sexta-feira, 16 de março de 2012

O acordo ortográfico e o futuro
da língua portuguesa


Maria Clara Assunção







Tem-se falado muito do Acordo Ortográfico e da necessidade de a língua evoluir no sentido da simplificação, eliminando letras desnecessárias e acompanhando a forma como as pessoas realmente falam. Sempre combati o dito Acordo mas, pensando bem, até começo a pensar que este peca por defeito. Acho que toda a escrita deveria ser repensada, tornando-a mais moderna, mais simples, mais fácil de aprender pelos estrangeiros.

Comecemos pelas consoantes mudas: deviam ser todas eliminadas.

É um fato que não se pronunciam. Se não se pronunciam, porque ão-de escrever-se? O que estão lá a fazer? Aliás, o qe estão lá a fazer? Defendo qe todas as letras qe não se pronunciam devem ser, pura e simplesmente, eliminadas da escrita já qe não existem na oralidade.

Outra complicação decorre da leitura igual qe se faz de letras diferentes e das leituras diferentes qe pode ter a mesma letra.

Porqe é qe «assunção» se escreve com «ç» e «ascensão» se escreve com «s»?

Seria muito mais fácil para as nossas crianças atribuír um som único a cada letra até porqe, quando aprendem o alfabeto, lhes atribuem um único nome. Além disso, os teclados portugueses deixariam de ser diferentes se eliminássemos liminarmente o «ç».

Por isso, proponho qe o próximo acordo ortográfico elimine o «ç» e o substitua por um simples “s” o qual passaria a ter um único som.

Como consequência, também os «ss» deixariam de ser nesesários já qe um «s» se pasará a ler sempre e apenas «s».

Esta é uma enorme simplificasão com amplas consequências económicas, designadamente ao nível da redusão do número de carateres a uzar. Claro, «usar», é isso mesmo, se o «s» pasar a ter sempre o som de «s» o som «z» pasará a ser sempre reprezentado por um «z».
Simples não é? se o som é “s”, escreve-se sempre com s. Se o som é «z» escreve-se sempre com «z».

Quanto ao «c» (que se diz «cê» mas qe, na maior parte dos casos, tem valor de «q») pode, com vantagem, ser substituído pelo «q». Sou patriota e defendo a língua portugueza, não qonqordo qom a introdusão de letras estrangeiras. Nada de «k».

Não pensem qe me esqesi do som «ch».

O som «ch» pasa a ser reprezentado pela letra «x». Alguém dix «csix» para dezinar o «x»? Ninguém, pois não? O «x» xama-se «xis». Poix é iso mexmo qe fiqa.

Qomo podem ver, já eliminámox o «c», o «h», o «p» e o «u» inúteix, a tripla leitura da letra «s» e também a tripla leitura da letra «x».

Reparem qomo, gradualmente, a exqrita se torna menox eqívoca, maix fluida, maix qursiva, maix expontânea, maix simplex. Não, não leiam «simpléqs», leiam simplex. O som «qs» pasa a ser exqrito «qs» u qe é muito maix qonforme à leitura natural.

No entanto, ax mudansax na ortografia podem ainda ir maix longe, melhorar qonsideravelmente.

Vejamox o qaso do som «j». Umax vezex excrevemox exte som qom «j» outrax vezex qom «g». Para qê qomplicar?!?

Se uzarmox sempre o «j» para o som «j» não presizamox do «u» a segir à letra «g» poix exta terá, sempre, o som «g» e nunqa o som «j». Serto? Maix uma letra muda qe eliminamox.

É impresionante a quantidade de ambivalênsiax e de letras inuteix qe a língua portugesa tem! Uma língua qe tem pretensõex a ser a qinta língua maix falada do planeta, qomo pode impôr-se qom tantax qompliqasõex? Qomo pode expalhar-se pelo mundo, qomo póde tornar-se realmente impurtante se não aqompanha a evolusão natural da oralidade?

Outro problema é o dox asentox. Ox asentox só qompliqam!

Se qada vogal tiver sempre o mexmo som, ox asentox tornam-se dexnesesáriox.

A qextão a qoloqar é: á alternativa? Se não ouver alternativa, pasiênsia.

É o qazo da letra «a». Umax vezex lê-se «á», aberto, outrax vezex lê-se «â», fexado. Nada a fazer.

Max, em outrox qazos, á alternativax.

Vejamox o «o»: umax vezex lê-se «ó», outrax vezex lê-se «u» e outrax, ainda, lê-se «ô». Seria tão maix fásil se aqabásemox qom isso! Para qe é qe temux o «u»? Para u uzar, não? Se u som «u» pasar a ser sempre reprezentado pela letra «u» fiqa tudo tão maix fásil! Pur seu lado, u «o» pasa a suar sempre «ó», tornandu até dexnesesáriu u asentu.

Já nu qazu da letra «e», também pudemux fazer alguma qoiza: quandu soa «é», abertu, pudemux usar u «e». U mexmu para u som «ê». Max quandu u «e» se lê «i», deverá ser subxtituídu pelu «i». I naqelex qazux em qe u «e» se lê «â» deve ser subxtituidu pelu «a».
Sempre. Simplex i sem qompliqasõex.

Pudemux ainda melhurar maix alguma qoiza: eliminamux u «til» subxtituindu, nus ditongux, «ão» pur «aum», «ães» – ou melhor «ãix» - pur «ainx» i «õix» pur «oinx». Ixtu até satixfax aqeles xatux purixtax da língua qe goxtaum tantu de arqaíxmux.

Pensu qe ainda puderiamux prupor maix algumax melhuriax max parese-me qe exte breve ezersísiu já e sufisiente para todux perseberem qomu a simplifiqasaum i a aprosimasaum da ortografia à oralidade so pode trazer vantajainx qompetitivax para a língua purtugeza i para a sua aixpansaum nu mundu.

Será qe algum dia xegaremux a exta perfaisaum?

quinta-feira, 15 de março de 2012

Ordem de serviço no Tribunal
de Viana do Castelo interdita
a utilização da nova grafia

Um juiz do tribunal de Viana do Castelo emitiu uma ordem de serviço proibindo a utilização da grafia do novo Acordo Ortográfico, alegando que os tribunais não estão abrangidos pela resolução do Governo.

A decisão do juiz Rui Estrela Oliveira consta de uma ordem de serviço datada de 23 de Janeiro deste ano e aplica-se a todos os processos e tramitações do segundo Juízo Civil daquele tribunal, sendo justificada pelo próprio, em entrevista à Agência Lusa, como uma «questão eminentemente jurídica».

O juiz recorda a resolução do Conselho de Ministros de Dezembro de 2010, que «determina que, a partir de 1 de Janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direção, superintendência e tutela do Governo aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa», para concluir: «Esta antecipação de efeitos não engloba os tribunais, porque não fazem parte do Governo. Não são superintendidos, não são dirigidos nem são tutelados pelo Governo». Este é o primeiro motivo para não aplicar o Acordo Ortográfico.

Interpretação jurídica

Paralelamente, a «preocupação» deste juiz, plasmada na ordem de serviço, vai ainda mais longe e chega à própria interpretação jurídica de textos, conforme a aplicação da nova ou da antiga grafia, dando forma ao segundo motivo.

«Se há campo onde há mais mudanças, na intensidade de utilização de certas palavras, é no Direito. Pode provocar, com o mesmo texto, um sentido totalmente diferente. Isto nunca foi pensado nem acautelado de nenhum modo. Juridicamente é muito importante o que se diz e o modo como se diz», afirma ainda o juiz.

Aponta como exemplo uma construção da sua autoria, envolvendo «corretores» da bolsa e a função de «corrector», esta pela antiga grafia.

«De início, o corretor da sala 3 assumia a função de corretor do corretor da sala 2, para depois passar a ser o corretor de todos, até do corretor da última sala que, confrontado com a situação, esboçou um sorriso», apontou o juiz, para logo depois concluir: «Uma vez que corrector perdeu o 'c', o sentido é indecifrável».

Quebra de liberdade

O que o leva ao encontro do terceiro motivo para não aplicar o Acordo Ortográfico. «Alguém que está a escrever, se se apercebe disto, não vai escrever. E aí há uma quebra da sua liberdade», garante, assumindo ainda a possibilidade de, com a nova grafia, poder haver «uma situação em que o Tribunal não é entendido na sua ordem», sobretudo por quem apenas aprendeu uma grafia em toda a vida.

terça-feira, 13 de março de 2012

Choque de titãs deixa deputados hesitantes
face ao Acordo Ortográfico

Adelino Gomes, Público on-line










Já se aproximavam as 18 horas quando a deputada Teresa Portugal (PS) abriu a última parte da sessão - aquela em que se iriam conhecer as posições dos representantes partidários acerca do acordo ortográfico, o tema que mobilizava desde as 10 e meia da manhã catedráticos, linguistas, editores, membros de institutos e associações da língua portuguesa, reunidos na sala do Senado da Assembleia da República, em Lisboa.

A deputada começou por historiar a «atribulada história dos múltiplos acertos e desacertos da ortografia» da língua portuguesa. Mas em breve não hesitaria em confessar-se dividida «perante uma argumentação igualmente convincente» que ouvira, ao início da tarde, quando Vasco Graça Moura e Carlos Reis esgrimiram argumentos contra e a favor do acordo ortográfico ratificado em 1990, mas que agora voltou uma vez mais ao Parlamento, como proposta de resolução apresentada pelo Governo, para resolver um imbróglio jurídico, facilitando a entrada em vigor do acordo de 1990 desde que pelo menos três dos oito países contratantes depositem os respectivos instrumentos de ratificação.

As frases-chave dos dois deputados que se lhe seguiram, do PSD e do CDS-PP, alinharam pelo mesmo tom: o PSD «manifesta abertura de espírito para valorizar todos os argumentos aqui ouvidos» (Ana Zita Gomes); «ficámos a conhecer todos os pontos de vista, nalguns casos, felizmente, antagónicos» (Pedro Mota Soares, do CDS-PP). As múltiplas interrogações com que o deputado do PCP, João Oliveira, recheou a sua intervenção («Será este acordo um factor de cooperação? De que serve um acordo ortográfico sem uma política da língua portuguesa no mundo?») indiciavam uma mesma reserva em desvendar o sentido de voto final, apenas revelado, na prática, pelo representante do Bloco de Esquerda (BE). Este, ficou claro, será de apoio ao acordo. Disse Luís Fazenda: «Respeitamos objecções levantadas por pessoas com competência técnica [referia-se aos linguistas que se manifestam contra aspectos do acordo]. Contudo, o que é importante é o sinal político e esse vai muito para além deste acordo de aproximação ortográfica e é o seguinte: no conjunto de Estados que se exprimem em português há uma cogestão da língua.» Graça Moura vs Carlos Reis.

O carácter tão ostensivamente prudencial como os deputados se pronunciaram (alguns insistindo que falavam a título meramente pessoal) terá talvez a ver com o brilhantismo dos dois convidados especiais da audição parlamentar - Vasco Graça Moura e o catedrático de Coimbra e reitor da Universidade Aberta, Carlos Reis. Eurodeputado do PSD, escritor («esteta da escrita», chamou-lhe Teresa Portugal), Graça Moura não poupou palavras no ataque ao documento. A começar no título da intervenção - «Acordo ortográfico: a perspectiva do desastre». E a continuar nas intenções ocultas que nele descortina - «decerto à revelia das melhores intenções dos negociadores portugueses, o Acordo (...) serve interesses geopolíticos e empresariais brasileiros, em detrimento de interesses inalienáveis dos demais falantes de português no mundo», em especial de Portugal, e representa «uma lesão inaceitável de um capital simbólico acumulado e de projecção planetária». Vasco Graça Moura distribuiu pelo documento críticas de carácter jurídico (para o Acordo vigorar na ordem interna portuguesa não lhe bastam a aprovação parlamentar e a ratificação do Presidente da República - necessita de «ter assegurada a sua vigência no ordenamento internacional», algo que está longe de acontecer pois foi ratificado até agora por três dos oito Estados de língua portuguesa); de carácter processual (o Governo «não consultou nenhuma Universidade, nem o Conselho de Reitores, nem a Associação Portuguesa de Escritores, nem a Sociedade de Língua Portuguesa») e, sobretudo, de carácter técnico. Os defensores do Acordo, disse, não deram resposta até hoje «a nenhuma das críticas científicas» formuladas por linguistas. «O único objectivo real de toda a negociação do Acordo», acusa, foi o de suprimir as consoantes mudas ou não articuladas «c» e «p», o que levará a «homogeneizar integralmente a grafia portuguesa com a brasileira (...) desfigurando a escrita, a pronúncia e a língua que são as nossas».

Carlos Reis avançou logo com uma «declaração de desinteresses» seguida de outra de interesses: «Não tenho dependências económicas nem cumplicidades políticas; a minha única preocupação é com a Língua Portuguesa como idioma dividido por oito países.»

O que está em causa neste acordo ortográfico, disse, «é aproximar o modo como escrevemos do modo como falamos (...). Há alguma ofensa cultural se passo a escrever “elétrico" em vez de "eléctrico"?», perguntou, numa rajada de interrogações em que quis saber se Portugal se deve manter agarrado a uma «concepção conservadora da ortografia»; se serão os interesses das editoras «absolutamente determinantes para condicionarem decisões de amplo alcance a alargado espectro cultural»; se «podem alguns portugueses persistir em encarar o Brasil como um parceiro menor neste processo ou até como um inimigo»; e se Portugal tem o direito de colocar obstáculos, «as mais das vezes artificiais ou fundados em interesses económicos, a um entendimento que não afecta identidades nem legítimas singularidades linguísticas».

segunda-feira, 12 de março de 2012

Não queremos, pura e simplesmente


Vasco Graça Moura








A audição dos responsáveis pela petição «Em Defesa da Língua Portuguesa», de que sou o primeiro subscritor, teve lugar na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República no dia 25 de Setembro, em sessão presidida pelo deputado-relator Feliciano Barreiras Duarte.Num texto que publicou no blogue oficial da petição (http://emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/), Maria Alzira Seixo dá conta do modo como aquela audição decorreu. E nunca será demais encarecer a demolição total do Acordo Ortográfico a que, tanto Jorge Morais Barbosa como António Emiliano, os dois reputados professores de Linguística que com ela e comigo se deslocaram a São Bento, procederam uma vez mais na sessão referida.

Neste momento, o número de signatários da petição de todos os sectores ideológicos, políticos, profissionais e sociais já ultrapassa os 95 mil, o que, apesar do inevitável abrandamento de ritmo ocorrido em período de férias grandes, é extraordinariamente expressivo. É de esperar que as assinaturas continuem a acumular-se e parece evidente que o processo não pode parar até se chegar a um resultado satisfatório.

Por um lado, essas muitas dezenas de milhares de pessoas depositaram a sua expectativa e a sua confiança no bom andamento e no êxito na petição, bem como no empenhamento dos seus promotores. Por outro, não pode ainda considerar-se esgotado o conjunto de possibilidades de ataque ao Acordo Ortográfico, nem no plano analítico e argumentativo, nem no plano das acções a empreender.

Neste momento, o que parece mais adequado é aguardar pela feitura do relatório do deputado Feliciano Barreiras Duarte e esperar que esse documento seja presente ao plenário da Assembleia da República, nos termos legais. Se tudo correr como os seus promotores esperam, o objectivo da petição pode ser conseguido, levando à suspensão do Acordo Ortográfico para fins da sua revisão.

 O que neste momento está em apreço não tem nada que ver com o segundo protocolo modificativo que o Presidente da República ratificou há dois meses. Esse protocolo limita-se a estabelecer que a ratificação por três de sete países obriga os restantes quatro. Independentemente do absurdo jurídico e da imoralidade da coisa, temos que continua a não haver notícias de que Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau se conformem com tal princípio e muito menos com o Acordo Ortográfico. Decorridos 18 anos, não o ratificaram porque não o querem...O que está agora em apreço é o próprio conteúdo do Acordo Ortográfico, ratificado em 1991. É a necessidade imperiosa de se proceder à revisão das enormidades e vícios de um documento que nunca se aplicou e uns quantos irresponsáveis continuam a defender. Ora nada impede que o Parlamento se debruce sobre esses problemas, já que, da parte do Governo, não há sinais de a gravidade e o alcance destas matérias terem, sequer, sido compreendidos. Entretanto, tornou-se patente urbi et orbi que o nosso Presidente da República, bem como o do Brasil e outras individualidades puderam perfeitamente exprimir-se em português nas Nações Unidas, sem qualquer necessidade de Acordo Ortográfico. Isso tornou-se possível porque houve quem pagasse os custos da interpretação, o que foi sempre o único problema...António Emiliano apresentou provas documentais (manual de estilo da Wikipedia e lista dos Locale ID and Language Groups da Microsoft) de que são consideradas inúmeras variantes ortográficas nacionais em línguas como o inglês, o espanhol ou árabe, o que não lhes impede a projecção mundial. No caso português, a lista da Microsoft apenas considera o português do Brasil (Portuguese-Brazilian) e o português padrão (Portuguese-Standard), isto é, apenas duas variantes contra 15 para o inglês e 20 para o espanhol.

 Em Junho, o ministro da Cultura afirmou no Brasil que se o acordo é uma coisa boa, «então que seja o mais depressa possível». Mas acrescentou: «Se é má, então não queremos, pura e simplesmente.»

Como o acordo é uma coisa péssima, basta pegar-lhe na palavra e continuar a assinar a petição. Não queremos, pura e simplesmente.