos Pereira (Os Mitos da Economia Portuguesa), que acredita num sistema de incentivos para a mudança. Mas quem decreta os incentivos bons e adequados? Não serão os mesmos autores deste pântano de leis que nos fazem reféns de um país nas nuvens? Era óptimo que fôssemos como Alice, para passar para o outro lado do espelho.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Portugal de tanga empresta ao investidor Angola

Rui Dias Costa

Todos nós compreendemos que existem muitos interesses em causa nas relações institucionais entre Portugal e Angola mas custa a compreender que o nosso País, com as conhecidas dificuldades com que se confronta actualmente, se dê ao luxo de comparticipar com € 140 milhões num empréstimo que o FMI vai fazer a Angola!

Será que esses fundos ainda vão ser utilizados para que a nomenklatura angolana adquira mais posições em empresas portuguesas?

Não haverá uma réstea de coragem e dignidade para limitar estes envolvimentos directos com uma reconhecida ditadura «democrática»?

É que já começamos a ficar fartos de andar a pagar facturas da História!!!

[Para ler , clicar na imagem do texto]
Acerca dos investimentos angolanos em Portugal,
ver a nossa peça anterior:
http://forumrprp.blogspot.com/2010/01/o-dinheiro-dos-angolanos-pesa-sobre.html

 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Pois bem!



Por Afonso Lopes Vieira
1878-1946

Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
e para te ensinar a ser correcto já,
coloquei-te na mão a xícara de chá...

E se for um francês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
de ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei
Antes de Montgolfier, um século! Voei
E do teu Imperador as águias vitoriosas
fui eu que as depenei primeiro, e ás gloriosas
o Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
por essa Espanha acima, até casa a coxear

E se um Yankee for que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Quando um dia arribei á orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa.
Olhava para mim o vermelho doutor,
— eu era então o João Fernandes Labrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra
Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.

Se for um Alemão que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
Tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...
Siguefredos hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.

Se for um Japonês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa á tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda
foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.

Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
Vejo no firmamento as estrelas de Deus,
e penso que não são oceanos, continentes,
as pérolas em monte e os diamantes ardentes,
que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
— São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai meu sonho Português!


P.S.

A um Espanhol, claro está, nunca direi: — Pois bem!
Não concebo sequer que me olhe com desdém.


Enviado por Ilídio Dinis

ARTIGO CENSURADO PELO «JORNAL DE NOTÍCIAS»*


O Fim da linha


Mário Crespo

Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento. O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa. Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal. Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o. Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos. Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade. Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados. Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre. Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009. O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu. O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”. O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”. Foi-se o “problema” que era o Director do Público. Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu. Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.



* Artigo originalmente redigido para ser publicado a 1 de Fevereiro de 2010 no «Jornal de Notícias», onde Mário Crespo era colaborador, mas recusado pelo Director.

domingo, 31 de janeiro de 2010

O Orçamento de Estado e a falsa questão
da competência ou incompetência
de Teixeira dos Santos


Heduíno Gomes

Muitas vezes, na apreciação política, as pessoas envolvem-se em questões laterais e desviam-se da realidade, muito mais simples do que a que consta nas grandes e supostamente profundas análises.

Nos programas de televisão, os comentadores dividem-se sobre a competência ou incompetência de Teixeira dos Santos como Ministro das Finanças de Sócrates. O homem falha previsões. Mete as suas galgas. Conduz o País para a bancarrota. Défice. Carga fiscal. Etc... Matéria não falta.

Competência ou incompetência: eis a falsa questão.

A verdadeira e simples questão é: Teixeira dos Santos estará lá para ser competente ou para ser Ministro?

Na verdade, ele está apenas disposto a desempenhar o papel encomendado pelo patrão Sócrates a troco de ser Ministro -- aquilo a que Luís Campos e Cunha, com sentido de Estado e muito honestamente se recusou.

Efectivamente, Teixeira dos Santos diz e desdiz, não cumpre promessas eleitorais, faz o contrário daquilo que qualquer economista ou financeiro, por mais incompetente que seja, sabe... Seria um «incompetente»...

Sendo Ministro das Finanças de Sócrates e querendo continuar no barco, coitado, nunca poderá ser «competente». Fosse ele Ministro das Finanças de alguém com sentido de Estado e decente e poderia eventualmente ser um bom ou razoável Ministro, e então, aí, poder-se-ia colocar a questão de avaliar o valor técnico da pessoa.

Aliás, o caso deste Ministro não é o único deste Governo.

Efectivamente, não acredito que todos os membros do Governo sejam invertidos. Mas duma coisa tenho a certeza: ao aprovarem os chamados «casamentos» entre invertidos, os que não o são estão a colocar o seu tacho acima da sua própria consciência. Moralmente, todos incompetentes.