quinta-feira, 29 de agosto de 2013

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

MDN, MAI, incêndios e asneiras escusadas


João José Brandão Ferreira

Uma das primeiras intervenções do novel Ministro da Defesa (MDN), efectuada numa visita à Força Aérea (FA), foi a de perspectivar o regresso daquele Ramo militar ao combate aos incêndios florestais (IF).

A ideia é boa, apesar de requentada, e mereceu desde logo – e bem – um alerta do respectivo Chefe de Estado Maior, lembrando que tal desiderato não seria viável de um dia para o outro.

Como as pessoas em Portugal têm a memória curta por esquecimento ou conveniência, vamos tentar dilucidar, sucintamente, todo este imbróglio. Porque de um imbróglio se trata, apesar da aparente candura das palavras ministeriais.

O Governo tinha adquirido, em 1982, equipamentos com o acrónimo «MAFFS», que foram adaptados aos aviões C-130, e que permitiam largar sobre os incêndios uma quantidade apreciável de uma calda retardante. Custaram, na altura, cerca de 200.000 contos.
Para além disto, na «época dos fogos» distribuíam-se pelo país meia dúzia de helicópteros AL III, que ficavam em alerta aos incêndios. Estes helicópteros tinham uma capacidade muito reduzida de actuação, pois apenas podiam transportar equipas até cinco elementos e largar um pequeno balde de água sobre o fogo.

Com o agravamento anual do número de fogos e área ardida, cada vez foi necessário alugar mais hélis e aviões a empresas privadas, o que gerou um negócio de muitos milhões.

Em 1997, durante o governo do Eng. Guterres, o Secretário de Estado da Administração Interna, Armando Vara, decidiu (presume-se que com o assentimento do MDN), retirar a FA do combate e prevenção aos IF. Tal decisão abriu o caminho para se vir a adquirir, mais tarde, meios aéreos para esta missão, que foram colocados na dependência do MAI.
A fundamentação para tudo baseou-se – como se encontra descrito em vários documentos – na pouca capacidade que a FA possuía para atacar os IF, já que as poucas aeronaves C-130 existentes (cinco, mais tarde seis), o reduzido número de tripulações e o número substancial de outras missões cometidas à esquadra, nunca ter permitido o uso simultâneo dos dois equipamentos MAFFS existentes, a que acrescia as limitações do AL III (para o fim a FA já tinha muitas dificuldades em comprar a calda, pois esta já estava adjudicada a terceiros).

Para além disto, referia-se, o Estado gastava muitos milhões de contos a alugar, sazonalmente, aviões e hélis, não era dono de nenhum e estava sujeito ao mercado.

Salvo melhor opinião, as principais razões que levaram à alteração da política governamental não têm nada a ver com a argumentação aduzida, ou tem pouco a ver. As razões, creio, radicam-se na «luta de capelinhas»; na proeminência que o MAI passou a ter sobre a Defesa; na paranóia em querer afastar os militares de tudo o que não tivesse exclusivamente a ver com a vida nos quartéis, substituindo-os por «boys e girls» – uma pecha insaciável dos partidos – e, também porque nos negócios a efectuar, a FA a Armada e o Exército não terem por hábito pagar comissões ou horas extraordinárias. Senão não teriam feito o disparate que fizeram que é sempre pago pelo contribuinte.
Tudo, aliás, tem resultado num desastre: os fogos não param, a legislação não é adequada, não há prevenção, há muitos acidentes com os bombeiros (os poucos que se apresentam dos cerca de 30.000 inscritos…), etc. Não se sabendo o que fazer com o que restava dos Guardas Florestais, nem como os enquadrar, resolveu-se incorporá-los na GNR que, por ser um corpo militar, é pau para toda a obra; e até se inventou um grupo especial de intervenção contra os fogos, dentro daquela corporação, cuja missão nada tem a ver com isto.

Em contrapartida nada se fez para reforçar os sapadores bombeiros que são os únicos profissionais em apagar fogos, em todo este âmbito…

Ora se tivesse havido boa mente na apreciação da situação, o que deveria ter sido feito era ter aumentado os meios da FA (já que eram insuficientes…) e, ou, dotá-la de meios apropriados que pudessem ser aproveitados noutro tipo de missões, de modo a rentabilizá-los todo o ano. Manter-se-ia, deste modo, os meios aéreos sob comando e controle centralizado (sem embargo da descentralização da execução), a serem operados por quem sabe e tem experiência e capacidade de os operar e manter.
Mas não, decidiu-se pegar no dinheiro – que pelos vistos nunca faltou no MAI – e ir-se inventar a pólvora, pois no nosso desgraçado país os últimos 30 anos têm sido um farró! E o «negócio dos Incêndios» lá continuou de vento em popa.

Constituiu-se mais um dos inúmeros grupos de trabalho (GT), que pulularam no país, como cogumelos, para se equacionar a coisa. As conclusões deste GT foram entregues, em 6 de Setembro de 2005 e daqui surgiu a EMA, Empresa de Meios Aéreos (de capitais públicos), na dependência do MAI.

Do plano inicial fazia parte a compra de hélis ligeiros (quatro) e pesados (seis) e aviões pesados (quatro). Mas continuava a advogar-se o aluguer de 20 (!) hélis e 14 (!) aviões ligeiros e médios. Afinal…
Só para se ter uma ideia da insanidade em que se caiu, em 2010 chegaram a operar, em simultâneo, 56 meios aéreos, o que representa 40% da totalidade das aeronaves do inventário da FA!

Acabou-se por só se adquirir os helicópteros, um negócio atribulado com a Rússia (os Kamov) e, ainda os AS350B3, da Eurocopter (tudo cerca de 54-56 Milhões de euros), e já não se adquiriram os aviões por não haver dinheiro. Os hélis chegaram entre Junho de 2007 e Março de 2008.

O intermediário foi a empresa Heli Portugal, a quem foi adjudicado, também, por cinco anos, a manutenção das aeronaves, o que vale 16 M euros/ano.

A chefia da FA ainda fez uma proposta, em finais de 2004, avançando com a ideia de uma esquadra de aviões tipo Canadair (oito a 10), de multiuso. Este avião tem a vantagem de já ter dado boas provas e ser operado por Marrocos, Espanha, França, Itália e Grécia, podendo-se equacionar uma futura «poole» destes meios. Ficou, ainda, em aberto a hipótese de reconfiguração dos 10 SA 330 Puma existentes e em desactivação, mas aproveitáveis, apesar de não serem os ideais. Hoje estão à venda e não se lhes encontra comprador.
Não deixa de ser curioso notar, contudo, que a chefia da FA, entre 1997 e 2000, não se ter mostrado nada interessada na questão dos IF, nem nos «Canadair».

A FA, com realismo militar, mas com falta de «perspicácia» política, sempre foi dizendo que necessitava de cinco anos para tudo estar operacional, o que logo foi aproveitado pelos políticos, como óbice pela falta de celeridade. Menos, certamente, por preocupação com os fogos, mas por estarem sempre de olho nas próximas eleições e no papelinho do voto…

É claro que a proposta ficou na gaveta da política e só não temos a certeza do grau de assertividade com que esta dama foi defendida. E devia tê-lo sido, não só pela FA mas pelo Conselho de Chefes.

E, assim, se avançou para a organização de uma empresa para operar helicópteros num organismo que sabia rigorosamente nada sobre tal «negócio». O Estado Português tem destas coisas e é, como se sabe, rico.

Faltava agora decidir sobre o dispositivo, isto é, onde estacionar os meios. A Autoridade Nacional de Protecção Civil pretendia meios colocados em Loulé e S. Comba Dão (e outros locais) mas, para além disto, era necessária uma base central.

O MAI António Costa, ainda tentou colocá-los na antiga base de Tancos (que tem todas as infra-estruturas, espaço e está despido de meios aéreos, e para isso reuniu com os Chefes do Exército e da FA. A reunião correu mal (para variar), e nenhum acordo foi atingido.

Resultado, foi-se gastar uma nota gorda (cerca de 15M euros), a fazer uma «base» no aeródromo municipal de Ponte de Sor (a 50 km de Tancos…), que foi completamente remodelado.

Como houve dificuldades, no inicio, em recrutar pilotos para os «Kamov», a EMA foi generosa e passou a oferecer 6000 euros/mês a um comandante, fora as alcavalas. Afinal só não há dinheiro é para os hélis dos Ramos, nem para aumentar o risco de voo dos pilotos militares… Para já não falar nos diferentes pesos e medidas, que o mesmo patrão (o Estado), usa para com os seus servidores.
Como ninguém, aparentemente, explicou com algum detalhe aos senhores do MAI, que operar meios aéreos não é propriamente o mesmo que colocar uma asa num carro de bombeiros, os custos da empresa não mais pararam de derrapar e o passivo já ultrapassa os 40 milhões, se é que se podem acreditar nas contas que por aí correm. Tentou-se, «in extremis» impor quotas de horas de voo à GNR, PSP, ANPC, SEF, IMTT, etc., o que tem gerado uma apreciável confusão.

E agora ninguém sabe o que fazer. Daí o anzol lançado pelo MDN.

A desintonia e os desencontros, entre MDN, MAI, bem como entre as principais entidades que têm andado ligadas a esta problemática, têm sido a regra.

Os incêndios, esses, continuam a surgir por geração espontânea e fazem o seu percurso placidamente.

Deve ser das alterações climáticas.