João José Brandão Ferreira
Os termos e os conceitos têm, normalmente, um significado preciso. E sendo a língua portuguesa assaz rica, não há razão alguma para que no discurso oficial, nas academias de cultura, nos órgãos de Estado, na comunicação social e nos portugueses em geral, se usar e abusar de termos, fora do seu significado e, ou, do âmbito em que devem ser aplicados.
Vem isto a propósito do abuso e despropósito com que se passaram a usar os termos que servem de título ao escrito.
De facto estes termos passaram a ser utilizados a esmo, no pós 25 de Abril de 1974 e foram-no sobretudo por razões ideológicas. Isto é, quem entende que as campanhas de contra subversão que fomos forçados a conduzir entre 1961 e 1974, em Angola, Guiné e Moçambique eram injustas, utiliza os termos “colonial” e “guerra colonial”; quem, ao contrário, entende que eram justas as acções desencadeadas pelo governo português de então, utiliza os termos “guerra do ultramar”; e quem não se quer conotar com nenhuma das ”facções” ou entrar em polémicas, chama-lhe “guerra de África”, assim à moda de “ponte sobre o Tejo”…
Convém, de uma vez por todas, fazer “doutrina” sobre o assunto e desmistificar ideias feitas (algumas a martelo e … foice).
O termo “colonial” tem a ver com colonialismo, entendido como a exploração de um povo por outro povo – um conceito negativo, portanto.E por “guerra colonial” terá que se entender os esforços, em termos militares, em impôr tal exploração, ou seja o colonialismo.
Em contraponto ao colonialismo existe um outro conceito, que é o de “colonização”, isto é, a transferência de cultura, o desenvolvimento económico e a sucessiva integração de populações tidas por “indígenas” por outros povos mais “avançados” com quem contactaram, ou que se estabeleceram no seu território.
Foi isto que se passou, por exemplo, em Portugal continental durante a reconquista cristã, havendo até no século XX, um organismo (extinto em 1966), que dava pelo curioso nome de Junta de Colonização Interna - com a resalva de que as populações mouras tinham um grau civilizacional identico.
Ora o conceito colonizador tem uma carga positiva, em qualquer parte do mundo, e foi isso que os portugueses fizeram durante a sua extraordinária expansão pelas quatro partes do mundo. E fizeram-no de um modo constante, com fins espirituais e não apenas materiais, integrando e não discriminando e oferecendo a sua protecção e até a sua nacionalidade a todos os que se abrigassem debaixo da bandeira das quinas. Ou seja foi um esforço colectivo, orientado de cima e que assumiu, desde o início, o natural prolongamento da mãe-pátria relativamente a territórios e populações.
Quer isso dizer que não houve latrocínios, erros ou depredações? Houve, mas tem que se ver as coisas à luz da época e da evolução dos conceitos morais dos tempos. E tem que se ver as coisas em termos relativos. Nesse âmbito ninguém se portou melhor do que nós. E as malfeitorias ocorridas, nunca tiveram o beneplácito ou o incitamento das autoridades. Foram combatidos, o pecado não deixou de ter esse nome e o vício nunca foi considerado um bem.
Houve situações de colonialismo? Houve, nomeadamente por parte de algumas grandes empresas. Sobretudo quando algumas pessoas influentes na sociedade portuguesa, se deixaram cativar no fim do século XIX e princípios do século XX, pelo exemplo do colonialismo inglês e pelos lucros que daí poderiam advir… Esqueceram-se assim dos grandes princípios seculares da colonização portuguesa, causando os danos associados e que eram inevitáveis. Mas tais acções não põem em causa os princípios do Estado Português desde que Afonso de Albuquerque instituiu o “mestiço”,e o todo da obra da lusa gente, ao passo que os abusos que ainda havia estavam a ser firmemente combatidos desde o 3º quartel do século XX.
Ora o que aconteceu no pós II Guerra Mundial, foi ter-se inventado o conceito de autodeterminação dos povos – como do anterior já se tinham inventado alguns, e posteriormente se tentou impôr outros.
Este conceito – caro à Guerra Fria – não visava, objectivamente, dar a povos que estivessem integrados noutras unidades políticas, a capacidade de poderem dispôr de si mesmos do modo que entendessem, mas sim a substituição de soberanias e o domínio económico/financeiro/estratégico.
Os países visados foram os europeus, que dispunham de territórios fora da Europa e apenas esses. Para tal, entre outras “armas”, confundiu-se o conceito de colonização em colonialismo e apenas nesse, diabolizando-o. Tudo isto se transformou num monumental embuste a ser aplicado de forma cega.
Ora Portugal que vivia em paz e sossego dentro das fronteiras, há muito estabilizadas e sem fazer má vizinhança a ninguém, viu-se, primeiro atacado em termos político-diplomáticos e depois com extrema violência física.
A resposta que naturalmente foi dada a isto, contemplou várias vertentes e, quando se tornou necessário, a vertente militar.
Ora chamar a isto “guerra colonial” é um despautério sem qualificação que só a defesa de uma ideologia vesga pode justificar.
O termo “guerra do ultramar” aceita-se no sentido em que as operações se desenvolveram em territórios ultramarinos, conceito antigo e sem qualquer carga pejorativa, ou outra.
Mas, pensem bem, o que as FAs portuguesas e as policiais e de segurança, bem como todas as autoridades civis empenhadas, andaram a fazer durante 13 anos, não terá sido a “condução de operações militares e policiais de contra guerrilha, em larga escala, em defesa da integridade do território e salvaguarda das populações, em reforço dos meios das autoridades provinciais”?
E tal esforço não foi feito contra infiltrações vindas do exterior e apoiadas por potências estrangeiras? (lembra-se que em qualquer território português que fosse ilha nunca houve qualquer perturbação).
Será que 36 anos depois e com os ânimos, aparentemente, serenados esta evidência ainda não entra pelos olhos adentro?